Uma quarta fase de
estetização do mundo é estabelecida, remodelada no essencial, por lógicas de
comercialização e de individualização extremas. A uma cultura modernista,
dominada por uma lógica subversiva em guerra contra o mundo burguês, sucede um
novo universo no qual as vanguardas são integradas na ordem económica, aceites,
procuradas, apoiadas pelas instituições oficiais. Com o triunfo do capitalismo
artístico, os fenómenos estéticos já não regressarão aos pequenos mundos periféricos
e marginais integrados nos universos de produção, de comercialização e de
comunicação dos bens materiais, constituem imensos mercados moldados por
gigantes económicos internacionais.
No momento da estetização
dos mercados de consumo, o capitalismo artístico multiplica os estilos, as
tendências, os espetáculos, os lugares de arte, lança continuamente novas modas
em todos os setores e cria em grande escala o sonho, o imaginário, emoções;
artializa o domínio da vida quotidiana no mesmo momento em que a arte
contemporânea, por seu lado, está comprometida num largo processo de
desdefinição. Uma desdefinição da arte que, no entanto, implica uma forma
inédita de experiencia estética. É um universo de superabundância ou de
inflação estética que se combina aos nossos olhos: um mundo transestético, uma espécie de hiperarte
em que a arte se infiltra nas indústrias, em todos os interstícios do comércio
e da vida vulgar. O domínio do estilo e da emoção passou ao regime híper: isto não quer dizer beleza
perfeita e acabada, mas generalização das estratégias estéticas com fim
comercial em todos os setores das indústrias de consumo.
Uma hiperarte igualmente no
que já não simboliza um cosmos nem exprime narrativas transcendentes, já não é
a linguagem de uma classe social, mas funciona como estratégia de marketing,
valorização distrativa, jogos de sedução sempre renovados para captar os
desejos do novo consumidor hedonista e aumentar o volume de negócios das
marcas. Estamos no momento do estado estratégico e comercial da estetização do
mundo, na idade transestética.
Cada vez mais as indústrias
culturais ou criativas funcionam em modo hiperbólico, com filmes com orçamentos
colossais, campanhas de publicidade criativas, séries de televisão
diversificadas, emissões de televisão que misturam o erudito e o music-hall, arquiteturas-esculturas de
grandes efeitos, videoclipes delirantes, parques de diversão gigantescos,
concertos pop com encenações
“extremas”. Nada mais escapa à rede da imagem e do divertimento e tudo o que é espetacular
cruza-se com o imperativo comercial: o capitalismo artístico criou um império
transestético fecundante onde se misturam design
e star system, criação e entertainment, cultura e show business, arte e comunicação,
vanguarda e moda. Uma hipercultura comunicacional e comercial que vê degradar-se
as oposições clássicas da famosa “sociedade do espetáculo”: o capitalismo
criativo transestético que não funciona com a separação, com a divisão, mas com
o cruzamento, com a trama dos domínios e dos géneros. O antigo reino do
espetáculo desapareceu, foi substituído pelo hiperespetáculo que consagra a
cultura democrática e comercial do divertimento.
As estratégias comerciais do
capitalismo criativo transestético já não poupam nenhuma esfera. Os objetos
comuns são invadidos pelo estilo e pelo look, muitos deles tornam-se acessórios
de moda. Os designers, os artistas
plásticos, os criadores de moda são convidados a redesenhar o aspeto dos
produtos básicos industriais e dos templos de consumo. As marcas de moda do
grande público copiam os códigos do luxo. As lojas, os hotéis, os bares e os
restaurantes investem nas suas imagens, na decoração, na personalização dos
seus espaços. O património é reabilitado e encenado à maneira dos cenários
cinematográficos. Os cenários urbanos são retocados, encenados, “disneyficados”
com o intuito do consumo turístico. A publicidade quer ser criativa e os
desfiles de moda parecem performances.
As arquiteturas de imagens florescem, valem por si mesmas, pela sua atração,
pela sua dimensão espetacular e funcionam como vetor promocional nos mercados
concorrenciais do turismo cultural.
Os termos utilizados para
designar as profissões e as atividades económicas têm igualmente a marca da
ambição estética: os jardineiros tornaram-se paisagistas, os cabeleireiros hair designers, as floristas artistas
florais, os cozinheiros criadores culinários, os tatuadores artistas
tatuadores, os joalheiros artistas joalheiros, os costureiros diretores artísticos,
os construtores de automóveis “criadores de automóveis”. Frank Gehry é
celebrado por todo o lado como o arquiteto artista. Mesmo alguns business men são descritos como “artistas visionários” (Steve Jobs). Enquanto se desencadeiam as
competições económicas, o capitalismo trabalha para construir e difundir uma
imagem artística dos seus atores, para artializar as atividades económicas. A arte
tornou-se um instrumento de legitimação das marcas e das empresas do
capitalismo.
A extraordinária extensão
das lógicas transestéticas vê-se também no plano geográfico. Estamos no momento
do capitalismo globalizado a impulsar uma estilização dos bens de consumo de
massas que já não está circunscrita ao Ocidente. Nos cinco continentes estão a
trabalhar indústrias criativas, criando produtos com estilo, moda, entertainment, uma cultura de massas
mundializada.
Mas o processo de estetização
hipermoderno extravasa em muito as esferas da produção: conquistou o consumo,
as aspirações, os modos de vida, a relação com o corpo, o olhar sobre o mundo. O
gosto pela moda, pelos espetáculos, pela música, pelo turismo, pelo património,
por cosméticos, pela decoração da casa generalizou-se em todas as camadas da
sociedade. O capitalismo artístico impulsionou o reino do hiperconsumo estético
no sentido do consumo superabundante de alguns estilos, mas mais largamente, no
sentido etimológico da palavra, dos gregos, de sensações e de experiencias sensíveis.
O capitalismo levou não
tanto a um processo de empobrecimento ou de delinquência da existência estética
mas à democratização de massas de um homo
aestheticus de um género inédito. O individuo transestético é reflexivo,
eclético e nómada: menos conformista e mais exigente do que no passado, aparece
ao mesmo tempo como um “drogado” do consumo, obcecado com o descartável a
celeridade, os divertimentos fáceis.
À estetização do mundo económico
responde um estetização do ideal de vida, uma atitude estética para com a vida.
Já ninguém quer viver e sacrificar-se por princípios e bens exteriores a si,
mas inventar-se a si mesmo, criar as suas próprias regras com vista a uma vida
melhor, imensa, rica em emoções e espetáculos.
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