quinta-feira, março 25, 2010

Arquitectura Modernista em Portugal



A "Carta de Atenas", publicada em 1935, é relativa às conclusões do IV Congresso Internacional de Arquitectura Moderna de 1933, subordinado ao tema "A Cidade Funcional", e resultou num manifesto de uma programação urbana, em oposição ao caos da Cidade Industrial. As propostas são relativas às quatro funções da Cidade, Habitação, Recreio, Trabalho e Circulação, medidas à escala humana, onde o interesse privado se deveria subordinar ao interesse público.


Em Portugal, em 1945, dá-se a inserção das Cadeiras de "Urbanologia" e "Teoria e História do Urbanismo" nos Cursos de Arquitectura das Escolas de Belas Artes, introduzindo-se diversos conceitos, como por exemplo, a hierarquização de redes viárias, os núcleos direccionais e o zonamento.


No Congresso Nacional de Arquitectos de 1948, acontecimento simultâneo com a Exposição sobre "Quinze anos de Obras Publicas", que reflectia os princípios urbanísticos da tradição e do nacionalismo, surge em oposição a ideia de um novo conceito de Cidade, apresentada por três Arquitectos que se destacaram pela defesa da "Cidade Radiosa" e da "Carta de Atenas": Viana de Lima, Arménio Losa e Lobão Vital.


Não será possível compreender a evolução da Arquitectura e Urbanismo Modernos sem ter em consideração as suas contínuas relações com a Arte, bem como as relações entre as "Artes", que durante o século XX potenciaram cada vez mais debates, num espírito conceptual e crítico. Essas influências foram-se manifestando em diversas variantes, quer através do mimetismo formal, quer através de um paralelismo metodológico e processual.


A nível internacional, houve um período, no início do século, em que os Pintores e os Arquitectos trabalhavam lado a lado, com a solicitação recíproca de desmontar os vínculos herdados pela tradição. Os movimentos de vanguarda europeus fomentaram um intercâmbio de resultados entre as experiências dos Arquitectos e dos Pintores, nas quais pretendiam mudar as convenções culturais.


A Bauhaus, instituída em 1919 em Weimar, referiu na sua proclamação para que fosse criado "o novo edifício do futuro, que englobe a arquitectura e a escultura e a pintura nessa unidade, e que um dia se elevará aos céus pelos mais de um milhão de trabalhadores como um símbolo de cristal de uma nova fé."


Em Portugal, essa integração verificou-se com a adopção dos códigos da Arquitectura Brasileira do pós-guerra, traduzindo na obra arquitectónica elementos plasticizantes, dinamismo, alegria e desejo de libertação. A cor é usada como elemento plástico, pintada nas superfícies, ou explorada através das características dos materiais


Os painéis cerâmicos surgem como um desejo de retomar um revestimento tradicional, de fortes raízes na Cultura e Arte Decorativa Portuguesa, mas de um modo actual, com uma atitude contemporânea de "Revisão Vernacular do Movimento Moderno". Os painéis de azulejo, com intervenções de diversos artistas, pensados como uma obra de Arte integrada na Arquitectura, obtêm um resultado de grande vigor plástico na produção arquitectónica dos anos 50.


Em Lisboa, destacam-se a colaboração de Almada Negreiros com Pardal Monteiro, e, como um exemplo notável de "obra total", o Bloco das Águas Livres de Nuno Teotónio Pereira, de 1956, com um estudo de cor de Frederico George, baixos-relevos de Jorge Vieira, mosaicos de Almada Negreiros e um vitral de Cargaleiro.


O Centro Comercial do Restelo, de Chorão Ramalho, tem a colaboração plástica de Querubim Lapa, que em conjunto com Victor Palia, intervieram em diversas Escolas Primárias.


Keil do Amaral desenvolveu no Campo Grande a temática regionalista, integrando painéis cerâmicos e peças escultóricas, com o sentido de uma ideia de "Arte Pública": um painel de azulejos de Júlio Pomar, uma escultura de Canto da Maya e uma cerâmica de Jorge Barradas.


No Porto, os estudantes de todos os cursos, Arquitectura, Pintura e Escultura, conviviam intimamente, não só por terem preparatórios comuns, como pelo facto das três Artes serem consideradas inseparáveis. Havia discussões sobre o Modernismo na Arte, e um latente inconformismo em relação ao ensino clássico. São inúmeros os exemplos de estreita colaboração de Artistas Plásticos em obras de Arquitectura.


Para além dos que irão ser referidos mais pormenorizadamente, temos a Casa do Amial, projectada em 1953 por Celestino de Castro, com um estudo de cor de Júlio Pomar.


Também se verificam algumas parcerias entre Arquitectos e Artistas Plásticos, com alguma longevidade, e com bastantes testemunhos provados, como Arménio Losa com Augusto Gomes, José Carlos Loureiro e Agostinho Ricca com Júlio Resende, Carlos Neves e Manuel Pereira da Silva, e Júlio de Brito e Rogério de Azevedo com Henrique Moreira.


As intervenções deste Escultor, discípulo de Teixeira Lopes na Academia Portuense de Belas Artes, de uma corrente Proto-modernista, verificaram-se em diversas colaborações com Rogério de Azevedo, como já pudemos constatar, nos edifícios do Comércio do Porto e no Hotel Infante Sagres, num modelo em que a Arquitectura serve de suporte à Escultura, experimentado também na remodelação do Teatro Rivoli, de Júlio de Brito nos anos 40, nos frisos interiores em gesso pintado e na platibanda em baixo relevo, em que também colaborou o escultor Manuel Pereira da Silva.


Desta parceria com Rogério de Azevedo, também são da sua autoria, em 1947, um baixo-relevo em mármore no Edifício Rialto, um busto em mármore a João de Deus, no Jardim Escola da Constituição, e um elemento escultórico, em bronze e granito, no Jardim do Passeio Alegre, homenagem a Raul Brandão.


Para além das diversas esculturas que pontuam diferentes espaços públicos na Cidade, nas suas criações para edifícios destacam-se: a "Águia", em bronze, do Café Imperial, em 1936; o "índio" do Café Guarany, um baixo-relevo em mármore; na Capela de N. Sª de Fátima um baixo-relevo em mármore; em 1939, baixos-relevos em granito para a Bolsa do Pescado de Januário Godinho e para o Frigorífico do Bacalhau; um baixo-relevo em Pedra de Ançã na Igreja de St.0 António dos Congregados, em 1949; baixos-relevos em granito para a Igreja de N. Sª da Conceição entre 1945 e 1949; e em 1957, para a Câmara do Porto, as cariatides e os atlantes de granito.


Todos estes exemplos da obra de Henrique Moreira seguem um modelo mais clássico de integração da Escultura na Arquitectura.


No edifício da Fábrica das Sedas, na Rua do Monte dos Burgos, projectado por Arménio Losa em 1943, existem, nos volumes salientes, dois baixos-relevos de Augusto Gomes, com uma concepção integrada na proposta arquitectónica, correspondentes a duas figuras, uma masculina e outra feminina, com elementos vegetalistas e alusivos ao Trabalho, à Industria e ao Mar, temas recorrentes da obra deste autor.


O Cinema Batalha, projecto de Artur Andrade, datado de 1944 e concluído em 1947, teve as participações artísticas de Júlio Pomar e Américo Braga. Do primeiro, frescos nos foyers junto às escadas; do segundo, um baixo-relevo, em terracota, na fachada lateral voltada para a Praça da Batalha. Ambas as intervenções provocaram uma agitação política e social, após a queixa da Câmara Municipal do Porto ao Ministério do Interior. Os frescos foram recobertos com tinta plástica e no baixo-relevo foram retirados a foice e o martelo.


"Painel colocado sem qualquer tipo de remate sobre o plano liso da parede lateral do edifício, com figuras femininas e masculinas distribuídas em três alturas, representando figuras reais e alegóricas sobre um fundo aqui e além pontuado por estrelas que remetem para o universo do cinema.


No plano inferior figuram os únicos personagens vestidos e calçados de forma realista, constituindo o suporte simbólico de toda a composição, em alusão ao trabalho. Do lado esquerdo, junto a uma árvore da vida e à frente de uma seara, uma camponesa segura com o antebraço um molho de trigo, e com a mão direita ergue uma foice.


No centro, um operário junto a uma construção, carrega aos ombros uma grossa corrente de ferro que a mão esquerda sustém, enquanto a mão direita, antes de ser mutilada empunhava um martelo. Ainda neste plano, uma figura sentada concebida de forma idealizada, exibe um livro, alusão à criação artística. Nos planos superiores, entidades originárias de concepção clássica parecem pairar metaforicamente num universo etéreo e intemporal, plasticamente integradas pela combinação de classicismo, característica do neo-realismo."


O espírito de vanguarda de Artur Andrade não se reporta unicamente à radicalidade do desenho arquitectónico na notável solução do gaveto onde consegue, em simultâneo, a ligação à malha urbana e o destaque volumétrico, mas também a inserção de um conjunto de obras de Arte, de carácter neo-realista, que surgem claramente como oposição ao Regime. Neste caso, a "Síntese das três Artes" acaba por incluir a própria evolução formal da fuga à sobriedade geométrica, recorrendo a formas mais complexas que a gíria da época designava como "formas de sofisma".


Nos anos 50, o Cavan começou a ser publicitado e utilizado como revestimento de edifícios, iniciando-se uma pesquisa para tirar partido estético da sua plasticidade, já que era possível, mediante os aditivos coloridos e o tipo de granulado de mármore ou calcário utilizados, desenhar motivos diversificados, em que as cores eram separadas por um perfil metálico.


O edifício de habitação na Praça D. Afonso V, projectado por Francisco Pereira da Costa, em 1953, possui elementos decorativos, em Cavan, nos topos das fachadas laterais. O rés-do-chão, destinado a comércio, possui um pórtico que estabelece a transição entre o espaço privado e o espaço público da Praça, correspondendo ao sistema estrutural, que se vê padronizado na malha geométrica dos restantes pisos. A existência dos elementos decorativos nas fachadas laterais reporta a uma clara referência ao Movimento Moderno.


Na Escola Primária da Constituição, um projecto de Alexandre de Sousa, Arquitecto da Câmara Municipal do Porto, entre 1956 e 58, pode observar-se na caixa de escadas, um mural de Martins da Costa sobre marmorite azulado, que corresponde à técnica do Cavan, bem como uma pintura a têmpera do mesmo autor, no refeitório e polivalente, de uma temática infantil e lúdica.


Outros exemplos de aplicação do Cavan, como revestimento de feição estética, são uma moradia de Arménio Losa na Avenida dos Combatentes, dos anos 50, onde o muro lateral possui um painel com um desenho abstracto, e o Bairro de Paranhos, ou do Outeiro, onde a sua concepção como Bairro Social de iniciativa municipal, do início dos anos 60, não impediu a sua qualificação plástica, com painéis em cada um dos blocos, de motivos variados e um figurativismo geométrico. A criação da Via de Cintura Interna veio dificultar uma percepção mais aproximada.


As criações de Jorge Barradas, em 1950, para o Palácio Atlântico, projecto de 1946 da sociedade de arquitectos /ARS, referem-se a um painel relevado em faiança, no interior, e a um conjunto de painéis cerâmicos no tecto da arcada exterior. A temática mitológica, com incidência nas referências ao folclore nacional e à prática de trabalhos campestres, enquadra-se no uso a que se destinava o edifício, a pretendida exaltação de valores nacionalistas do "Portugal de Além-Mar".


Na Igreja de N. Sª da Boavista, projecto de Agostinho Ricca, de 1979, para além de quinze placas cerâmicas vidradas, de 16,5 centímetros, datadas de 1986, intituladas "Passos da Paixão de Cristo e uma Ressurreição", existem outras obras de Júlio Resende, como os Vitrais, o "Cristo no Calvário" e um tapete que cobre a zona central da Igreja. Este caso vem mostrar que, independentemente da formação académica do Arquitecto, vocacionada para concepção artística, quando intervém um artista com a versatilidade disciplinar de Júlio Resende, toda a obra arquitectónica ganha uma substantiva profundidade.


FERNANDES, José Manuel - Arquitectura Modernista em Portugal. Lisboa: Gradiva, 1993.

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