Nadir Afonsonasceu em Chaves em 1920.
Diplomou-se em Arquitectura na Escola Superior de Belas-Artes do Porto.
Realiza as primeiras exposições como aluno da Escola de Belas-Artes participando em todas as exposições do
Grupo dos Independentes até 1946.
Praça dos Aliados (Porto), 1943. Uma das preferências de Nadir Afonso recai sobre o tema das cidades que ele desenvolve na série Cidades. Em 1946, estuda pintura na École des Beaux-Arts em Paris, e obtém por intermédio de Portinari uma bolsa de estudo do governo francês e até 1948 e em 1951 colaborador do arquitecto Le Corbusier e serviu-se algum tempo do atelier Fernand Léger.
De 1952 a 1954, trabalha no Brasil com o arquitecto Oscar Niemeyer.
Deux Styles, 1952. Período Egipcio (e Período Barroco): A geometria está por todo o lado e em todos os objectos.
Nesse ano, regressa a Paris, retoma contacto com os artistas orientados na procura da arte cinética, desenvolvendo os estudos sobre pintura que denomina "Espacillimité".
Na vanguarda da arte mundial expõe em 1958 no Salon des Réalités Nouvelles "espacillimités" animado de movimento.
Espacillimité, 1954.
Em 1965, Nadir Afonso abandona definitivamente a arquitectura; consciente da sua inadaptação social, refugia-se pouco a pouco num grande isolamento e acentua o rumo da sua vida exclusivamente dedicado à criação da sua obra.
Ocidente, 1966.
O Sentido da Arte
Nadir Afonso analisa os mecanismos da criação artística a partir de quatro princípios: sob a forma de condições de existência, as leis preexistem no cosmos; universo e obra de arte mantêm com estas leis relações de semelhança; é mediante a sensibilidade receptiva a esse meio legítimo que o criador concebe o objecto; daí que, para sentir as qualidades próprias do objecto criado, seja necessário contemplar as leis. Começando por uma explicação dos erros da percepção, o autor prossegue enumerando as contradições em que caem normalmente os estetas e historiadores do fenómeno artístico, acabando por mostrar que o Sentido da Arte não está na intencionalidade do sujeito, nem na extensão do objecto, mas nas condições reais da existência.
Para Nadir Afonso, estas condições não são idênticas às que o marxismo e o idealismo (Hegel e Husserl, em particular) propuseram, já que apenas se referem à precisão matemática de relações qualiquantitativas. Assim, não há nenhuma necessidade de entremear a arte com qualquer magia e mitologia, ou de acreditar que ela expressa estados da alma e paixões do corpo. O único mistério da arte é o da preexistência das leis. Mistério que o autor não procura resolver através de uma nova metafísica, dado que apenas lhe interessa perceber a relação entre o acto humano de criação e as causas primeiras. Para o efeito, Nadir Afonso dedica-se particularmente aos fenómenos da percepção das formas geométricas anteriores ao homem - sol e disco lunar, superfícies do céu e do mar limitadas pela linha do horizonte, troncos que se entrecruzam em quadrados, triângulos e rectângulos -, pois são estas as figuras básicas da Arquitectura, da Pintura e da Escultura, como das restantes artes. Para ele, toda a arte se limita a descobrir e representar estas formas simples, ou a aduzir-lhes as estruturas mais desenvolvidas que delas decorrem. Deixando de lado a criação "ex nihilo", Nadir Afonso insiste na ideia de que a originalidade de cada objecto evoca os outros, expressando simultaneamente a perfeição das figuras para o sujeito, dentro de uma totalidade que tende para a harmonia da bela forma que confere à arte a sua universalidade.
Porto de Copenhaga, 1975.
E=MC2
... do distanciar?se (como se distancia o ponto C, no nosso esquema), o observador, então conforme as afirmações de Hawking, não registaria os eclipses a intervalos regulares; mas aí senhor Hawking, a sua previsão destrói as bases em que se fundamenta a teoria da relatividade: a constância da velocidade da luz. É, com efeito, devido ao movimento, ora de afastamento ora de aproximação da Terra (o ponto C) em relação à fonte de luz, que Roemer reparou que entre dois eclipses da mesma lua de Júpiter, não havia intervalos regulares. Mas esse movimento de aproximação ou de afastamento que o levou a reparar, levou?o sobretudo a compreender: a causa que provoca a variação desses períodos de luz, reside no facto dos planetas ?Terra e Júpiter ? se deslocarem em torno do Sol, quer afastando?se quer aproximando?se entre si, a diferentes velocidades; reside no facto da velocidade da luz vinda do satélite de Júpiter, ser diminuída da velocidade da Terra no seu afastamento e aumentada na sua aproximação; reside, enfim, mais uma vez, no facto da velocidade da luz não ser a mesma qualquer que seja o seu referencial de inércia.
Se Stephen Hawking reconhece implicitamente que foi mediante o confronto de diferentes referenciais que Roemer mediu a velocidade da luz, como pode, por outro lado, assegurar que esta velocidade é constante em relação a todo e qualquer referencial? E se Roemer conseguiu encontrar aquelas diferenças em 1676 como é que Colin Ronan não as encontra hoje ? A estas perguntas que seriam bastantes para confundir os teóricos da relatividade, todo o cientista que se preza, se esquiva.
Nunca deparámos nas nossas leituras com a menor oposição a semelhantes teorias ? de tal modo elas constituem com as suas viagens no tempo um verdadeiro elixir da longa vida ? como, dentro da nossa profissão, nunca conhecemos esteta que não exaltasse o mito e a magia, de tal modo a tão decantada arte se ressentiria duma consequente quebra dos seus encantos.
Sobre a descoberta de Roemer que se nos afigura de grande importância, nunca encontrámos, além duma breve referência de Stephen Hawking* acima citada, qualquer comentário nem obtivemos o mínimo conhecimento. De qualquer modo Hawking, classificou a proeza de Roemer de notável; ter?se?ia apercebido da contradição que ressalta entre as conclusões de tal proeza e as afirmações generalizadas de que a velocidade da luz é constante qualquer que seja o referencial de inércia? Porque será que a ciência, reconhecendo os efeitos inerciais extensivos a todo o movimento dos corpos, se empenha com tanta veemência a abrir uma excepção logo que se trata de medir a velocidade das partículas de luz? Não haverá aqui uma acomodação científica que tem uma história tão longa como os enigmas da relatividade restrita?
Dresden, 1985.
Dada a dificuldade, então encontrada no sentido de estabelecer um sistema de coordenadas referenciais, e dadas as limitadas velocidades dos corpos em relação ao movimento das partículas luminosas, a concepção relatívísta de Eínsteín seria, no seu princípio e até certo ponto, tolerável se ela se limitasse a predizer a constância da velocidade da luz. Mas não, tal aprendiz de feiticeiro a sua imaginação vai muito mais longe! Essa constante velocidade não só foi solução para resolver, nas partículas luminosas, o complicado problema referencial, como também, valeu de fundamento para estabelecer a relação directa entre energia e massa dos corpos: E = M C2, em que C é a constante velocidade da luz; caso C permanecesse (aquilo que realmente é) incógnita variável a equação perdia toda a sua elegância e originalidade; assim como adiante veremos, serviu de trampolim para formular a inconcebível dilatação do temo, e daí pela unificação deste com o espaço, chegar à curvatura tetradimensional do Universo. Aquela sua centelha original desencadeia na Física, com repercussões na Cosmologia, uma imparável transformação básica nas ideias e uma audaciosa concepção do Universo que numa perspectiva nossa, se afigura insustentável: ou o célebre professor, numa genial antevisão, procurou, que me seja permitida a expressão, com uma cajadada matar uma coelhada, ou então jovem de 26 anos, em face de tão complexo contexto histórico?científico, caiu na tentação de asseverar, sem prever as consequências, a constância da velocidade da luz. É forçoso concluir que partindo dum erro inicial os resultados (previstos ou imprevistos)
* Uma Breve História do Tempo.
* Devemos notar que Max Born não necessitou de se reportar a qualquer C para concluir que energia e massa não são mais do que dois nomes diferentes de uma mesma coisa.
Arte e Simbólica
Toda a diligência estética se propõe definir esse factor que, na criação artística, transcende a pura representação do objecto. Quer dizer: a teoria procura por palavras uma imagem que na prática só pode ser traduzida por formas necessariamente plásticas. Citemos algumas dessas frases-chave, a que desde os bancos da escola fomos habituados: "Na sua essência a arte não é a representação mas a revelação do objecto"; "A revelação substitui a imagem pelo signo". "Não basta representar seres ou as coisas, é preciso saber exprimi-los pelo dinamismo dos signos". É preciso "tornar visível o invisível" (Paul Klee); "substituir o objecto pela necessidade interior" (Kandisnsky). "A arte é a linguagem da alma" (René Huyghe); "O espiritual tornado sensível" (Hegel). "Rembrandt já não se interessa pelas aparências corpóreas e só se preocupa com a pintura das almas" (Revista da Academia de Belas-Artes, 1988-91); "O pintor (...) pinta quadros que revelam observação psicológica".
Moscovo, 1995.
Como veremos, segundo os estetas, ao expressar toda essa inumerável simbólica reveladora, o artista afasta-se necessariamente duma pura representação do objecto. "O problema para nós [confessa o materialista Garaudy] consiste em apreender a linguagem de uma tal Arte". Aí, com efeito, nunca ninguém teve a oportunidade de nos explicar o que na realidade não pode ser explicado: sob que forma se manifesta esta revelação, esse signo pronto a exprimir a alma, o invisível, o psiquismo... e daí, por consequência, esta simbologia que se pretende, por um lado, interior e, por outro, comunicável entra, forçosamente, em contradições...
Formas Pré-Geométricas, do Período Brasil.
Reparemos: não é a expressão psicológica, concebida a partir da expressão fisionómica? Na medida em que o observador é mais ou menos psicólogo lê, muito naturalmente, nos traços fisionómicos do retratado (seja em pintura, seja em fotografia) as suas qualidades íntimas. Mas se o retrato pintado for concebido por um artista que, para expressar tal psiquismo, deva (como pretenda o esteta) substituir os traços fisionómicos por signos, como poderá, então, o observador proceder à sua leitura? Essa pretendida substituição dos traços fisionómicos por signos, não passa, como se torna evidente, de uma fraseologia poética sem qualquer apoio na realidade concreta. Para empreender uma acção psicológica, o contributo do pintor não pode ir além da representação de traços naturais do sujeito representado.
Ora quem melhor permite uma observação psicológica senão o retratista com a sua câmara fotográfica? O pintor, esse expressa-se, isto é, tenta imprimir o cunho da sua personalidade própria; esse procura a espontaneidade, a originalidade das formas; esse transforma , exagera ou simplifica: altera os dados e quando possui dons de artista, aquilo que revela não são signos psíquicos ou mundos interiores mas a possibilidade de nos induzir nessa ilusão: o que o artista exprime, repetimos, é aquele artifício de formas que ressalta dos espaços e realça (como por magia!) os objectos. Que o filósofo ludibriado se conforme: a arte é isso mesmo, jogo de leis geométricas - integração/desintegração- nos espaços e não conceptáculo de significações transcendentes nos objectos.
-- Para além das leis naturais, não admitimos que possam existir leis ou forças sobrenaturais?
-- Esse é um falso problema. Não existem "leis sobrenaturais"; existem crenças sobrenaturais. Sempre que não compreendemos as causas daquilo que sentimos fazemos apelo ao sobrenatural. É o que se passa na arte: para aqueles que reconhecem as suas leis, a arte é imanente ao real; para aqueles que as não reconhecem, a arte é transcendente ao real.
Na verdade, habita o erro aquele que afirma: sinto o sobrenatural porque não há princípios que nos permita senti-lo; só a crença mantém tal contradição.
Podemos, quando muito, numa análise menos subjectiva, considerar como sendo qualidades ou normas naturais aquelas que se apresentam redutíveis a uma expressão formal, isto é, que possuam, no real, a sua correlação concreta; não deixando, contudo, de frisar que na sua essência, as leis preexistem aos seres e às coisas e que elas são predeterminantes.
-- Na contemplação artística, a dificuldade de compreensão reside no facto de não depararmos com princípios mas com objectos.
-- A preocupação primordial do homem não foi, com efeito, expressar as regras mas as coisas que de imediato o impressionaram. Enquanto na natureza as leis precedem a criação dos objectos, na arte, sendo esta uma recriação, os objectos precedem as leis; estas aparecem pouco a pouco, tacteadas segundo equidistâncias, equilíbrios, proporções, não com o propósito de substituir o objecto, mas com a preocupação única de reforçar (mediante relações geométricas) o seu normal sentimento. A arte aparece como acrescimento, porque a emoção que a caracteriza não imana do objecto mas da lei que o reforça. O rosto criado pela arte não é mais belo que o rosto que o inspirou: o reforço é que nos dá essa ilusão: a proporção geométrica, imutável, exalta de uma forma duradoura o efémero objecto.
-- Mas não será melhor artista, por exemplo, aquele pintor de retratos que sem se servir de truques de ilusionista reproduz francamente as feições do retratado ?
-- O emprego de truques de ilusionista tem uma justificação: beleza natural e beleza artificial (se bem que esta mantenha, igualmente, as suas raízes na Natureza) não são a mesma coisa. A beleza natural é relativa: varia segundo os meios, as raças, os lugares: ao passo que a beleza artificial, isto é, a lei que reforça, essa é absoluta - exacta, constante e universal. E aqui atingimos o ponto crucial da incompreensão estética: existem na natureza duas qualidades distintas, entre as quais, no entanto, o pensamento filosófico sempre criou confusões. Queremos referir-nos às noções indiscriminadas pela estética tradicional e que nós distinguimos por belo perfeito e belo harmonioso. Quando o artista embeleza no sentido da perfeição, procede segundo o respectivo sentimento de função, de necessidade, de utilidade, factores variáveis e dependentes das épocas e dos lugares. Aquilo que é aqui e agora perfeito não o é forçosamente noutros meios e momentos; a qualidade de perfeição é evolutiva, contingente, transitória, arbitrária. De qualquer modo, ainda que o sentido da perfeição lograsse atingir um consenso universal jamais o seu objecto seria expressável em normas de exactidão. Este tema (que justifica a razão pela qual a arquitectura nunca foi, por nós, considerada uma arte) representa uma parte exaustiva dos nossos estudos.
As Raças, do Período do Surrealismo.
Quando, pelo contrário, o artista embeleza no sentido de harmonia procede a uma operação geométrica que visa o absoluto no espaço e no tempo; isto é, aqui o artista fixa a obra de arte (1).
-- No entanto, o sentido de harmonia, sendo mais susceptível de atingir um consenso universal, é, comparado ao sentido da perfeição, menos transmissível.
-- A dificuldade de transmissão não reside numa carência de precisão do lado da harmonia, mas do lado do sujeito menos preparado à prática das suas leis.
-- A geometria é uma ciência e não é uma arte.
-- Na verdade podemos distinguir duas espécies de geometrias: aquelas que se constituem por via racional e que todos conhecem e aquelas a que chamamos leis de integração e desintegração dos espaços e se constituem por via intuitiva; sobre estas e sobre as suas características foi, por nós, elaborado um longo trabalho estético que, todos desconhecem ou fazem vista grossa.
(1). esta operação geométrica - integração e desintegração - é o tema central dos nossos estudos: La Sensibilité Plastique, Presses du Temps Présent, 1958; Les Mecanismes de la Création Artistique, Editions du Griffon, 1970; Le Sens de l'Art, Imprensa Nacional, 1983
Universo e Pensamento
Concluímos mais uma vez: a velocidade da luz não é constante. A luz provinda de cada estrela distante reduz?se progressivamente, não apenas pela diminuição quantitativa dos seus raios mas também pela diminuição qualitativa da sua energia imanente:, Assim: para compreendermos a escuridão da noite, não precisamos de fazer apelo à expansão universal; basta contrariar a teoria da relatividade. Mas, se (pensando que semelhante medida não basta) fizermos questão de recorrer a ela ? expansão universal ? devemos, do mesmo modo, acto contínuo, abandonar as teorias da relatividade. Foi isso que fez o chinês; Fang Li Zhi, professor de Astrofísica no Observatório Astronómico de Pequim, também ele se preocupou com o paradoxo da noite escura e chegou a esta conclusão: "A escuridão da noite é consequência da expansão do Universo"'1. Simplesmente não esteve com contumélias nem hesitou em confessar, de forma bem clara que para atingir tal objectivo pôs de parte a teoria da relatividade: "Usaremos a mecânica newtoniana para provarmos este resultado. O corpúsculo newtoniano é uma partícula que obedece à lei clássica da soma de velocidade. A lei da soma (neste caso, subtracção) de velocidades na mecânica clássica diz que a velocidade da luz, C, emitida por um corpo que se afasta com a velocidade V, será C?V relativamente ao observador, O"'9. Como vemos, Fang Li Zhi, contrariamente aos seus confrades ocidentais, não podia ter sido mais franco; se bem que, atenciosamente, algumas páginas mais adiante, condescenda em afirmar: "quando tratamos de problemas que envolve a velocidade da luz, devemos considerar a teoria da relatividade"8°.
Paineis no Metro de Lisboa, 1998.
Afinal em que ficamos?
Entretanto, como a luz do Sol, da lua ou das estrelas, submetida a certos processos de dispersão, produz um espectro, interrompido por centenas de linhas escuras, Willians Huggins conseguiu demonstrar que a deslocação para o extremo vermelho ou azul do leque espectral, dessas riscas escuras, correspondia a um movimento do astro afastando?se ou aproximando?se da Terra. Foi esta, segundo os defensores da teoria, considerada a maneira mais segura de testar a expansão do Universo.
De qualquer maneira, se o Universo é estático ou se expande, se aumenta ou diminui, essa querela não nos pode concernir. Antes de tudo, porque tais comportamentos postulam a existência dum factor temporal no qual o Universo se insere.
Sobre a Vida e Sobre a Obra de Van Gogh
«... Sobre a vida e sobre a obra de Van Gogh, muito dialoguei com aqueles meus companheiros que se identificaram na incessante procura da Arte – Vasarely, Herbin, André Bloc, Le Corbusier, – e a consonância então verificada, encorajou a presente publicação. Ora o que surge de mais surpreendente no empenho que nos toma e dominou na sua essência as nossas anteriores diligências, reside no facto de, recuando de geração em geração, termos encontrado as fontes das nossas afirmações na própria visão artística dos pintores conviventes de Van Gogh: o misticismo atávico que envolve a existência deste artista, perturbou o seu trabalho. Esta foi a persuasão que tão fortemente nos solidarizou. Para orientar e formular as nossas deduções sobre tão celebrada obra começaremos por manter presentes dois factores os quais trataremos segundo uma exposição muito sucinta:
1) O meio em que se desenrola a vida do artista. Tentaremos observar as diferentes culturas e países em que estudou, trabalhou e pintou Van Gogh; as suas desavenças com a família, detentora hereditária de inabaláveis crenças no Além, por um lado, e de apurado sentido das conveniências, no Aquém, por outro; procuraremos analisar a incidência das fortes convulsões sociais, dos conflitos de classe, sobre a sua vida, o desespero das relações frustadas sobre o seu comportamento; e a influência das aquisições artísticas, científicas e tecnológicas do seu tempo.
Bordel, do Período Mulheres.
2) Uma síntese do nosso conceito da Arte, inserto nos nossos anteriores estudos estéticos. Para tal torna-se necessário evitar a confusão característica das ciências filosóficas; urge observar a distinção entre o que existe como produto de uma facticiedade estética e o que preexiste no seio da Natureza. A nosso ver, as condições em que se desenrola a vida de todo o criador incidem sobre a qualidade da sua obra, mas não determinam as leis preexistentes da Arte.»
Sentido estético
A) Podemos sentir emoção em face dum objecto [1]:
1) Pelo facto de ele nos suscitar um outro objecto (evocação).
Por exemplo: sentimos emoção em face do tronco de árvore que nos lembra um crucificado; em face da nuvem que nos sugere uma águia, do jardim que apela a nossa infância; em face do retrato que nos evoca o ente querido;
2) Pelo facto da função a que o objecto se destina, satisfazer uma necessidade nossa ou responder ao nosso conceito de necessidade (perfeição). Por exemplo: sentimos emoção em face do utensílio, do copo, da cadeira, da mesa, da máquina, do veículo funcional, prático, leve, portátil, cómodo;
3) Pelo facto do objecto nos apresentar características especiais (originalidade). Por exemplo: sentimos emoção em face da flor negra, da elegante girafa; em face da paisagem polar;
Ribeira, Porto (anos 50)
B) Podemos sentir emoção em face duma lei:
Pelo facto do espaço, em si, encerrar leis métricas, próprias da forma geométrica (harmonia). Por exemplo: sentimos emoção em face do círculo lunar; em face do hexágono do cristal de quartzo; em face da linha do horizonte sobre o mar.
Flora, do Período Barroco.
C) «O criador procura transmitir-nos emoção»... e é a partir daqui que se gera o primeiro conflito estético! Como pode o homem transmitir a emoção (que lhe vem por vezes dum puro sentimento de amor) quando pinta, por exemplo, o retrato do «ente querido»? Essa emoção é intransmissível! Se muito bem o criador entende que o seu quadro «ente querido» é uma obra de arte (porque lhe provoca emoção), tão bem o crítico entende que não é uma obra de arte (porque não lhe provoca emoção)... Ora uma mesma obra não pode declarar-se «artística» para uns e «inartística» para outros!
Paris (anos 70)
Mas ainda não é tudo. Quando o crítico de arte é uma «autoridade estética de reconhecido mérito», classifica, por exemplo o quadro «tronco de árvore» dentre as obras de arte (porque lhe sugere, como ao criador e seus semelhantes, um ser crucificado) e não classifica o quadro «ente querido» (porque não lhe sugere ente querido nenhum). E se tivermos o cuidado de nos aplicar atentamente sobre a ilusão em que caiu o criador e o crítico de arte, veremos que o mesmo erro é extensivo a todas as significações imanentes aos objctos.
Bruxelas (anos 70)
Conclusão à conclusão estética: não é na representação dos objectos que residem as características próprias duma obra de arte. As significações evoluem através do meio, das épocas, das raças, dos seres, segundo as funções, as necessidades, as crenças, as culturas, os afectos... e tudo que depende delas é uma emoção contingente, transitória, individual. Só as leis do espaço, independentes da evolução, encerram exactidão e unicamente elas nos podem revelar a eternidade e a universalidade - o absoluto a que aspira toda a verdadeira obra de criação artística.
Madri (anos 90)
É claro que para rebater esta nossa afirmação, a estética tradicional tem um argumento que se lhe afigura «xeque-mate» inevitável: «nem todas as obras de arte representam geometrias - «círculos lunares» ou «hexágonos de cristal» - e muitas das obras que as representam não deixam de ser, por esse facto, produtosmedíocres»! Resposta que está certa no raciocínio e falha na percepção: as leis dos espaços têm a sua mais evidente expressão nas formas simples da Natureza: círculo, quadrado, triângulo equilátero, hexágono... e no acto da elaboração da obra artística, estes dados e seus componentes intermediários complexificam-se segundo estruturas que obedecem a uma lei correlativa: integração e desintegração [2] a que damos o nome de morfometria. São estas regras estruturais que tecem esse factício sentimento de perenidade e exactidão, como se as coisas representadas nos fossem reveladas, plenas de «significações misteriosas». Duma matemática intuitiva, tal norma de estruturação é contudo irredutível às ciências constituídas e apenas acessível às faculdades de percepção.
Nova York (anos 90) Assim se compreende que as formas, elementares: círculo, hexágono, etc. não formem por elas um conjunto composto, como se compreende que um conjunto composto não apresente à razão científica, esses elementos geométricos primordiais. E daí, na mesma ordem e sequência, se compreende que, na óptica estética daqueles que não apreendem estes princípios, se forme a ilusão de que o sentido da criação artística emane duma «revelação» de significações próprias dos objectos.
Rio de Janeiro (anos 90)
A minha maior preocupação tem consistido em assinalar a existência e delinear as regras de integração e desintegração dos espaços: leis morfométricas insuspeitas da estética tradicional e pedra de fecho de toda a minha obra. Sobretudo o meu trabalho Le Sens de l‚Art procura essencialmente, desde a primeira à última linha do texto, as normas naturais de tal geometrização.
Os estetas não concordam comigo porque se fosse como eu digo «a arte não teria mistério nenhum».
Sevilha, 2007.
[1] Dizemos «em face do objecto» por simplificação. Na realidade é em face da relação que nos une ao objecto (isto é, em face da qualidade que sentimos nele) que nos emocionamos.
[2] Les Mécanismes de la Création Artistique, Éditions du Griffon Neuchâtel; Le Sens de l'Art, Imprensa Nacional, Lisboa.