O
início do séc. XX em Portugal foi marcado por um período instável devido à
sucessiva queda e posse de governos durante a Primeira República (1910- 1926).
A sociedade portuguesa encontrava-se longe de obter as condições necessárias
para o desenvolvimento cultural e ideológico, avançando, a passos largos, para
um ritmo desacertado que se sentiu entre a arte portuguesa e a arte realizada
fora do país.
As
academias permaneciam fechadas, mantendo o mesmo regime de ensino, valorizando
e dando continuidade ao sistema clássico, onde a representação concreta do
real, obtida através de um processo de cópia, é a preocupação maior dos
artistas. As matérias-primas de eleição continuam a ser as mais tradicionais.
Na pintura, o óleo; na escultura, o barro é a matéria predileta para as
modelações, posteriormente passadas a um material definitivo. Enquanto isso, lá
fora os novos materiais e tecnologias despertam o interesse plástico dos
artistas, contribuindo para o surgimento de novas tecnologias e tipologias
artísticas, como a introdução do ferro, alumínio, aço inoxidável, as resinas e
cerâmicas ou aglomerados de madeira, às quais se seguiram as novas vanguardas
que se afirmavam contra a tradição académica.
Porém,
e em parte devido a experiências vividas fora do território nacional,
assistimos a pequenos grupos que iniciaram uma procura modernista com trabalhos
que renunciam à tradicional estética de raiz aristotélica, assente na mimese,
evidenciando nas suas obras uma linguagem bastante pessoal, uma representação
do mundo baseada numa visão muito própria, afirmando-se como procura de uma
realidade, possivelmente, mais verdadeira, que o artista encontraria no seu
interior e não no mundo comum. Contribuíram para uma primeira reflexão, em
torno da arte de cariz mais expressionista e abstrata, as obras de Santa Rita
Pintor e Amadeu de Souza-Cardoso a quem se juntou, numa fase posterior, um
grupo de estudantes da Escola do Porto, onde se destacam nomes como Fernando
Lanhas, Nadir Afonso, Manuel Pereira da Silva e Arlindo Rocha. Um pensamento estético e literário
renovado iniciava-se nestes pequenos grupos organizados, aventurados em
estratégias provocatórias face às práticas políticas e culturais conservadoras
e, de certo modo, reacionárias à modernidade. A revista Orpheu, publicada em
1915, procurou afirmar uma grande influência na modernidade, sendo o seu
“vanguardismo” inspirador de movimentos literários, que cedo despertaram as
piores críticas, uma vez que propunham uma arte cosmopolita no tempo e no
espaço, uma arte verdadeiramente moderna, que traria consigo a renovação da
literatura e das artes em Portugal. Na revista Presença (1927-1940), assistimos
a uma continuidade da linha de pensamento e intervenção iniciadas com a revista
Orpheu. Estas revistas tornam-se numa fonte de divulgação de novos pensamentos
estéticos de autores portugueses, bem como de alguns ensaios de escritores
europeus. A estas edições juntaram-se ainda exposições e conferências
organizadas com o fim de mostrar as novas opções culturais, quase sempre
através de iniciativas privadas. Este novo despertar cultural que parecia
acompanhar de perto o pensamento artístico internacional, não obtém da parte do
público uma grande atenção, uma vez que o nível de alfabetização é muito baixo
e nos meios urbanos as inovações intelectuais não tomam o lugar do
conservadorismo que então se fazia sentir. A sociedade portuguesa da época
encontrava-se pouco esclarecida a nível cultural, permanecendo fechada nos
gostos da velha ordem, reforçando o desfasamento cronológico e ideológico entre
as vanguardas e os artistas portugueses. A falta da livre circulação de livros,
e informação, acaba por resultar na falta de uma consciencialização plena da
arte que se vinha a praticar fora do país.
O
Estado Novo (1933-1974) tornou-se em esperança contra o desgoverno político e
económico em que se encontrava Portugal devido à Primeira República; para isso,
o Estado reforça os valores ideológicos de Deus, Pátria e Família; autoridade,
disciplina e ordem; corporativismo e catolicismo. As artes plásticas tornam-se
em veículo de propaganda ideológica mais conveniente e favorável, sendo o país
“adornado” de norte a sul com pequenas e grandes obras públicas resultantes em
edifícios rígidos, revestidos com obras de escultura, pintura e tapeçaria.
Este
período ficou associado a uma arte nacionalista, deixando uma marca equilibrada
e funcional entre arte e poder, como demonstrou a Exposição do Mundo Português
em 1940. Esta iniciativa atingiu dimensões até então nunca antes vistas, tendo
como missão passar ao acto, em forma de comemoração, a consagração pública e a
legitimidade representativa do Estado a nível ideológico e histórico. Cabia aos
artistas transmitir de forma clara ao público esses valores, dando a conhecer
também as personagens míticas portuguesas, exaltando a grandeza do passado, que
se revia na do presente, esperançosa de alcançar o mesmo impacto no futuro de
Portugal.
O
Estado define uma arte associada ao sistema clássico, uma vez que seria a forma
de melhor dialogar com os portugueses de qualquer classe social; o artista
deveria ainda pontuar a obra de arte com pequenos apontamentos construtivos,
conduzindo-o, de forma subtil, por caminhos que, avançando para a síntese das
figuras, posteriormente o aproximam da abstração. Como a síntese formal faz
parte da interpretação pessoal de cada um, a procura da individualização do
artista e a procura da autonomia da arte tornam-se cada vez mais conscientes.
Volta a ser visível uma vontade de rutura vanguardista que busca na natureza
comum e na natureza pessoal uma reinterpretação do mundo, espelhado na obra de
arte sem referências diretas às leis da beleza da realidade concreta.
Portugal
atinge assim um período, dentro do possível, estável, onde o poder do Estado
Novo conseguirá restituir valores, já perdidos, no seio da sociedade
portuguesa, que, em conjunto com a ação de propaganda nacional, através do
apoio das artes, acaba por modelar a sociedade, tornando possível a abertura
cultural e ideológica que se encontrava com um grande desfasamento temporal em
relação à Europa. Se na opinião de alguns autores, o Estado Novo origina crises
sociais devido à censura e à imposição de estilos oficiais que geram algum
atraso no desenvolvimento cultural do país, outros entendem este período como
áureo, no sentido em que, no âmbito cultural e, em boa parte, devido ao
trabalho de António Ferro, o governo se torna numa estrutura organizada, quase
como máquina de propaganda dos valores heroicos nacionais, permitindo assim o
desenvolvimento das artes plásticas, regularmente subsidiadas de uma forma
exorbitante. O poder do Estado Novo é transmitido à população por meio da sua
obra majestosa, ficando assim o país a ganhar com exemplos curiosos de arquitetura
estado-novista e, por acréscimo, das artes ao serviço do estado, como será o
caso da escultura, pintura, tapeçaria entre outras.
A
importância e a ação determinante das vanguardas artísticas e a necessidade dos
seus momentos de rutura são por isso de valorizar: «[a] função social do
artista ao aperfeiçoar ou a inventar aquilo a que veio a chamar de
“linguagens”, cria condições de consciencialização» do contexto político e
social da época em que viveu.
No
domínio artístico, a «revolução contida e pacata» surge mais fundamentada por
volta de 1945. Neorrealismo, Surrealismo e Abstracionismo são praticados de
forma muito contida, acompanhados de polémicas violentas até meados dos anos
50. Contudo, isto não será impedimento para a realização de Exposições
Independentes, ou para a inauguração da primeira escultura abstrata adquirida
pelo Estado para um espaço público. Os artistas modernos exploram estas novas
linguagens plásticas, opositoras à linguagem clássica, no seio de uma luta de
valores éticos e estéticos, perante uma sociedade que, como vimos, não estava
preparada para os acompanhar.
Neste
mesmo período, dá-se um dos grandes momentos da história cultural portuguesa
dos tempos modernos. A redescoberta da obra de Fernando Pessoa, até aí
desconhecida para a maioria dos cidadãos. Depressa a obra deste autor se
revelou de grande interesse para as artes nacionais, possibilitando o retorno
do ritmo perdido, no início do século, das primeiras manifestações modernistas,
exaltadas também com a redescoberta das obras de Santa Rita e Amadeu, que como
vimos, marcaram a primeira geração de modernidade, a qual permanecerá, como
referência, até meados da década de 1940, como veremos.
Ana Luísa Oliveira
MESTRADO EM ESCULTURA PÚBLICA
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