São quase só as cidades antigas, crescidas sem um plano
premeditado, que oferecem um tal conteúdo à forma estética: aqui, formas que
nasceram de finalidades humanas e que aparecem como simples materializações do
espírito e da vontade representam pela sua conjugação um valor que está
inteiramente para além destas intenções e lhes vem crescer como um opus
supererogationis (…) e que distâncias entre as épocas, os estilos, as
personalidades, os conteúdos vitais, que aqui deixaram as suas marcas são tão amplas
como em nenhum outro sítio no mundo e, no entanto, estão entretecidos numa
unidade, harmonia e afinidade…
Ditas por Georg Simmel sobre Roma, as mesmas palavras poderiam também
descrever Braga. Este historiador da arte permaneceu bastante afastado das
discussões que a crítica artística do século XX montou sobre a legitimidade da
obra de arte, a morte da arte e da demanda da beleza. Simmel produziu uma resposta simples ao
complexo labirinto das questões relativamente ao “o que é arte?” A arte, tal
como a beleza é, segundo este filosofo, um privilégio que reside na capacidade
de distinguir, ver as relações e fazer sentido para a mente, na multiplicidade
de objetos, factos ou fenómenos. Simmel, provavelmente um devoto de escola romântica, também
observou que os objetos da natureza contêm sempre um potencial estético: a
harmonia ou contraste da totalidade das partes ou dos elementos revelam a
beleza imediata, enquanto a harmonia, como tal, não existe nas criações humanas
e apenas o tempo pode lhes proporcionar uma completude estética. Em Braga, esta
afirmação nem sequer necessita de demonstração, está explicita e é
impressionante.
Esta antiga cidade portuguesa, com milhares de anos de
história, cujas relíquias e cicatrizes se manifestam na sua face através da
arqueologia e da arquitetura, está viva, alegre e jovem no seu espírito.
Demograficamente é a cidade mais jovem de Portugal, Braga lembra, convoca e
festeja, ao longo do ano, todas as suas épocas, da romana à moderna. Enquanto a
comemoração do passado é construída na memória e no arquivo, onde todas as
temporadas, estilos e símbolos anteriores são mutuamente pacificados sob o
guarda-chuva do património, o presente ainda não está acamado, desenrola-se
cheio de controvérsia. Embora não existam tensões entre os estilos romano,
gótico, barroco ou manuelino, que frequentemente se encontram compostos um
sobre o outro (o tempo é o artista perfeito ergue, esquece e mistura), a página
da arte contemporânea está aberta, o discurso constrói-se pela celebração da
sua diferença em relação às épocas passadas.
Este é um excerto do texto do catálogo da autoria de:
Madina Zingashina, curadora do projeto ART-MAP Braga
2017
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