segunda-feira, dezembro 28, 2009

“Três Escultores de Valia”



A publicação deste trabalho literário de carácter biográfico e crítico, é relativa a três escultores de Avintes de nomeada: António Fernandes de Sá, Henrique Moreira e Manuel Pereira da Silva – três glórias da nossa terra.


Honrando Avintes e as suas raízes culturais, bem como a instituição que o apadrinha – Confraria da Broa de Avintes – Joaquim Costa Oliveira Gomes retrata a vida e a obra destes escultores.

António Fernandes de Sá, um escultor de Avintes.


António Fernandes de Sá em Paris.



António Fernandes de Sá viu a luz do dia em Avintes, a 7 de Novembro de 1874, no lugar do Magarão.
Em 1989 apareceu a frequentar a Escola de Belas-Artes do Porto. Tinha então 15 anos. As principais disciplinas eram as de desenho e arquitectura. Em 1983 passa a ter desenho histórico com Marques de Oliveira. No ano seguinte fica em segundo lugar, conseguindo o prémio de 20.000 reis.
Durante todos estes cinco anos o artista saía das aulas a altas horas da noite e calcorreava todo o percurso às escuras até Avintes, por caminhos bastante perigosos, os malfeitores abundavam na época, a luz eléctrica ainda não existia. Esperava-o sempre, a pé, a sua mãe, por quem ele nutria um amor filial imenso do qual podemos ver o busto dela feito por ele, que se encontra no cemitério de Avintes.



Busto da Mãe de Fernandes de Sá

(Cemitério de Avintes)


Em 1986 Fernandes de Sá manifesta ao seu pai o desejo de seguir para Paris. O pai consultou a esposa e presenteou o filho com um conto de reis para ele gastar em Paris, o que era muito dinheiro na época. Como é natural, Fernandes de Sá ficou alvoroçado com tal presente, já que a maior ambição de todo o artista era de completar a sua educação artística na Cidade das luzes.


“Concordo com você, para se ser pintor é necessário ficar em Paris” escrevia Miró a Picasso em Junho de 1920.


A pedido de Marques de Oliveira e dos outros professores Fernandes de Sá regressa a Portugal, passados três meses, a fim de concorrer a uma bolsa do Estado. Terminadas as provas, Fernandes de Sá alcança o primeiro prémio com “O Atirador do Arco”. De novo em Paris, agora com uma bolsa de 60.000 reis, passa a frequentar a Academia Julien com grande entusiasmo e é admitido na Escola de Belas Artes, ao mesmo tempo que frequenta, à noite a Academia Colarossi.
Paris era dominada artisticamente por dois grandes vultos: Cézane, na pintura e Rodin, na escultura.


Em 1898 nascia a primeira obra de Fernandes de Sá, “O Rapto de Ganímedes”, uma prova admirável de assimilação do espírito da arte francesa de então, ensinada pelos Mestres Falguiére e Puech, dois vanguardistas de oposição ao revolucionismo estético de Rodin. “Serviu-me de modelo para o Ganímedes um lindo rapazinho italiano. Trabalhei dias e dias com todo o ardor e toda a vontade. Por vezes, esquecia-me de comer e ia almoçar às três e quatro horas da tarde. Ah, mas valeu a pena! O Rapto de Ganímedes, para deslumbramento dos meus 23 anos, foi admitido no Salon (1989), na Exposição Universal de Paris (1900) e na Exposição da Sociedade de Belas-Artes de Lisboa (1902).”



O Rapto de Gamínedes


Em 1990 produziu “A Vaga”, um nu feminino de encantadora elegância que é soerguido nas ondas, numa inclinação graciosa, que mereceu a honra de figurar na Exposição Universal de Paris (1900), ali mesmo ao lado do “Pensador” de Rodin.



A Vaga


É ainda desse mesmo ano a “Cabeça de Velha”, em mármore, pertence ao Museu Nacional de Soares dos Reis. Figurou na exposição Universal de paris (1900). O Governo Francês adquiriu esta escultura em bronze.



Cabeça de Velha


Em 1904 recebe uma encomenda do Museu de artilharia para realizar a peça “O Camões depois do naufrágio”, actualmente no Museu da Técnica e da Ciência em Coimbra.


O Camões depois do naufrágio


Faleceu a 26 de Novembro de 1958, “Tenho a impressão que isto está no fim, Os meus vaticínios não têm falhado. De forma que, desta vez, também devem bater certo. Estou cansado da vida e por isso encaro as coisas com frieza e sem arrelias. Mais uns retoques e pronto. Não quero que participem da minha morte a ninguém. Os criados do Tio Jacinto serão suficientes para me acompanharem até à última morada, junto dos meus pais.”

domingo, dezembro 06, 2009

Jorge Vieira, escultor e desenhador lisboeta


Escultor e desenhador lisboeta, Jorge Vieira (n. Lisboa, 1922, e m. em Évora, 1998) permanece na memória de muitos como autor do monumental Homem-Sol erguido no Parque das Nações, para a Expo98. Com as suas hastes atravessando o espaço em múltiplas direcções, Homem-Sol constitui uma espécie de testamento-síntese da obra que Jorge Vieira criou ao longo de uma carreira de cerca de 50 anos. Uma obra duplamente pioneira, pela renovação dos materiais escultóricos, como pela renovação poética da linguagem da escultura, que testou nas formas cheias, redondas, de um imaginário pagão trabalhado no barro (touros, crescentes lunares, sóis...) ou na pedra, mas também nas formas austeras, abertas, de linhas e planos estirados no metal, em que o artista experimentou uma redução fundamental da forma a signo.



Jorge Vieira fez a sua formação na Escola de Belas-Artes de Lisboa. Começou por frequentar o curso de Arquitectura, mudando, pouco depois, para o de Escultura. Ainda estudante, participou nas Exposições Gerais de Artes Plásticas (1947 e 1951) e aproximou-se do Surrealismo. De facto, algumas esculturas deste período, em barro e de pequenas dimensões, reflectem a assimilação de um vocabulário primitivista, sincrético, em que a metamorfose e a transfiguração das formas encontram uma expressão consentânea com as práticas surrealistas.

No entanto, Jorge Vieira não pode definir-se apenas como um escultor surrealista: já em 1948, realizara um conjunto de trabalhos em barro, de dimensões reduzidas, no qual evidenciava o seu interesse pela redução da figura a um núcleo orgânico, sinal elementar traduzido no movimento ondulante do volume polido da terracota.


“ A lírica e a mística do surrealismo seduziram-me na altura e seduzem-me ainda. Sentia-me imanado com essa gente e comecei a fazer coisas, se calhar sem muita consciência, que podiam já filiar-se numa atitude surrealista.”

Essa adesão de Jorge Vieira a uma politica conotada com o surrealismo não o leva, no entanto, a alinhar oficialmente num grupo, a subscrever objectivos programáticos ou a formalizar uma luta de cariz ético ou politico. Também, apesar de ter participado na II e IV exposições gerais de artes plásticas, não alinha pelo neo-realismo, que viria a considerar “assente numa demagogia, num panfleto, numa coisa muito interessante mas que ruiu. Evita os rótulos e mantém uma postura de coerente independência, que lhe permite movimentar-se livremente por entre as propostas radicalizadas de neo-realistas, surrealistas e abstraccionistas, descobrindo as culturas primitivas, mediterrânicas e africanas, que ele próprio considera conduzirem às coisas com mais pureza e mais força, herdando delas o gosto pelos materiais pobres, pelas cores térreas e as formas fantásticas. Mais do que tudo, admira-lhes a capacidade de fazer participar da arte da vivência quotidiana. Esta independência, e a consequente mobilidade, por entre a diversidade formal da modernidade alicerça-se em sólida aliança entre uma tranquila mas instável postura ética e um evidente prazer na manipulação do barro e na exploração das técnicas tradicionais de o trabalhar.
Na sua primeira exposição individual, em 1949, na SNBA, Jorge Vieira expõe pequenas esculturas em terracota de inspiração surrealista, que, também pelo seu grau de abstracção, constituem propostas inéditas no panorama da escultura em Portugal, ao lado das peças que Arlindo Rocha executava no Porto.
A liberdade formal e o humor que percorre estas formas “risonhas” ou “tristes” serão uma constante na obra do escultor, que, no entanto, não se fixará nessa escultura abstracta, recorrendo a ela, episodicamente, sobretudo em trabalhos destinados a lugares públicos; apresenta também figuras humanas, animais e híbridas, mantendo, ao nível da figuração, a mesma liberdade expressiva evidente nas formas abstractas.
Nesta primeira exposição, Jorge Vieira elege já o território em que se irá mover, um território sem fronteiras formais e apenas demarcado pela necessidade imposta pelos materiais, por sua vez frequentemente definidos pela encomenda, mas que, no seu trabalho mais livre, se caracterizam pela maleabilidade do barro ou, mais tarde, a ductibilidade da chapa metálica.
Em 48, havia viajado por Paris e Londres e viera de barriga cheia, visitara o Louvre, o Museu de Arte Moderna, as galerias onde viu Picasso e Braque e o Trocadero, onde começou o “meu amor pela arte africana, que eu acho que é fundamental”
Em 51, viaja novamente, a gora na companhia dos amigos pintor Rolando Sá Nogueira e arquitecto Duarte Castel-Branco. De motorizada atravessam a Espanha, visitam o Sul da França e percorrem a Itália. A viagem não deixa vestígios visíveis na obra, mas antes no seu autor, na maneira de ver a arte, a cultura, a vida.
Em 52, participa no concurso internacional do Monumento ao Prisioneiro Politico Desconhecido com uma maqueta que viria a ser premiada, teria um percurso internacional e viria a concretizar-se, em monumento, em Beja, já em 1994.
O sucesso no concurso internacional terá contribuído para que se lhe abrissem as portas da Slade School of Fine Arts, a escola com mais nome, onde pontificavam Reg Butler e, de vez em quando, o próprio Henry Moore.
Em Londres, a aprendizagem far-se-á a outro nível, num ambiente bastante mais estimulante do que o de Lisboa, com gente muito interessante. Estabelece amizade com o escultor F. E. McWilliam, professor na Slade que partilhava com Jorge Vieira uma maneira de encarar as situações marcada por um espírito de independência, temperado por uma ironia, e aligeirada por um desenvolvido sentido do absurdo. Revê-se também na atracão que ambos sentem pela “abstracção biomórfica”, bem como numa certa afinidade McWilliam pelo surrealismo, apesar de ambos, enquanto movimento, ele deixar de interessar. Trava igualmente contacto com Henry Moore que, numa das suas visitas à Slade, utiliza o trabalho em curso de Jorge Vieira para uma das suas lições.
Em 55 e 56 expõe, colectivamente, em Londres, na Hanover Gallery, e de regresso a Portugal, expõe na Galeria Pórtico, com António Areal e Carlos Calvet, algumas das suas esculturas mais vincadamente surrealistas, em sintonia com os dois pintores que o acompanham e exemplares do seu trabalho da década de 50. As referências ao corpo são evidentes, afastando-se contudo da fidelidade anatómica para apresentar um vocabulário umas vezes inquietantemente abstracto, outras de anatomias sincopadas, deslocadas, ou simplesmente inventadas.

Nos anos 60 e 70, alguns trabalhos orientam-se para uma concepção de teor construtivo. Uma composição de três pilares em cimento, revestidos com planos geométricos de bronze, é a opção escolhida para a escultura do Tribunal do Redondo (Alentejo), em 1965. O agenciamento dinâmico de planos geométricos, em chapa de aço, é retomado em 1972, noutra obra executada para o Laboratório Nacional de Engenharia Civil de Lisboa. O cinetismo – já antes ensaiado no barro – manifesta-se na estrutura da peça, de configuração assimétrica e instável.

Mais tarde (anos 70 e 80), Jorge Vieira recupera a figura humana, novamente numa dimensão onírica e surreal. Com ela, cria combinações insólitas (com várias peças), em que os corpos aparecem sobrepostos, desmembrados ou mutilados, como no Violoncelista Decapitado (1981), pertencente à colecção do CAMJAP.

No conjunto, a obra de Jorge Vieira reflecte a consolidação de um programa alheio às formulações tradicionais da escultura como “monumento”. Este carácter anti-apologético das formas assinala-se também na ausência de plintos ou pedestais: o objecto dá-se a ver na continuidade do espaço que o envolve ou atravessa, sem ruptura de níveis, como se pode ver na obra Sem Título (1966), pertencente à colecção do CAMJAP: a escultura, uma armação de hastes em ferro soldado, não é massa compacta e fechada, mas oferece-se ao olhar e ao próprio espaço físico que a penetra (processo já utilizado em Rã, de 1957).