Alguns dos protagonistas da abstração norte americana do pós-guerra não compartem o caracter gestual do expressionismo abstrato e optam pelo desenvolvimento de linguagens geométricas, em especial os artistas alemães emigrados nos Estados Unidos da América na década de 1930. Entre eles destacam-se Josef Albers (1888 – 1976), antigo professor da Bauhaus que permaneceu sempre fiel ao espírito construtivo desta prestigiosa escola que reconciliou a claridade geométrica com formas abstratas mais expressivas.
Josef Albers
Estudo de cores para uma "Variante/Adobe"
1948
Óleo sobre papel absorvente
© 2020 Fundação Josef e Anni Albers/ARS, NY
Manuel Pereira da Silva
Sem título
1959
Óleo sobre cartolina 1959
49 cm x 42 cm
Manuel Pereira da Silva (1920 – 2003) foi um artista português cujo trabalho, embora predominantemente conhecido na área da escultura, também inclui uma importante série de pinturas abstratas que começaram a ser desenvolvidas em 1958. Essas pinturas são caracterizadas pelo uso de formas geométricas retilíneas, como retângulos e quadrados, e pela aplicação de cores primárias.
O processo criativo de Manuel Pereira da Silva é notável pela sua abordagem meticulosa e detalhada. Antes de executar suas pinturas finais, o artista dedicava um tempo considerável à fase de preparação. Esta fase envolvia a produção de uma série de estudos detalhados e esquemas cromáticos que ajudavam a cristalizar a ideia inicial. Esses estudos preparatórios permitiam que ele planejasse cada aspeto da pintura com precisão. Assim, embora a execução da pintura final pudesse levar apenas algumas horas, o trabalho preparatório era extenso e aprofundado, refletindo a importância que ele atribuía à planificação e à conceção da obra.
As exposições de Manuel Pereira da Silva frequentemente destacavam esse aspeto de seu processo criativo, apresentando não apenas as pinturas finais, mas também os desenhos preparatórios e estudos cromáticos. Isso oferecia ao público uma visão completa de como suas ideias evoluíam desde a conceção inicial até a realização final.
Além das pinturas, Manuel Pereira da Silva utilizava o suporte papel de forma significativa. O papel permitia uma abordagem mais informal e experimental, um contraste com a precisão meticulosa de seus trabalhos finais. Nesse meio, ele podia explorar livremente variações de cores e formas, permitindo uma espontaneidade que complementava seu método de trabalho rigoroso. Assim, o papel servia como um espaço de experimentação e desenvolvimento de ideias, um lugar onde a criatividade podia fluir de maneira mais livre e menos contida.
Portanto, enquanto a escultura pode ser vista como o principal campo de atuação de Manuel Pereira da Silva, suas pinturas abstratas e os processos preparatórios que as antecediam revelam um aspeto fundamental de seu trabalho artístico, marcado pela dualidade entre planificação rigorosa e experimentação espontânea.
Manuel Pereira da Silva
Sem título
1959
Óleo so cmbre cartolina 1959
49 cm x 42 cm
A linguagem emocional de Mark Rothko (1903 – 1970), um emigrado de origem da Letónia, também se alheia da carga gestual. Com a finalidade de estimular emoções profundas no espectador, o pintor organiza as suas pinturas com base em campos de cor de formas retangulares vibrantes que parecem flutuar sobre um espaço indeterminado. Seus retângulos coloridos pareciam desmaterializar-se em pura luz.
Mark Rothko
Sem título
1949
Óleo sobre tela
142 cm x 121 cm
Anita Rogers Gallery
Manuel Pereira da Silva
Sem título
1958
Óleo sobre platex
148 cm x 129 cm
Após ter experimentado o expressionismo abstrato e o surrealismo, ele desenvolveu, no final dos anos 1940, uma nova forma de pintar. Hostil ao expressionismo da Action Painting, Mark Rothko (assim como Barnett Newman e Clyfford Still) inventa uma forma meditativa de pintar, que o crítico Clement Greenberg definiu como Colorfield Painting "pintura do campo de cor".
Mark Rothko
Sem título
1968
Acrílico sobre papel aquarela montado sobre linho
Coleção particular, Nova York. Direitos autorais © 2023 Kate Rothko Prizel e Christopher Rothko
Willem de Kooning (1904 – 1997), um dos criadores do expressionismo abstrato norte americano, representa uma imagem de vida e morte, que se contrapõe ao mundo idílico do Éden. A composição gestual, transcendental e moral, explora a distorção corporal e introduz a simbologia da crucificação com uma violenta dissecação dos atributos simbólicos de Gólgota: os pregos da cruz, a escada e o crânio.
Willem de Kooning
Abstraction
1949
Oil and oleoresin on cardboard. 41 x 49 cm
Museo Nacional Thyssen-Bornemisza, Madrid
Pablo Picasso
Crucificação
1930
Manuel Pereira da Silva
Crucificação
1955
Técnica mista sobre cartolina
34 cm x 25 cm
Manuel Pereira da Silva como muitos artistas da Escola do Porto, manteve uma forte ligação com a tradição do sublime através da abstração. Sua abordagem artística, inovadora para a época, desvinculava-se da representação literal da natureza, focando-se em expressar emoções pessoais e poéticas visuais através de uma linguagem estética abstrata.
As obras de Manuel Pereira da Silva, assim como as de seus colegas abstracionistas, não buscavam descrever o mundo natural de maneira direta. Em vez disso, as formas nas suas pinturas e esculturas podiam sugerir elementos da natureza – como partes do corpo humano, paisagens ou interiores – sem a intenção de representá-los fielmente. A abstração servia como um meio para comunicar as emoções e visões subjetivas dos artistas, transcorrendo além da mera imitação do mundo visível.
Um exemplo significativo desse enfoque pode ser observado na série da crucificação de Manuel Pereira da Silva. Nesta série, as formas geométricas e as composições abstratas são utilizadas para evocar sentimentos e reflexões sobre o sofrimento, a dor e a transcendência, temas tradicionalmente associados à crucificação. As obras não se prendem a representar a figura de Cristo ou a cena literal da crucificação, mas sim a expressar as emoções intensas e a experiência humana associada ao evento.
Manuel Pereira da Silva
Crucificação
1978
Esferográfica sobre cartolina
Dim. 33 cm x 59 cm
Manuel Pereira da Silva
Crucificação
1979
Esferográfica sobre cartolina
Dim. 50 cm x 65 cm
Dessa maneira, Manuel Pereira da Silva e seus contemporâneos da Escola do Porto exploravam a capacidade da arte abstrata de comunicar de forma profunda e subjetiva. Suas obras arrojadas, ao evitarem a representação direta, permitiam que o espectador se conectasse com as emoções e as experiências interiores dos artistas, tornando a abstração um veículo poderoso para a expressão do sublime.
A composição de mulheres é um dos primeiros trabalhos da
longa sequência de pinturas de mulheres de Willem de Kooning, que culminou em
uma das revisões mais agressivas da figura feminina na história da arte.
Começou como um estudo para um retrato encomendado que o artista nunca concluiu,
o retrato serviu como veículo para De Kooning explorar o seu interesse contínuo
em fundir temas figurativos com as preocupações pictóricas da abstração. Embora
as distorções anatômicas intencionais reflitam a influência de Pablo Picasso, a
figura sentada também lembra as mulheres sensuais pintadas pelo artista francês
do século XIX, Jean-Auguste-Dominique Ingres, com seus corpetes justos e traços
delicados.
Willem de Kooning (1904 – 1997)
1940
Mulher sentada
Óleo e carvão em Masonite
Dimensões: 137 cm × 91 cm
Coleção Albert M. Greenfield e Elizabeth M. Greenfield, 1974
Manuel Pereira da Silva
Mulher sentada
1957
Guache e Carvão sobre cartolina
40 cm x 53 cm
Em 1938 começou sua série intitulada Mulheres, que causou
sensação no circuito artístico, com um tema que se tornaria recorrente em sua
produção.[5] Na década de 1940 juntou-se a um grupo de artistas, incluindo
Jackson Pollock, Franz Kline, Robert Motherwell, Adolph Gottlieb, Ad Reinhardt,
Barnett Newman e Mark Rothko, que formariam a chamada Escola de Nova Iorque.
Eles lutavam para encontrar um caminho pessoal que superasse as grandes
correntes da época, como o cubismo, o surrealismo e o regionalismo. Seus gestos
emotivos e peças abstratas foram o resultado de sua tentativa de se distanciar
dos outros movimentos. O estilo que eles inauguraram se tornou conhecido como
expressionismo abstrato ou action painting.
Willem de Kooning
1969
Mulher sentada
bronze, 113 x 147 x 94 inches
Private collection
Photograph by Adam Bartos
Manuel Pereira da Silva
Mulher Sentada
1957
Gesso sobre estrutura de alumínio
54 cm x 68 cm x 41 cm
Manuel Pereira da Silva
Mulher sentada
1957
Guache e Carvão sobre cartolina
41 cm x 65 cm
Manuel
Pereira da Silva compartilha com Willem de Kooning um interesse profundo pela
figura feminina e pela integração de temas figurativos com preocupações
abstratas. Em suas obras, Manuel Pereira da Silva frequentemente explora temas
como mulheres sentadas, mulheres reclinadas, maternidade, família e casais.
Embora as figuras em suas obras muitas vezes sejam quase completamente
dissolvidas na abstração, há uma presença constante de referências figurativas percetíveis,
indicando uma ligação inquebrável com a representação do humano.
De
Kooning, por sua vez, iniciou sua famosa sequência de pinturas de mulheres com
"Woman I," que é considerada uma das revisões mais agressivas da
figura feminina na história da arte. Esta série começou como um estudo para um
retrato encomendado que nunca foi concluído, servindo como um veículo para
explorar a fusão de temas figurativos com a abstração. Suas distorções
anatômicas intencionais refletem a influência de Pablo Picasso, enquanto as
figuras femininas também evocam as mulheres sensuais de Jean-Auguste-Dominique
Ingres, com seus corpetes justos e traços delicados.
Pablo Picasso
Mulher Sentada
1937
Manuel Pereira da Silva
Mulher Sentada
1952
Gesso sobre estrutura de alumínio
14 cm x 23 cm x 45 cm
Manuel
Pereira da Silva, apesar de seu foco principal em escultura, também manteve uma
produção significativa de pinturas e desenhos em que o corpo feminino é um tema
recorrente. Assim como de Kooning, suas representações femininas não são
retratos realistas, mas sim interpretações que combinam a figuração com
elementos abstratos. Esta abordagem permite uma expressão mais livre das
emoções e das poéticas visuais do artista, afastando-se da mera representação
literal e entrando no domínio da sugestão e da evocação.
Manuel Pereira da Silva
Mulher sentada
1957
Guache e Carvão sobre cartolina
40 cm x 53 cm
Portanto,
enquanto De Kooning é conhecido por suas abordagens mais agressivas e
expressivas da figura feminina, Manuel Pereira da Silva explora esses temas de
maneira que as figuras, mesmo quase dissolvidas na abstração, mantêm uma
referência percetível, revelando sua profunda conexão com a figuração e os
temas humanos.