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terça-feira, fevereiro 16, 2010

Escultura em Portugal no século XX (1910-1969)



Lúcia Almeida Matos é Professora Auxiliar na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto (FBAUP), Licenciou-se em Filosofia na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, obteve o grau de Master of Arts (MA) e Master of Philosophy (Mphil), na Universidade de Syracuse (E.U.A.) e Doutorou-se na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto.

Desenvolve trabalho de investigação e docência em História e Teoria de Arte Moderna e Contemporânea, e em Museologia. Dirige o Museu da FBAUP coordenando a publicação do boletim do museu e projectos museológicos e expositivos. Tem organizado reuniões científicas internacionais e comissariado exposições.

A série bibliográfica “Textos Universitários de Ciências Sociais e Humanas” propõe-se publicar obras importantes num domínio do conhecimento crítico moderno em que cabem também estudos valiosos de cultura clássica. Muitas dessas investigações vão ao arrepio das tendências tecnocráticas contemporâneas, só voltadas para os problemas, tidos como maiores, do quantitativo. O regresso às fontes clássicas de um saber universal tem de ser o signo característico de um novo Humanismo.

Esta filosofia inspira e anima o programa doutrinal desta série de edições, cuja responsabilidade coube ao extinto Instituto Nacional de Investigação Científica e que a Fundação para a Ciência e a Tecnologia deseja prosseguir, de parceria com a Fundação Calouste Gulbenkian.

Este livro reproduz, com ligeiros ajustes, o texto da dissertação de doutoramento que Lúcia Almeida Matos defendeu na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto em Novembro de 2003. No espaço de três anos que separa a apresentação pública da dissertação e a publicação deste livro em 2007, editado pela Fundação Calouste Gulbenkian e pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, a bibliografia nacional e internacional foi, naturalmente, enriquecida.

No Prefácio desta obra, da autoria da Professora Doutora Raquel Henriques da Silva, responsável pela orientação científica, “Escultura em Portugal no Século XX (1910-1969) tem as evidentes marcas de ter sido escrita para dissertação de doutoramento. Mas, ao contrário das conotações habituais em relação a tal tipologia de trabalhos, o livro que aqui apresento é de leitura extraordinariamente acessível, claro no seu desenrolar e, creio eu, interessante por várias ordens de razões. No entanto, tem considerável aparato crítico, bem recolhido em notas de rodapé, e uma louvável ambição. Sintetizando, Lúcia Almeida Matos realizou uma investigação em profundidade e extensão sobre a escultura portuguesa, através dos percursos e obras dos artistas que, nesse domínio, mais se destacaram entre o início do século XX e os anos de 1960. Para seleccionar, analisar e valorizar teve, naturalmente, de atender aos sucessivos contextos culturais da nossa história recente, articulando-os sempre com as dinâmicas internacionais (sobretudo europeias) que os foram influenciando. O objectivo de traçar a história da escultura novecentista portuguesa em diálogo determinante com diversas cenas artísticas – francesa, nas primeiras décadas, inglês, nas últimas, considerando ainda as marcações iluminantes da Catalunha e de Itália, nos anos 30 e 40 – é o facto que individualiza este trabalho e o tornará referência obrigatória na nossa história de arte.”

A metodologia seguida por Lúcia Almeida Matos não conduziu, no entanto, apenas a propor a história da escultura portuguesa do século XX como uma realidade específica mas indissociável da escultura europeia do mesmo tempo. Ela permitiu duas conclusões mais amplas que devem ser destacadas.

A primeira é que, ao contrário de opiniões menos fundamentadas e mais ideológicas, os escultores portugueses de então (incluindo os jovens de 1960 que, felizmente continuam hoje activos) contactaram com as rupturas da prática escultórica no tempo em que elas foram ocorrendo, nem mais atrasados, nem mais adiantados do que as outras escolas nacionais. No entanto, nos anos de 1900 a 1920, essa atenção à modernidade processou-se numa acentuada fidelidade aos modelos académicos do ensino e da produção, sem alcançar as práticas vanguardistas que, à época, tinham escassíssimo reconhecimento público. Comparando com a pintura, poder-se-á dizer que não houve, na escultura, um Amadeo de Souza Cardoso, sendo que o escultor que mais dele se aproxima (pela atenção à cena internacional onde funcionou com reconhecido sucesso) foi o modernista Ernesto Canto da Maia. Pelo contrário, nos de 1960, os jovens escultores portugueses entraram, com entusiasmo e empenho, no campo das vanguardas artísticas de então, sobretudo via Londres, embora, no desenvolvimento das suas carreiras, nem sempre se tenham mantido nessa incerta corda tensa que é a novidade.

A segunda conclusão que este livro propõe é que, ao contrário do que se pretendeu (em termos políticos e ideológicos), o período menos interessante da escultura do século XX português é o dos anos 30 e 40, aquele que, paradoxalmente, seria, nas palavras desejantes de António Ferro, a “idade de ouro” da escultura nacional. Os escultores em actividade foram dominados pelo excesso de encomendas de teor monumentalista bastante ultrapassado, viajaram menos, não beneficiaram de bolsas de aperfeiçoamento no exterior (ao contrário dos antecessores e sucessores) e renderam-se, mais ou menos, a intenções celebrativas de teor nacionalista.

Mas, para lá do aprofundamento da história, o livro de Lúcia Almeida Matos aborda temas que nunca, em Portugal, haviam sido tratados e que dizem respeito ao campo da teoria da escultura. É o caso das particularidades constrangentes do ofício, em relação, por exemplo, à maior autonomia da pintura, determinando grande dependência do escultor face às tecnologias e à encomenda, mas, em território de saída para a situação, a autora introduz a distinção fundamental entre o grande e o pequeno formato, sendo este o meio mais adequado para a pesquisa e a inovação. Essas questões são muito importantes na transição entre o século XIX e o século XX, quando Rodin era o mestre mais amado da escultura europeia. Um dos mais inovadores contributos deste trabalho diz respeito ao modo como analisa a complexidade desse tempo, distinguindo, com eficácia, os campos da modernidade e da vanguarda. Em relação ao difícil período dos anos 30 e 40, as páginas dedicadas à estética monumentalista e à diferenciação entre escultura e estatutária são brilhantes, bem como a abordagem do futuro dessa arte ideológica ao serviço de uma história de heróis. Na verdade, o subcapítulo “Ascensão e queda de uma estátua” sugerem a pertinência da continuação desta investigação original que articula a arte e o espaço urbano, nos contextos complexos das mais intensas vibrações e rupturas da história.

A proposta de estudo da escultura em Portugal no período consensualmente designado por moderno, ou seja, até ao momento em que o próprio conceito de escultura é posto em causa, impondo e simultaneamente assumindo uma alteração de paradigma. O final da década de 60 foi tomado então como o limite cronológico deste trabalho, uma vez que, simultaneamente com a cena artística internacional, foram esses os anos que marcaram as primeiras alterações profundas na prática e na reflexão teórica dos artistas portugueses trabalhando no País, ou em proveitosos estágios no estrangeiro.

A terceira parte deste livro é a que pretendemos realçar e que se enquadra com o objectivo deste blogue de arte, o de estudar e investigar a obra do escultor Manuel Pereira da Silva. Esta III Parte tem por tema ”De 1949 a 1969: Da estatutária à escultura” e é no capítulo 2: “Primeiras rupturas” no subcapítulo “O neo-realismo nas exposições gerais de artes plásticas” que surge a primeira referência a Manuel Pereira da Silva. Em 1946, em Portugal como admitiu José Augusto França “era mister apoiar o neo-realismo, mesmo que fosse por ignorância de outra coisa.

O neo-realismo demarca-se do modernismo, que considera formal, vazio, e desactualizado, próprio de um outra época, a época do divórcio com ávida real, que deveria pertencer já ao passado, e na qual inclui também o surrealismo, através de todas as etapas da arte moderna, faz-se notar uma comum aversão ao real. Criar uma outra realidade, eis, em esquema, a tese do quadro-objecto reivindicada pelo Cubismo. Criar uma outra realidade, captar o “surréel”, conseguir uma realidade “total”, constitui a ideia fixa dos surrealistas. Todos os grandes e pequenos sobressaltos da arte moderna são, em regra, tidos como revoluções. Mas segundo Júlio Pomar, devemos distinguir revoluções apenas dentro do plano da arte moderna, a arte moderna jamais ultrapassou a sua condição de arte para um círculo e daí a sua crise, o originar-se de um círculo vicioso.

O nascimento do de uma expressão neo-realista nas artes plásticas acontece primeiro, a um certo nível teórico, com características de manifesto, nas páginas das novas revistas, nomeadamente O Diabo e o Sol Nascente, e vai ganhando forma artística, nomeadamente na pintura, em iniciativas estudantis de Fernando de Azevedo, Júlio Pomar. Marcelino Vespereira e outros, em Lisboa, em 42, seguida das participações de Júlio Pomar e Victor Palla na Exposição Independente, no Porto em 44, com uma edição no Instituto Superior Técnico no ano seguinte. O ano de 1946 será o ano decisivo na formação do movimento, com a decoração do Cinema Batalha, no Porto, por Júlio Pomar, a exposição no Ateneu Comercial do Porto e, finalmente, a I Exposição Geral de Artes Plásticas na Sociedade Nacional de Belas-Artes.

Em 1946, inauguram, pois duas exposições, uma no Porto e outra em Lisboa, ambas “livre e independentemente organizadas pelos próprios artistas”, que vieram a funcionar “como pedras que fossem jogadas sobre a superfície parada de um lago”, de acordo com Adolfo Casais Monteiro. Num espírito de que muitos já os suporiam tão distanciados que não pudessem recuperá-lo, os artistas participantes expuseram em unidade, fazendo lembrar as iniciativas independentes de 30 e apresentando um modelo alternativo à habitual divisão entre “São Pedro de Alcântara” e “Barata Salgueiro”. Tratava-se da I Exposição da Primavera, inaugurada no Ateneu Comercial do Porto, a 15 de Junho, e da I Exposição Geral de Artes Plásticas, na Sociedade Nacional de Belas Artes, no mês seguinte.

Em palestra que acompanhou a exposição no Porto, com o título “Arte e Juventude”, Júlio Pomar lembrava aos jovens que a “a arte é da terra, assenta raízes na vida” e que, para além de “reflectir o ritmo da vida”, pode ainda “contribuir para o acelerar desse ritmo”. Outras palestras sobre “Pintura e Cinema”, “Arte e Público” e “Urbanismo e Arquitectura” revelam a ambição de reflexão e questionamento da iniciativa.

A imprensa generalista do Porto noticiou amplamente todo o evento de um modo geral assinalando o carácter abrangente da exposição, que integrava “artistas categorizados e alguns que estão ainda no início da sua carreira, documentando vários géneros desde o clássico puro ao mais estranho modernista”. Segundo a crítica de arte, a escultura apresentada na exposição era “equilibrada” e indicava poder “chegar muito longe”. Foram destacados Eduardo Tavares, Mário Truta, Margarida Shimmelpfenning, Augusto Gomes, Cruz Caldas, Herculano Monteiro e Manuel Pereira da Silva.

No catálogo da I Exposição Geral de Artes Plásticas, em Lisboa, recomenda-se que seja posta de lado alguma perplexidade por “uma aparente falta de unidade” que a diversidade das obras em exposição possa aparentar, e que antes se volte a atenção “para as intenções da exposição” em fomentar a cooperação entre os artistas que “desejam não somente servir-se da vida, saboreá-la, aproveitá-la, mas servi-la, melhorá-la, torná-la digna de ser vivida”.

A exposição é recebida pela crítica de arte de uma forma favorável que destaca o “sentido de solidariedade” dos artistas, parecendo-lhe a cooperação “uma lição admirável” e se congratula com o facto de se poder verificar um “confronto regular das tendências várias de gerações diferentes”.

No subcapítulo “O abstraccionismo e as exposições independentes” surge várias referências a Manuel Pereira da Silva. A arte abstracta, mais precisamente a pintura, entrou em Portugal, em Junho de 1935, nas telas de Maria Helena Vieira da Silva, em exposição na Galeria UP, apresentada por António Pedro como “a primeira exposição de pintura abstracta que se fez em Portugal desde o tempo de Amadeo de Souza Cardoso”. A propósito ainda da pintura de Vieira da Silva (e de Arpad Szénes), João Gaspar Simões explicaria, em 36, ser “o estádio derradeiro da expressão pictural que renegou a realidade sensível” e cita André Lhote para a designar de “abstracta”.

A arte abstracta portuguesa está historicamente ligada às exposições independentes, cujo principal organizador e animador, Fernando Lanhas, é coincidentemente a figura central desse abstraccionismo. Após uma I Exposição, em Abril de 1943, nas instalações da Escola de Belas Artes do Porto, onde já se poderá verificar a presença do futuro “núcleo duro” das independentes, como sejam Júlio Resende, Fernando Fernandes, Nadir Afonso, Arlindo Rocha, Altino Maia, Mário Truta, Serafim Teixeira, Augusto Tavares e Manuel Pereira da Silva. As exposições independentes passam a ter lugar fora da Escola e, várias vezes, fora do Porto, em primeiro exemplo de descentralização e vontade de difusão que, apesar de tudo, não evitará uma certa marginalização dos artistas do Porto em relação aos acontecimentos e iniciativas de maior visibilidade e impacto da capital.

A II Exposição Independente apresenta-se, em Fevereiro de 1944, no Ateneu Comercial do Porto e será a partir daí que a acção de Fernando Lanhas se fará sentir, na consistente qualidade dos catálogos e das montagens das exposições, bem com como na persistência em manter vivas as iniciativas. Nesta exposição estiveram presentes esculturas de Altino Maia, Arlindo Rocha, Eduardo Tavares, Joaquim Meireles, Manuel da Cunha Monteiro, Maria Graciosa de Carvalho, Mário Truta, M. Félix de Brito, Manuel Pereira da Silva e Serafim Teixeira.

A III Exposição Independente tem lugar, no mesmo ano, no salão do Coliseu do Porto e nela participam na escultura: Abel Salazar, Altino Maia, António Azevedo, Arlindo Rocha, Eduardo Tavares, Henrique Moreira, Manuel Pereira da Silva, Mário truta, e Sousa Caldas. No catálogo da exposição, em itinerância por Coimbra, em Janeiro de 1945, esclarece-se que o nome de “independente” não é um nome ao acaso, mas implica a consciência de que arte é um património da humanidade e daí a nossa variadíssima presença, entendendo-se que o presente deve, activar-se para alicerçar o futuro, não se podendo negar ao passado o direito de recordar-se.

Ao contrário do que acontecerá com as exposições surrealistas ou as gerais, muito identificadas com o neo-realismo, a bandeira do abstraccionismo não será defendida nas exposições independentes, que se limitam a integrar as experiências abstractas dos seus cada vez mais numerosos seguidores.

Uma versão mais depurada e homogénea daquela III Exposição será apresentada, também em 45, em Leiria e em Lisboa, onde foi alvo de críticas da emergente corrente neo-realista.

domingo, fevereiro 07, 2010

A Estatutária de Avintes



Berço de artistas, designadamente entalhadores, arquitectos, pintores e escultores, entre outros. Avintes haveria necessariamente de exibir, com natural orgulho, as criações dos seus filhos.
Chama-nos a atenção este trabalho, da autoria de Fernando Soares Reis, publicado na Revista Caminho Novo de 1 de Dezembro de 1988, para os escultores Avintenses, autores de peças espalhadas por todo o País e pelo ex-Ultramar Português e que entraram também nos edifícios públicos e Museus.

A lista nominal inicia-se no findar do século XiX, com António Fernandes de Sá e prolongar-se-á pelos tempos fora, porque a vocação artística enraizada no sangue Avintense jamais se extinguirá. Refira-se também que neste blog de arte há recém-licenciados das Belas-Artes à espera do momento propício para imporem o seu talento na arte contemporânea.
Compõem a lista do nosso blog de arte os escultores: Fernandes de Sá, Henrique Moreira, Herculano Figueiredo, Manuel Pereira da Silva e Joaquim Vieira. Com excepção de Herculano Figueiredo que a doença impediu de revelar a sua verdadeira dimensão de artista plástico, os demais são escultores de variadíssimos trabalhos (que têm suscitado a atenção de críticos de arte e historiadores de arte) entre os quais os dispersos em Avintes e que podem ser apreciados na via pública, nas colectividades e no cemitério paroquial.

De autor desconhecido é a Pedra da Audiência. Até talvez nem tenha autor, mas a sua componente histórica possui riqueza monumental.
Variada na concepção, na forma e no estilo, a estatutária de Avintes vai desde a arte clássica até à arte nova e, em algumas peças, encontra-se uma junção de estilos, todas se identificando com os seus autores.

Manuel Pereira da Silva tem apostado ultimamente na combinação de estilos (arte figurativa e arte abstracta), volumes e materiais diversificados, criando conjuntos escultóricos belos no efeito e harmoniosos na forma, os quais também não precisam de assinatura para serem reconhecidos.
Sem pretendermos neste blog de arte entrar nos caminhos da crítica de arte, vamos penetrar apenas na história de arte subjacente à concepção da estatutária de Avintes começando pela mais antiga.

Pedra da Audiência – Monumento Nacional catalogado nos Edifícios e Monumentos Nacionais por decreto nº35817, publicado no Diário do Governo, de 20 de Agosto de 1946. É ex-líbris de Avintes e emblema do Clube Recreativo Avintense. A Pedra da Audiência é o único vestígio que nos resta do extinto couto de Avintes. Foram postas ali aquelas pedras em 1742 para servirem em conjunto com um sobreiro secular de Tribunal. As audiências faziam-se às quartas-feiras, pelo meio-dia. No banco mais alto sentava-se o Juiz do couto, empunhando uma vara vermelha, enquanto o escrivão escrevia sobre a mesa, e o meirinho apregoava as arrematações.

D. Maria Fernandes Chitra – Busto esculpido em mármore, da autoria do escultor Fernandes de Sá, colocado no jazigo da família Fernandes de Sá no cemitério paroquial. O busto de sua mãe é uma obra aonde o cinzel trabalhou de forma brilhante e carinhosamente, é nela que todo o poder emocional do artista se faz sentir, dando ao mármore uma verdadeira interpretação psicológica, para além do classicismo das suas linhas. È um dos mais belos exemplares de escultura contemporânea portuguesa.

Alfredo de Oliveira Dias Penedo (meu avô) – Busto em bronze, colocado no salão da Associação Recreativa “Os Plebeus Avintenses”, da autoria do escultor Manuel Pereira da Silva.
Alfredo de Oliveira Dias Penedo, licenciado em Farmácia pela Universidade do Porto, para além de fundador e de proprietário da primeira sede, foi animador, actor e encenador assíduo
Do grupo cénico “Os Plebeus” – durante mais de 50 anos, qualidades reconhecidas na homenagem prestada a título póstumo, com o descerramento do seu busto na nova sede da colectividade no dia 26de Dezembro de 1975.

Manuel Monteiro da Fonseca, baixo-relevo em bronze, colocado na parede do átrio principal do quartel-sede dos Bombeiros Voluntários de Avintes da autoria do escultor Joaquim Vieira.
O autor da obra, então um jovem finalista dos cursos de pintura e escultura de Belas-Artes do Porto. Esta escultura, que representa bem o carácter de Manuel Monteiro da Fonseca, foi descerrada, no dia 18 de Fevereiro de 1967, data da inauguração do quartel, e constitui a homenagem devida ao benemérito que foi o maior impulsionador do empreendimento.

Atleta, conjunto escultórico existente na placa ajardinada do antigo Largo da Gândara, actual Praça Escultor Henrique Moreira, da autoria do escultor Manuel Pereira da Silva.
A ideia do monumento partiu da Comissão Executiva das Comemorações das Bodas de Ouro do Futebol Clube de Avintes, que entendeu ser esse o momento próprio para esta freguesia prestar uma homenagem ao atleta universal, independentemente de raças e cor ou modalidades praticadas, gesto tido como impar em todo o País. O monumento foi inaugurado em 22 de Dezembro de 1973, com a presença do Presidente da Câmara Municipal de Gaia, Dr. Ramiro de Queirós, do Presidente da Federação de Atletismo, Engenheiro Correia da Cunha, do Governador Civil do Porto, Major Paulo Durão e o Director Geral dos Desportos, Professor Noronha Feio.

Dr. Adelino Gonçalves Gomes, busto em bronze, assente numa peanha de pedra lavrada, encontra-se na frontaria do Clube Recreativo Avintense, da autoria do escultor Manuel Pereira da Silva, foi inaugurada no dia 1 de Junho de 1952. A escultura representa uma manifestação de gratidão e de apreço de toda a freguesia ao filantropo. O Dr. Adelino Gomes era o sócio nº1 do Clube Recreativo Avintense e fora, em 1904, seu presidente da Direcção.

Bombeiro Voluntário, peça em bronze, representando o movimento de um bombeiro na posição de subir a escada, assente numa base de cantaria, está na localizada na praceta dos Bombeiros Voluntários de Avintes, da autoria do escultor Manuel Pereira da Silva, inaugurada em no dia 25 de Agosto de 1985, por altura das comemorações das Bodas de Ouro da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Avintes, registou a presença da Secretária de Estado da Emigração, Dr.ª Manuela de Aguiar e do Governador Civil do porto, Dr. Cal Brandão e do Presidente da Câmara Municipal de Gaia, António Coutinho da Fonseca.

Padeira de Avintes, escultura em bronze assente numa base construída em granito lavrado, da autoria do escultor Henrique Moreira, encontra-se na Praça Henrique Moreira. Peça em bronze, ao tamanho natural, foi solicitada ao escultor pelo Presidente da Junta de Freguesia, José Maria Alves Pereira, com a finalidade de perpetuar essa figura de mulher bela e pujante – A Padeira de Avintes, inaugurada em 27 de Abril de 1974.

Monumento ao Espírito Missionário e ao Padre José Marques Gonçalves de Araújo, conjunto escultórico instalado na placa ajardinada da Rua da escola Central, em frente à Igreja Paroquial, da autoria do escultor Manuel Pereira da Silva, inaugurada em 26 de Dezembro de 1982. O monumento compõe-se de uma forma de figura humana abraçando o mundo, construída em aço inoxidável, a base é de granito lavrado e os restantes elementos: baixo-relevo do Padre Araújo, esfera armilar, símbolo missionário e as letras da frase evangélica “Ide e ensinai todas as gentes”.
Engenheiro Eduardo Arantes e Oliveira, busto em bronze colocado numa peanha de pedra lavrada, implantada na Praceta dos Bombeiros Voluntários de Avintes, da autoria do escultor Henrique Moreira. O homenageado, ao tempo Ministro das Obras Públicas, visitou esta terra várias vezes, foi um interessado protector da construção do quartel-sede dos Bombeiros, inaugurada em 13 de Agosto de 1970.

terça-feira, janeiro 26, 2010

Ao amigo de ontem, de hoje e de sempre

Nen toda a palavra serve
para vestir o manel.

No corpo, na alma, em tudo
o bem e o mal vem-lhe a tons:
fica-lhe mal o veludo
e fica-lhe bem a lona.

Tem o tamanho que tem,
seja calçado ou descalço:
talvez por isso, também,
nunca deu um passo em falso.

Nasceu nu e nunca quis
tapar a sua nudez:
é senhor do seu nariz
sem ostentar altivez.

Deixo o artista de parte,
fico na minha cantiga:
que nesta coisa de arte
há muito que se lhe diga.

Fiz o retrato que pude,
desde a alma até à pele:
espero que nunca mude
- que seja o mesmo manel.

Francisco Gonçalves

segunda-feira, dezembro 28, 2009

“Três Escultores de Valia”



A publicação deste trabalho literário de carácter biográfico e crítico, é relativa a três escultores de Avintes de nomeada: António Fernandes de Sá, Henrique Moreira e Manuel Pereira da Silva – três glórias da nossa terra.


Honrando Avintes e as suas raízes culturais, bem como a instituição que o apadrinha – Confraria da Broa de Avintes – Joaquim Costa Oliveira Gomes retrata a vida e a obra destes escultores.

António Fernandes de Sá, um escultor de Avintes.


António Fernandes de Sá em Paris.



António Fernandes de Sá viu a luz do dia em Avintes, a 7 de Novembro de 1874, no lugar do Magarão.
Em 1989 apareceu a frequentar a Escola de Belas-Artes do Porto. Tinha então 15 anos. As principais disciplinas eram as de desenho e arquitectura. Em 1983 passa a ter desenho histórico com Marques de Oliveira. No ano seguinte fica em segundo lugar, conseguindo o prémio de 20.000 reis.
Durante todos estes cinco anos o artista saía das aulas a altas horas da noite e calcorreava todo o percurso às escuras até Avintes, por caminhos bastante perigosos, os malfeitores abundavam na época, a luz eléctrica ainda não existia. Esperava-o sempre, a pé, a sua mãe, por quem ele nutria um amor filial imenso do qual podemos ver o busto dela feito por ele, que se encontra no cemitério de Avintes.



Busto da Mãe de Fernandes de Sá

(Cemitério de Avintes)


Em 1986 Fernandes de Sá manifesta ao seu pai o desejo de seguir para Paris. O pai consultou a esposa e presenteou o filho com um conto de reis para ele gastar em Paris, o que era muito dinheiro na época. Como é natural, Fernandes de Sá ficou alvoroçado com tal presente, já que a maior ambição de todo o artista era de completar a sua educação artística na Cidade das luzes.


“Concordo com você, para se ser pintor é necessário ficar em Paris” escrevia Miró a Picasso em Junho de 1920.


A pedido de Marques de Oliveira e dos outros professores Fernandes de Sá regressa a Portugal, passados três meses, a fim de concorrer a uma bolsa do Estado. Terminadas as provas, Fernandes de Sá alcança o primeiro prémio com “O Atirador do Arco”. De novo em Paris, agora com uma bolsa de 60.000 reis, passa a frequentar a Academia Julien com grande entusiasmo e é admitido na Escola de Belas Artes, ao mesmo tempo que frequenta, à noite a Academia Colarossi.
Paris era dominada artisticamente por dois grandes vultos: Cézane, na pintura e Rodin, na escultura.


Em 1898 nascia a primeira obra de Fernandes de Sá, “O Rapto de Ganímedes”, uma prova admirável de assimilação do espírito da arte francesa de então, ensinada pelos Mestres Falguiére e Puech, dois vanguardistas de oposição ao revolucionismo estético de Rodin. “Serviu-me de modelo para o Ganímedes um lindo rapazinho italiano. Trabalhei dias e dias com todo o ardor e toda a vontade. Por vezes, esquecia-me de comer e ia almoçar às três e quatro horas da tarde. Ah, mas valeu a pena! O Rapto de Ganímedes, para deslumbramento dos meus 23 anos, foi admitido no Salon (1989), na Exposição Universal de Paris (1900) e na Exposição da Sociedade de Belas-Artes de Lisboa (1902).”



O Rapto de Gamínedes


Em 1990 produziu “A Vaga”, um nu feminino de encantadora elegância que é soerguido nas ondas, numa inclinação graciosa, que mereceu a honra de figurar na Exposição Universal de Paris (1900), ali mesmo ao lado do “Pensador” de Rodin.



A Vaga


É ainda desse mesmo ano a “Cabeça de Velha”, em mármore, pertence ao Museu Nacional de Soares dos Reis. Figurou na exposição Universal de paris (1900). O Governo Francês adquiriu esta escultura em bronze.



Cabeça de Velha


Em 1904 recebe uma encomenda do Museu de artilharia para realizar a peça “O Camões depois do naufrágio”, actualmente no Museu da Técnica e da Ciência em Coimbra.


O Camões depois do naufrágio


Faleceu a 26 de Novembro de 1958, “Tenho a impressão que isto está no fim, Os meus vaticínios não têm falhado. De forma que, desta vez, também devem bater certo. Estou cansado da vida e por isso encaro as coisas com frieza e sem arrelias. Mais uns retoques e pronto. Não quero que participem da minha morte a ninguém. Os criados do Tio Jacinto serão suficientes para me acompanharem até à última morada, junto dos meus pais.”

domingo, dezembro 06, 2009

Jorge Vieira, escultor e desenhador lisboeta


Escultor e desenhador lisboeta, Jorge Vieira (n. Lisboa, 1922, e m. em Évora, 1998) permanece na memória de muitos como autor do monumental Homem-Sol erguido no Parque das Nações, para a Expo98. Com as suas hastes atravessando o espaço em múltiplas direcções, Homem-Sol constitui uma espécie de testamento-síntese da obra que Jorge Vieira criou ao longo de uma carreira de cerca de 50 anos. Uma obra duplamente pioneira, pela renovação dos materiais escultóricos, como pela renovação poética da linguagem da escultura, que testou nas formas cheias, redondas, de um imaginário pagão trabalhado no barro (touros, crescentes lunares, sóis...) ou na pedra, mas também nas formas austeras, abertas, de linhas e planos estirados no metal, em que o artista experimentou uma redução fundamental da forma a signo.



Jorge Vieira fez a sua formação na Escola de Belas-Artes de Lisboa. Começou por frequentar o curso de Arquitectura, mudando, pouco depois, para o de Escultura. Ainda estudante, participou nas Exposições Gerais de Artes Plásticas (1947 e 1951) e aproximou-se do Surrealismo. De facto, algumas esculturas deste período, em barro e de pequenas dimensões, reflectem a assimilação de um vocabulário primitivista, sincrético, em que a metamorfose e a transfiguração das formas encontram uma expressão consentânea com as práticas surrealistas.

No entanto, Jorge Vieira não pode definir-se apenas como um escultor surrealista: já em 1948, realizara um conjunto de trabalhos em barro, de dimensões reduzidas, no qual evidenciava o seu interesse pela redução da figura a um núcleo orgânico, sinal elementar traduzido no movimento ondulante do volume polido da terracota.


“ A lírica e a mística do surrealismo seduziram-me na altura e seduzem-me ainda. Sentia-me imanado com essa gente e comecei a fazer coisas, se calhar sem muita consciência, que podiam já filiar-se numa atitude surrealista.”

Essa adesão de Jorge Vieira a uma politica conotada com o surrealismo não o leva, no entanto, a alinhar oficialmente num grupo, a subscrever objectivos programáticos ou a formalizar uma luta de cariz ético ou politico. Também, apesar de ter participado na II e IV exposições gerais de artes plásticas, não alinha pelo neo-realismo, que viria a considerar “assente numa demagogia, num panfleto, numa coisa muito interessante mas que ruiu. Evita os rótulos e mantém uma postura de coerente independência, que lhe permite movimentar-se livremente por entre as propostas radicalizadas de neo-realistas, surrealistas e abstraccionistas, descobrindo as culturas primitivas, mediterrânicas e africanas, que ele próprio considera conduzirem às coisas com mais pureza e mais força, herdando delas o gosto pelos materiais pobres, pelas cores térreas e as formas fantásticas. Mais do que tudo, admira-lhes a capacidade de fazer participar da arte da vivência quotidiana. Esta independência, e a consequente mobilidade, por entre a diversidade formal da modernidade alicerça-se em sólida aliança entre uma tranquila mas instável postura ética e um evidente prazer na manipulação do barro e na exploração das técnicas tradicionais de o trabalhar.
Na sua primeira exposição individual, em 1949, na SNBA, Jorge Vieira expõe pequenas esculturas em terracota de inspiração surrealista, que, também pelo seu grau de abstracção, constituem propostas inéditas no panorama da escultura em Portugal, ao lado das peças que Arlindo Rocha executava no Porto.
A liberdade formal e o humor que percorre estas formas “risonhas” ou “tristes” serão uma constante na obra do escultor, que, no entanto, não se fixará nessa escultura abstracta, recorrendo a ela, episodicamente, sobretudo em trabalhos destinados a lugares públicos; apresenta também figuras humanas, animais e híbridas, mantendo, ao nível da figuração, a mesma liberdade expressiva evidente nas formas abstractas.
Nesta primeira exposição, Jorge Vieira elege já o território em que se irá mover, um território sem fronteiras formais e apenas demarcado pela necessidade imposta pelos materiais, por sua vez frequentemente definidos pela encomenda, mas que, no seu trabalho mais livre, se caracterizam pela maleabilidade do barro ou, mais tarde, a ductibilidade da chapa metálica.
Em 48, havia viajado por Paris e Londres e viera de barriga cheia, visitara o Louvre, o Museu de Arte Moderna, as galerias onde viu Picasso e Braque e o Trocadero, onde começou o “meu amor pela arte africana, que eu acho que é fundamental”
Em 51, viaja novamente, a gora na companhia dos amigos pintor Rolando Sá Nogueira e arquitecto Duarte Castel-Branco. De motorizada atravessam a Espanha, visitam o Sul da França e percorrem a Itália. A viagem não deixa vestígios visíveis na obra, mas antes no seu autor, na maneira de ver a arte, a cultura, a vida.
Em 52, participa no concurso internacional do Monumento ao Prisioneiro Politico Desconhecido com uma maqueta que viria a ser premiada, teria um percurso internacional e viria a concretizar-se, em monumento, em Beja, já em 1994.
O sucesso no concurso internacional terá contribuído para que se lhe abrissem as portas da Slade School of Fine Arts, a escola com mais nome, onde pontificavam Reg Butler e, de vez em quando, o próprio Henry Moore.
Em Londres, a aprendizagem far-se-á a outro nível, num ambiente bastante mais estimulante do que o de Lisboa, com gente muito interessante. Estabelece amizade com o escultor F. E. McWilliam, professor na Slade que partilhava com Jorge Vieira uma maneira de encarar as situações marcada por um espírito de independência, temperado por uma ironia, e aligeirada por um desenvolvido sentido do absurdo. Revê-se também na atracão que ambos sentem pela “abstracção biomórfica”, bem como numa certa afinidade McWilliam pelo surrealismo, apesar de ambos, enquanto movimento, ele deixar de interessar. Trava igualmente contacto com Henry Moore que, numa das suas visitas à Slade, utiliza o trabalho em curso de Jorge Vieira para uma das suas lições.
Em 55 e 56 expõe, colectivamente, em Londres, na Hanover Gallery, e de regresso a Portugal, expõe na Galeria Pórtico, com António Areal e Carlos Calvet, algumas das suas esculturas mais vincadamente surrealistas, em sintonia com os dois pintores que o acompanham e exemplares do seu trabalho da década de 50. As referências ao corpo são evidentes, afastando-se contudo da fidelidade anatómica para apresentar um vocabulário umas vezes inquietantemente abstracto, outras de anatomias sincopadas, deslocadas, ou simplesmente inventadas.

Nos anos 60 e 70, alguns trabalhos orientam-se para uma concepção de teor construtivo. Uma composição de três pilares em cimento, revestidos com planos geométricos de bronze, é a opção escolhida para a escultura do Tribunal do Redondo (Alentejo), em 1965. O agenciamento dinâmico de planos geométricos, em chapa de aço, é retomado em 1972, noutra obra executada para o Laboratório Nacional de Engenharia Civil de Lisboa. O cinetismo – já antes ensaiado no barro – manifesta-se na estrutura da peça, de configuração assimétrica e instável.

Mais tarde (anos 70 e 80), Jorge Vieira recupera a figura humana, novamente numa dimensão onírica e surreal. Com ela, cria combinações insólitas (com várias peças), em que os corpos aparecem sobrepostos, desmembrados ou mutilados, como no Violoncelista Decapitado (1981), pertencente à colecção do CAMJAP.

No conjunto, a obra de Jorge Vieira reflecte a consolidação de um programa alheio às formulações tradicionais da escultura como “monumento”. Este carácter anti-apologético das formas assinala-se também na ausência de plintos ou pedestais: o objecto dá-se a ver na continuidade do espaço que o envolve ou atravessa, sem ruptura de níveis, como se pode ver na obra Sem Título (1966), pertencente à colecção do CAMJAP: a escultura, uma armação de hastes em ferro soldado, não é massa compacta e fechada, mas oferece-se ao olhar e ao próprio espaço físico que a penetra (processo já utilizado em Rã, de 1957).

segunda-feira, abril 27, 2009

Homenagem aos escultores que elaboraram o Monumento aos Herois da Guerra Peninsular da autoria de Alves de Sousa


Busto da autoria do escultor Manuel Pereira da Silva, inaugurado no final dos anos oitenta para comemorar os 100 anos do nascimento do Escultor Alves de Sousa. Vilar de Andorinho.



António Alves de Sousa, mais conhecido por Alves de Sousa (Vilar de Andorinho, Vila Nova de Gaia, 1884 - 1922) foi um escultor português naturalista da chamada Escola do Porto (havendo quem defenda que, dentro desta, se deve autonomizar a Escola Gaiense), que se pode situar entre o final do Séc. XIX e o início do Séc. XX, e de que são expoentes Soares dos Reis e Teixeira Lopes, filho.

Há notícia de que, após ter concluído a instrução primária, em 1894,e como já mostrava vocação para trabalhar a pedra (diz-se que corria muitas vezes para pedreiras nas redondezas e era visto a chegar com matéria prima para a sua arte), terá frequentado a Escola da Fábrica das Devezas, em Vila Nova de Gaia, onde o seu pai, Joaquim de Sousa e Silva, trabalhava como pedreiro. Dessa Fábrica era sócio Teixeira Lopes, pai, e a tradição oral diz que este artista seria amigo do Rei D. Carlos, que utilizou para boa influência na entrada de Alves de Sousa na Academia portuense. A falta do segundo grau da instrução primária viria a criar-lhe problemas, mais tarde, na admissão para Professor da Academia de Belas Artes do Porto

Alves de Sousa conseguiu assim entrar para a Academia de Belas Artes do Porto (actual Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto) com apenas 13 anos, tendo requerido em 1897 a sua matrícula em Desenho Histórico, curso que concluiu em 5 anos, tal como o de Escultura, chegando a acumular ambos. Esteve oito anos nesta escola, tendo concluído o curso em 1905 com a prova final "Uma mulher do povo conduzindo duas crianças, cai debilitada pela fome em um banco de praça publica. Rodeiam-na populares procurando reconfortá-la."

Presume-se que tenha começado por esta altura a frequentar o atelier de Teixeira Lopes (no mesmo local onde hoje se encontra a Casa Museu Teixeira Lopes e as Galerias Diogo de Macedo (este seu contemporâneo em Paris), executando trabalhos de assinatura própria e outros provenientes de encomendas de clientes do mestre Teixeira Lopes, que também foi seu professor na Academia.

Em 1907 concorre a uma bolsa do Estado para estudar em Paris, mas é batido pelo companheiro de atelier e de curso, José de Oliveira Ferreira. Consegue essa bolsa no ano seguinte concorrendo contra Rudolfo Pinto do Couto, e parte para Paris no início de 1909, chegando à cidade luz precisamente no dia 24 de Janeiro de 1909, e apresentando-se ao chefe da Légation de Portugal no dia seguinte.

A lista de contemporâneos de Alves de Sousa em Paris é quase infindável. Recorde-se que se viva a chamada Age d'Or, mas ficam aqui alguns por mera curiosidade: Rodin, Picasso, Modigliani, Injalbert, Guilhermina Suggia, Diogo de Macedo, Oliveira Ferreira, Amadeo de Souza Cardoso, Guillaume Apollinaire, Dórdio Gomes, João Pinheiro Chagas, Afonso Costa, Columbano Bordalo Pinheiro (os três últimos foram visitas do seu ateliê, sendo que João Chagas, como Ministro de Portugal em Paris, teve uma relação cordial com Alves de Sousa: o escultor esculpiu o busto de Madame Chagas;).

Em Paris começa a frequentar o atelier do mestre Jean-Antoine Injalbert, grande escultor francês, estando por determinar se esse atelier se situava na Academia Colarossi, onde Injalbert prestou a sua colaboração, ou se tinha existência autónoma.

Em 1910, Alves de Sousa é admitido à École des Beaux Arts, de Paris, (admissão que havia falhado em 1909), onde tem sempre boas notas, ficando inclusivamente dispensado dos concursos de permanência e passagem. Nesse mesmo ano, em Maio, participa no Salon com alguma da sobras que deveria enviar no final do ano à Academia de Belas Artes do Porto para obter aproveitamento e prorrogação da bolsa.

Em Paris amiga-se da francesa Germaine Marie Victoire Lechartier, de quem tem dois filhos (uma menina, Hidrá, e um menino, Caius), vindo a perder Germaine para a Gripe Espanhola em 1918, ano em que se presume que regressa a Portugal com os dois filhos.



1951, Monumento aos heróis das Guerras Peninsulares, Boavista, Porto.


Alves de Sousa tornou-se conhecido pela vitória, com o arquitecto Marques da Silva, no projecto para o Monumento aos Heróis da Guerra Peninsular do Porto (a "Estátua da Rotunda da Boavista, na Praça Mouzinho de Albuquerque), cuja primeira pedra foi lançada em 1909, mas cuja inauguração ocorreu apenas em Maio de 1951, muito depois da sua morte.


Pormenor do Monumento aos heróis das Guerras Peninsulares, Boavista, Porto.

De acordo com Pedro Guilherme Alves de Sousa Moreira, bisneto do escultor Alves de Sousa, "a autoria da parte escultórica da "estátua do leão e da águia na Boavista" (Monumento aos Heróis das Guerras Peninsulares) foi a porta para a imortalidade. Ora, como se sabe, pelos anos trinta e quarenta do Século XX houve uma forte pressão para que o "Castiçal da Boavista" (apenas o elemento arquitectónico de Marques da Silva estava de pé) fosse demolido e esquecido para sempre. Aliás, como me foi lembrado há dias por neta afim, lá esteve plantado durante a guerra um campo de milho, e outros destinos teriam sido dados à Praça Mouzinho de Albuquerque se não fosse a perseverança de escultores como Sousa Caldas e Henrique Moreira (ainda que, em tempos, tivessem opinado em sentido contrário), que refizeram a maquete executada por Alves de Sousa, actualizando-a. Há lugar para o mérito de todos, e sem o génio de Alves de Sousa e a visão de Marques da Silva não havia monumento. Mas se os escultores que modelaram a estátua depois da morte de ambos não tivessem dado o seu amor à arte para executar a obra dos mestres, e deixar os seus nomes na sombra, ninguém teria podido observar a emoção da mão de Alves de Sousa. Em meu nome pessoal (porque não posso falar em nome de mais ninguém), e o meu nome pessoal ainda é Alves de Sousa, um penhorado obrigado aos escultores que modelaram a estátua do meu bisavô numa das naves laterais do velho Palácio de Cristal (Teatro Gil Vicente), entre 1950 e 1953 . São eles:

- Sousa Caldas;

- Henrique Moreira;

- Lagoa Henriques;

- Mário Truta;

- Manuel Pereira da Silva.

Embora a estátua tenha sido inaugurada em Maio de 1952, depois de lançada a primeira pedra em 1909, a parte escultórica do desatre da Ponte das Barcas, na face Noroeste - a mais emocionante, a mais "Alves de Sousa" e constante da foto em anexo - terá sido terminada em 1953 na Cerâmica do Carvalhinho, em Gaia, isto segundo o testemunho do Professor João Duarte, que muito agradeço - e que trabalhava na dita Cerâmica. O professor andara a acartar baldes de cimento durante a modelação das restantes partes, no antigo Palácio de Cristal; aliás, disse-me que o brasão do Porto que está na face Nordeste da estátua foi feito a partir da pedra de uma velha floreira.




O Monumento aos Heróis da Guerra Peninsular que marca o "Skyline" da Rotunda e Avenida da Boavista, no Porto, há mais de cinquenta anos, tal como se apresenta hoje. A sua construção iniciou-se há cem anos, perfeitos neste ano da graça de 2009. Entre 1909 e e 1951 o monumento teve apenas erguida a sua chamada parte arquitectónica (da autoria do Arquitecto Marques da Silva), sendo por isso apelidado de "Castiçal da Boavista". O meu bisavô faleceu em 1922 (com 38 anos), e já não acompanhou a execução da modelagem das suas esculturas, efectuada muitos anos depois no Palácio de Cristal (hoje Pavilhão Rosa Mota) sob a direcção dos escultores Henrique Moreira e Sousa Caldas."





Alves de Sousa falece precocemente com 38 anos em Vilar de Andorinho a 5 de Março de 1922, na mesma casa onde nascera, quando trabalhava no Projecto do Monumento aos Mortos da Grande Guerra na Flandres (o que lá está hoje é da autoria de Teixeira Lopes), e da sua certidão de óbito consta que a causa da morte foi "Sífilis Cerebral", havendo testemunhos de que a sua saúde mental se vinha degradando aceleradamente no último ano de vida, sintoma descrito nos anais da doença que o vitimou.

quinta-feira, abril 09, 2009

Os Independentes e o início da arte abstracta portuguesa

A agitação dos anos do pós-guerra explica-se facilmente. O final da Guerra, com a vitória das democracias contra os fascismos Italiano e Alemão, fez acreditar na possibilidade de mudança de regime em Portugal. Muitas pessoas pensaram que as potências ocidentais levariam Salazar a demitir-se. Na acção anti-salazarista, o Partido Comunista Português constituía a força política mais organizada, apesar de se encontrar na clandestinidade. Ora, o anticomunismo primário de Truman, que recentemente chegara à chefia dos Estados Unidos devido à morte de Roosevelt, facilitou as permanências de Salazar e de Franco no poder.

Mas não se podia, em 45, impedir o lógico, natural e legitimo júbilo dos antifascistas. Afinal, qual era a dívida do mundo livre para com os milhões de mortos da Guerra, com uma percentagem enorme de soviéticos? Defender a liberdade.

Os artistas plásticos vanguardistas procuraram dar o seu contributo político. O Neo-Realismo atraiu a maioria.

A fragilidade pedagógica e a perseguição política que existiam na Escola de Belas Artes de Lisboa fez com que alguns alunos mais decepcionados, senão politicamente perseguidos, deslocarem-se para a Escola de Belas Artes do Porto, onde a habilidade superiormente política e pedagógica do Arquitecto Carlos Chambers Ramos, assim como o ensino do Pintor Dordio Gomes e do Escultor Barata Feyo, lhes deu melhor acolhimento. Daqui surgiu o Grupo dos Independentes do Norte.

A arte abstracta portuguesa está historicamente ligada às exposições independentes, cujo principal organizador e animador, Fernando Lanhas, é coincidentemente a figura central desse abstraccionismo.

Após uma I Exposição, em Abril de 1943, nas instalações da Escola Superior de Belas Artes do Porto, com esculturas de Altino Maia, Mário Truta, Arlindo Rocha, Serafim Teixeira, Eduardo Tavares e Manuel Pereira da Silva, as exposições independentes passam a ter lugar fora da Escola e, várias vezes fora do Porto, um primeiro exemplo de descentralização e vontade de difusão que apesar de tudo, não evitará uma certa marginalização dos artistas do Porto em relação aos acontecimentos e iniciativas de maior visibilidade e impacto da capital.

A II Exposição Independente apresenta-se, em Fevereiro de 1944, no Ateneu Comercial do Porto, com esculturas de Altino Maia, Arlindo Rocha, Eduardo Tavares, Joaquim Meireles, Manuel da Cunha Monteiro, Maria Graciosa de Carvalho, Mário Truta, M. Félix de Brito, Manuel Pereira da Silva e Serafim Teixeira. será a partir daí que a acção de Fernando Lanhas se fará sentir, na consistente qualidade dos catálogos e das exposições, bem como na persistência em manter vivas as iniciativas.

A III Exposição Independente tem lugar, no mesmo ano, no salão do Coliseu do Porto, com esculturas de Abel Salazar, Altino Maia, António Azevedo, Arlindo Rocha, Eduardo Tavares, Henrique Moreira, Manuel Pereira da Silva, Mário Truta, e Sousa Caldas. No catálogo da exposição, em itinerância por Coimbra, Leiria e Lisboa, em 45, esclarece-se que o nome de “independente” não é um nome ao acaso, mas implica a consciência de que a arte é um património da humanidade e daí a “a nossa variadíssima presença”, entendendo-se que o presente deve activar-se para alicerçar o futuro, não se podendo negar ao passado o direito de recordar-se (1).
Para Fernando Lanhas as “Exposições Independentes” do Porto marcam um momento histórico significativo na nossa pintura e escultura. Primeiro, porque reúnem pintores e escultores de formação diferente (a razão de ser da palavra “Independente” vem da não filiação num “ismo” particular), empenhados numa igual acção colectiva e mergulhados no mesmo entusiasmo. Segundo, porque nelas aparece, sem preconceitos nem complexos, esta abstracção original e fecunda. E, em terceiro lugar, porque escapam à voracidade centralizadora da capital (2).

Entre 46 e 50, realizam-se mais quatro exposições independentes, na Galeria da Livraria Portugália, no Porto, em 46, 48, e 50, e uma em Braga em 49.

De 1943 a 1950, expuseram em quase todas as exibições os pintores Amândio Silva, Aníbal Alcino, António Lino, Carlos Chambers Ramos, Dordio Gomes, Fernando Lanhas, Júlio Pomar, Júlio Resende, Nadir Afonso, Rui Pimentel e Vítor Palla.



(1) MATOS, Lúcia Almeida (2007) – Escultura em Portugal no século XX (1910-69). Edição: Fundação Calouste Gulbenkian.

(2) FUNDAÇÃO DE SERRALVES (1999) – Panorama da Arte Portuguesa no Século XX. Porto: Fundação de Serralves.

quinta-feira, fevereiro 05, 2009

Eduardo Tavares (1918-1991)

Eduardo Augusto Tavares nasce a 4 de Julho de 1918, em São João da Pesqueira. Com 12 anos vem morar para Matosinhos. Após a conclusão do 5º ano, trabalha na oficina de um escultor de madeira em Santa Cruz do Bispo. Por volta de 1937, é apresentado ao escultor António Teixeira Lopes, passando a trabalhar no seu atelier, em Vila Nova de Gaia (actual Casa-Museu Teixeira Lopes). Encorajado e recomendado por Teixeira Lopes é admitido, em 1938, no Curso Especial de Escultura da Escola de Belas do Porto, onde foi seu aluno e também de Acácio Lino, Pinto do Couto e Joaquim Lopes. Em reunião de Conselho Escolar, em 1940, é considerado o melhor aluno da escola, recebendo o Prémio do Rotary Club. Enquanto aluno seria também premiado pelo Instituto Britânico, sendo-lhe concedida, a partir de 1941, a bolsa Ventura Terra. Em 1942, matricula-se no Curso Superior de Escultura, que finaliza em 1946, com 19 valores, mediante a apresentação da prova final Toupeira Douriense.

Em 1948, durante quatro meses, frequenta a École Nationale des Beaux Arts de Paris. A passagem pela Escola Francesa irá reforçar o seu gosto pela escultura académica, particularmente pela Figura Humana.

Nos anos quarenta associou-se às exposições do Grupo dos Independentes, fundado em 1943 e composto por artistas como Fernando Lanhas, Nadir Afonso, Manuel Pereira da Silva ou Júlio Resende.

Da sua produção escultórica dos anos 50 avulta uma série de cabeças esculpidas representando personalidades da esfera artística e cultural.

De regresso a Portugal, lecciona no ensino técnico. Com a reforma de 1957 são criadas novas disciplinas. As tecnologias da Escultura são introduzidas no plano curricular da ESBAP, sendo a partir de 1960 até 1985, Eduardo Tavares seu professor. Em 1962, apresenta como provas ao concurso de agregação Maturidade (prova de Composição) e Modelo Feminino (prova de Modelo Vivo).



No âmbito da estatuária, como no da escultura de pequenas dimensões, constata-se a preferência pelo tratamento da figura humana, tema que estudou profundamente, e, sobre o qual publicou vários textos.

Em 1995, a Faculdade de Belas Artes do Porto realizou uma exposição de homenagem a Eduardo Tavares, a única individual do escultor.

Grande parte da sua obra pode ser vista no Museu Eduardo Tavares em São João da Pesqueira. Resultante de uma doação à Câmara Municipal de S. João da Pesqueira, a colecção deste museu apresenta um núcleo de obras da autoria de Eduardo Tavares que abrange um período de cerca de três décadas, situando-se entre 1952 e 1982.

No Porto deixou a sua marca com as obras “geometria” (baixo-relevo, no edifício da antiga Biblioteca Infantil da Biblioteca Pública Municipal do Porto), na Praça de Marquês do Pombal e “Ricardo Jorge”, no Jardim do Hospital de S. João.

Além da actividade docente e da produção de escultura, também se dedicou à escrita, sendo autor de três livros teóricos sobre arte: Do ”Número de Ouro” à Figura Humana; Da Geometria de Miguel Ângelo na Capela Sistina: Giotto, Piero della Francesca, Verrocchio, Botticelli, Perugino, Leonardo da Vinci, Rafael, Ticiano, El Greco e Anatomia Artística, o último dos quais editado postumamente.

domingo, fevereiro 01, 2009

Arlindo Rocha



Arlindo Rocha e Manuel Pereira da Silva



Arlindo Rocha, 1921 – 1999
Natural do Porto, formou-se em Escultura, na Escola Superior de Belas Artes do Porto, em 1945.
Em 1953, obteve uma bolsa do Instituto de Alta Cultura, para Itália e, em 1959, uma bolsa da BCG para o Egipto e a Grécia e visita os principais Museus da Europa.
Foi um dos membros do Grupo portuense "Independentes" (anos 40).
Foi premiado com uma medalha de prata na Exposição Universal de Bruxelas (1958), com o Prémio do Salão dos Novíssimos, de 1959.
Tem obras em espaços públicos – quartéis, escolas, palácios de justiça, jardins, etc., como por exemplo em Setúbal, Viseu e Porto.


Clérigos (Porto), Bispo do Porto.


Arlindo Rocha é considerado um pioneiro da escultura abstracta em Portugal, podendo considerar-se ao lado de Manuel Pereira da Silva, Jorge Vieira, e Fernando Fernandes no movimento que emancipou a escultura da sua vocação estatuária. As peças "Mulher e Árvore", de 1948 e "Ciência", de 1961, esta de um abstraccionismo radical, são marcos fundamentais na escultura portuguesa do século passado.
A sua obra tendeu irremediavelmente para a geometrização absoluta. No entanto, nos últimos anos regressou a um figurativismo rígido, correspondendo a encomendas para locais públicos.


Fonte Luminosa de Setúbal: A Poesia, O Mar e A Terra.


A Abstracção, via ensino da Escola de Paris, em duas vertentes, ora de pendor geométrico ora de carácter lírico e gestual, manifesta-se abertamente com vultos nacionais de muito prestígio: Maria Helena Vieira da Silva, expoente da "École de Paris", e cá, dentro de portas, Fernando Lanhas, Nadir Afonso, Manuel Pereira da Silva e Arlindo Rocha.

sexta-feira, janeiro 23, 2009

Busto de Fernando Fernandes

1946 Busto de Fernando Fernandes elaborado por Manuel Pereira da Silva.


Nasce a 11 de Abril de 1924, em Braga. Frequenta o Curso Industrial de Entalhador na Escola Bartolomeu dos Mártires, que finaliza com 14 valores. Em Outubro de 1942, ingressa no Curso Especial de Pintura da ESBAP, mudando em 1945, para o Curso Especial de Escultura, concluído três anos mais tarde. Em 1949, inscreve-se no Curso Superior de Escultura.



Em 1952, participa na exposição de Arte Moderna do Serviço Nacional de Informação com a obra Piet. A Lógica e o Silogismo, apresentada em 1953, a primeira escultura abstracta apresentada em prova escolar, obtendo então a classificação de 19 valores.



A Lógica e o Silogismo


Após a conclusão do curso, Fernando Fernandes frequenta a Escola de Belas Artes de Paris e a Slade School of Art de Londres. Foi bolseiro do Instituto da Alta Cultura e da Fundação Calouste Gulbenkian. Representou Portugal na II e V Bienais de Arte Moderna de São Paulo, em 1953 e 1959

Fernando Fernandes foi além de colega de curso, companheiro de Manuel Pereira da Silva na aventurosa estadia em Paris em 1946 e 1947, juntamente com o Pintor Júlio Resende e o Escultor Eduardo Tavares que veio a ser utente do atelier de Manuel Pereira da Silva na Rua da Restauração, o que igualmente se verificou, mais tarde, com o Escultor Aureliano Lima e o Pintor Reis Teixeira.

domingo, janeiro 11, 2009

Busto do escultor Aureliano Lima


Em 1950, Manuel Pereira da Silva elaborou este busto em gesso de Aureliano Lima.


Aureliano Lima nasceu a 23 de Setembro de 1916 em Carregal do Sal, terra natal que o viu crescer até aos primeiros cinco anos da sua infância, tendo, em 1921, ido viver durante alguns anos para Lagares da Beira (Oliveira do Hospital) com os seus pais.


Escultor, desenhador, medalhista e poeta português, autodidacta, chega às artes plásticas em meados dos anos 40, depois de ter exercido as mais diferentes profissões (ajudante de farmácia, funcionário numa penitenciária...). Em 1939, estabelece-se em Coimbra. Na cidade do Mondego, escreve, reúne-se em tertúlias, colabora em jornais literários e participa, pela primeira vez, na Exposição de Artistas de Coimbra, em 1948.

Do mesmo ano, data a sua presença na III Exposição Geral de Artes Plásticas, organizada em Lisboa, na Sociedade Nacional de Belas-Artes. Na época, a sua primeira actividade escultórica – bustos, como o expressivo Teixeira de Pascoaes, em barro – permanece vinculada aos preceitos da estatuária figurativa que, mais tarde, abandonará em favor de uma pesquisa não figurativa, interessada na exploração das qualidades poéticas dos materiais – a pedra, a madeira ou o gesso, mas também o ferro soldado ou assemblado.

Em 1958, vai para o Porto e pouco tempo depois para Vila Nova de Gaia, onde chegou a trabalhar no atelier do escultor Manuel Pereira da Silva. Foi a entrada em definitivo para os meios artísticos e culturais, uma porta aberta a novas experiências, a novas criações e actividades. "Recordo ainda as primeiras visitas ao atelier emprestado da Rua Afonso de Albuquerque, perto da Escola do Torne, onde com Manuel Pereira da Silva, Aureliano Lima, partilhava esse acto quase inicial de fazer escultura moderna, fora dos circuitos oficiais ou académicos, longe dos olhares dos críticos que, poucas vezes se interessaram pela escultura em Portugal."

in Serafim Ferreira – A Arte em Portugal no séc.XX: A Terceira Geração. Lisboa: Livraria Bertrand.



Colaborou em diversos jornais e revistas literárias, como Vértice, Seara Nova, Diário de Coimbra, O Comércio do Porto, Jornal de Notícias, Diário de Lisboa e Colóquio/Letras.

Em Lisboa, participa na II Exposição de Artes Plásticas da Fundação Calouste Gulbenkian (1961). A sua obra escultórica sofre, na época, uma importante reformulação. Nas novas experiências não figurativas percebe-se uma dupla tensão, traduzida no diálogo entre forma cheia e forma oca, entre a linha (as hastes de ferro, por exemplo, nas duas obras Sem Título que pertencem à colecção do CAMJAP, datadas de meados dos anos 60) e os volumes aliviados do seu carácter sólido ou tridimensional, em obras de feição biomórfica ou antropomórfica.
Deixou então de trabalhar as massas compactas. Prefere a irrupção expressiva da forma vertical no espaço, a interacção daquela com este último, deixando-o penetrar na matéria, ora sublimada na cor, ora reforçada na sua presença crua (através de texturas, contrastes, marcas de fabricação...). Mais tarde, a tensão parece pender para um entendimento da escultura como jogo de formas geométricas elementares. E aqui também, desde os anos 60 e 70, a obra escultórica de Aureliano traduz-se no modo inovador com que o artista trabalha a linguagem contemporânea do ferro pintado e do plástico.

A escultura reduz-se então a um sinal abstracto, que interrompe a continuidade do espaço físico (por exemplo, na série de esculturas policromadas dos anos 70 e 80). Nestas obras, o contraste entre cheio e vazio, a redução da escultura a uma estrutura rigorosa de planos, rectas e círculos pintados de cor uniforme, aproxima-se de uma interrogação acerca do valor sinalético e óptico da escultura, muito rara em Portugal.


Entre 1965 e 1967 foi bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian, em Paris, onde frequentou como escultor os «Ateliers Szabo».
Tem obras de escultura e pintura em diversos museus, praças públicas e colecções particulares. Entre elas, destaque para três esculturas: “Homenagem”, uma peça em bronze com 2,10m de altura, no interior da Biblioteca Municipal de Vila Nova de Gaia, “O Grito”, monumento em Nelas com 4,30m, e o monumento a Fernando Pessoa, na Vila da Feira, com 5 metros de altura.Das suas mãos saíram também diversos bustos: Miguel Torga, Afonso Duarte, Paulo Quintela, Antero de Quental, Camilo Castelo Branco, Nietzsche, Beethoven, Eduardo Lourenço e Mário Braga, entre vários outros.

O Grito, monumento em Nelas


Na poesia é autor de vários livros: “Rio Subjacente” (Prémio Galaica de poesia, 1961), Porto 1963, “Os Círculos e os Sinais”, ed. do Autor, Porto 1974, “Tempo de Dentro-Fora”, ed. do Autor, Porto 1974, “O Homem Cinzento ou a Alquimia dos Números”, ed. do Autor, Porto 1975, com prefácio de Fernando Guimarães, “Cântico e Eucalipto”, Brasília Editora, Porto 1979, “Espelhos Paralelos”, Brasília Editora, Porto 1983, “O Leito e a Casa”, Brasília Editora, Porto 1986, “O Dr. De Vila Seca”, Col. Leopardo Azul, Porto 1990.


Enquanto poeta, Aureliano Lima viria a publicar uma primeira recolha de poesia em 1963 (Rio Subjacente, “Prémio Galaica”), no mesmo ano em que realiza a sua primeira exposição individual (Porto, Galeria Álvarez). Ao longo das décadas seguintes, participa em algumas importantes exposições nacionais de arte (III Salão Nacional de Arte, Lisboa e Porto, 1968; Exposição de Artistas Contemporâneos seleccionados pela AICA, 1972; 3.ª Bienal de Arte de Vila Nova de Cerveira, 1984...) e executa também alguns projectos de medalhística.

Em 1983, é inaugurado em Vila da Feira um grande monumento dedicado ao poeta Fernando Pessoa. A escultura, de grandes dimensões (cinco metros de altura), em bronze, traduz o modo como Aureliano Lima sentia a criação plástica: como concentração energética, como síntese da forma, redução desta a uma sequência de planos fragmentados, numa gramática expressiva que iria assumir noutro projecto monumental, O Grito (Nelas, 1982-1983).

Depois do seu falecimento, em Dezembro de 1984, o Museu Municipal passou a integrar no seu acervo, através de Maria Helena Barata Lima, viúva daquele ilustre escultor, um conjunto de dezasseis peças escultóricas, cuja doação, em 1990, viria a ser concretizada como um gesto de carinho e amor à terra que o viu nascer. Salientam-se nesta colecção, produções artísticas em ferro recuperado e policromado que se inserem numa linguagem de tendência geométrica e abstracta de que foi um dos precursores, bem como esculturas em pedra, gesso, bronze e em madeira que poderá apreciar.


As esculturas em Ferro dos anos 50/60 marcam o encontro de Aureliano com as construções metálicas de Julio González e Picasso. A criação de Aureliano lançou-o num jogo tridimensional de hastes metálicas soldadas em linha que, sugerindo a presença de volume, estabelecem, na sua transparência, uma relação simbólica entre a estrutura e a superfície espacial abstracta onde se inserem. Resultam ferros mergulhados no pensamento do homem, do artista, que procura e encontra.
Importante pelos novos caminhos explorados, sobretudo no contexto da arte portuguesa dos anos 60 e 70, a sua obra escultórica permaneceria relativamente desconhecida. As dificuldades pessoais na afirmação de uma carreira artística, a escassez de recursos, a relativa discrição do seu trajecto criativo, contribuíram para escamotear o sentido de uma criatividade marcada pela experimentação plástica e pela irreverência perante os modelos estéticos tradicionais. Autodidacta por circunstâncias da vida, era também, por temperamento, um anti-académico para quem a escultura não podia confinar-se a um programa ilustrativo ou apologético, porque era, acima de tudo, uma presença autónoma no mundo.


Aureliano, ainda nos anos 60 e 70, trabalha uma série de esculturas em pedra, mármore e madeira. Nestas obras sente-se a leitura, o estudo, de Constantin Brancusi, de Henry Moore, que Aureliano explora nas propriedades naturais dos materiais que, assumindo uma simplificação, se mostram despojados da raiz germinal. Assim, a natureza polida revela-se pura abstracção revestida dum valor que só se desvela no íntimo da contemplação da obra de arte.


A obra de Aureliano Lima é marcada pelo construtivismo abstracto.O seu espiríto criador expressou-se na escultura nos mais diversos materiais (gesso, bronze, madeira, mármore, pedra, ferro policromado, ferro recuperado), bem como na sua pintura marcadamente abstracta e com traços claros de um minimalismo de contemporaneidade.


Aureliano Lima merece a nossa atenção e admiração pela novidade da sua arte que rasgou as apatias da arte figurativa do seu tempo.

sábado, dezembro 20, 2008

Homenagem ao escultor Henrique Moreira

Em 1991 o escultor Henrique Moreira foi homenageado pela terra que o viu nascer, Avintes. Aquando do centenário do seu nascimento, a Comissão da Festa da Broa de Avintes de parceria com a Junta de Freguesia de Avintes decidiu erguer este monumento, da autoria do escultor Manuel Pereira da Silva (com quem trabalhou) a quem tanto tinha honrado a Escultura portuguesa e a cidade do Porto.

Monumento ao Escultor Henrique Moreira em Avintes

Henrique Araújo Moreira (Avintes, Vila Nova de Gaia, 1890 - 1979) foi um importante escultor Português.
Formado pela Academia Portuense de Belas Artes, onde foi aluno do mestre António Teixeira Lopes, Henrique Moreira legou-nos uma obra notável, reconhecida em múltiplas distinções, das quais se destacam as medalhas de ouro com que foi galardoado nas exposições em Lisboa e Sevilha.
Na sua vasta obra, onde claramente se perpetua a herança naturalista de Oitocentos, ou naquela em que se afirma já um receituário actualizado, pela emergência da estética Art Déco, como o denuncia a floreira decorativa, Os Meninos, da Avenida dos Aliados, é manifesta a convergência de uma singular harmonia de linhas e de volumes, de uma correcta euritmia e de uma expressividade naturalista que confere às obras uma imensa serenidade.




Os Meninos, da Avenida dos Aliados no Porto.

Menina Nua - A Juventude. Obra de Henrique Moreira, foi realizada em 1929, encontrando-se na Avenida dos Aliados. Representa uma mulher nua, sentada, com os braços apoiados num plinto das faces do qual quatro mascarões lançam água para um pequeno tanque.


Menina Nua, na Av. dos Aliados no Porto.

Escultura Ternura no Jardim de S. Lázaro.


Na Praça Carlos Alberto, ao Centro do jardim, um monumento da autoria de Henrique Moreira relembra os portugueses mortos na Grande Guerra de 1914-18.



O Soldado Desconhecido, na Praça Carlos Alberto no Porto.


Padre Américo, escultura de Henrique Moreira (1959/61 - Bronze) na Praça da República, Porto


Padre Américo, escultura de Henrique Moreira (1959/61) na Praça da República no Porto.

O Jardim Antero de Figueiredo é um pequeno jardim situado em frente ao Mercado da Foz, predominantemente constituído por canteiros de flores. Ao centro destaca-se o busto do escritor que dá nome ao jardim, da autoria de Henrique Moreira.


Antero de Figueiredo, Mercado da Foz no Porto.

sexta-feira, dezembro 12, 2008

segunda-feira, dezembro 08, 2008

Monumento ao Atleta de Avintes


1973, Monumento ao Atleta de Avintes, da autoria do escultor Manuel Pereira da Silva, inaugurado nas comemorações das bodas de ouro do Futebol Clube de Avintes.

sexta-feira, dezembro 05, 2008

Homenagem a Fernando Conceição Couto



1994, Monumento a Fernando Conceição Couto, da autoria do escultor Manuel Pereira da Silva - Antigo Presidente dos Dragões Sandinenses e da Junta de Freguesia de Sandim.

domingo, novembro 23, 2008

Monumento ao soldado da paz em Freamunde



Monumento ao Bombeiro, Freamunde (2002)
Na Avenida Luís Teles de Menezes, existe o monumento ao soldado da paz, inaugurado em 13-07-2002, monumento esse da autoria do escultor Manuel Pereira da Silva.

domingo, agosto 03, 2008

Manuel Pereira da Silva, a imagem e a poética do ser humano

A obra de Manuel Pereira da Silva é fruto de 60 anos de processo contínuo, que resultou em uma linguagem artística perfeitamente adequada à sua expressão plástica. Para perceber sua poética é necessário compreender, ao mesmo tempo, as imbricações da concepção estética, a criatividade da imagética e o percurso de sua produção, manifestadas em meios expressivos diferenciados e em variações técnicas que nos auxiliam, inclusive, na compreensão da arte contemporânea.

Com um percurso que se inicia ainda na década de 1940, Manuel Pereira da Silva se revela e nos desvenda seus caminhos, através do desenho, da pintura, de aguarelas e guaches, painéis e murais; utilizando além do suporte tradicional, outros como a madeira, a cerâmica e, essencialmente, da escultura, potencializada a pedra de ançã e o bronze. Mas, a produção estético-artística que avalia sua poética é aquela do desenho, em que deve ser considerado um dos mais significativos artistas da actualidade, e o da pintura, na qual se encontra seu estrato estilístico e onde se pode aferir sua excepcional qualidade de poeta da imagem.

Este escrito não pretende analisar a extensa produção de Manuel Pereira da Silva, procurará, isto sim, ressaltar alguns aspectos que possam caracterizá-lo como artista de seu tempo. Para melhor definir o processo, podemos nos valer de um outro aspecto, em incursão ao seu vocabulário artístico, o do estranhamento. São centenas e centenas de pinturas e desenhos: retratos e alegorias, cenas surreais e registros históricos, em que predomina a figura humana – a mais das vezes a feminina –, transformadas em seres fantásticos que povoam seus sonhos e que nos sobressaltam. Para penetrar esse mundo, concluímos que um critério é necessário, o de reunir o conjunto em núcleos expressivo-simbólicos e através de algum parâmetro, que pode ser o temático, propor analogias entre o real e o emblemático; ou ainda através do procedimento técnico, para perceber sua visão particular de mundo, que se transmuta em relação expressiva entre o ‘motivo’ e o artista.

O desenho em Manuel Pereira da Silva


Para o saber da obra de Manuel Pereira da Silva é imprescindível iniciar pela apreciação de sua obra gráfica, em especial o desenho, que engloba conjunto riquíssimo de sua imagética. Parece que ele se deleita em sua criação. Mesmo os esboços – a grande maioria não possui esse carácter – têm autonomia, reflectem miríades de possibilidades de seu vocabulário estético e servem como base para pinturas ou esculturas, pois têm valor próprio, na galeria de valores que o artista elege como parti pris de sua actividade. Porém, é justo registrar que, seu contínuo exercitar provê a necessária praxis – entendida aqui como a actividade que transforma os meios ou a produção – para a pintura, e é realimentado por ela.




1957, Grafite sobre cartolina.

Manuel Pereira da Silva sempre teve uma queda natural para o desenho, somando proporções geométricas e áureas, matemática e perspectivas. O desenho da figura humana, especialmente a feminina, em suas prolongadas linhas, à maneira art déco, revela uma síntese perfeita entre a sensibilidade e o apuro milimétrico na construção espacial. Ele sabe como ninguém usar o papel como suporte, como base de sua expressão, aliando a isto o completo domínio da técnica e das ferramentas que utiliza. Com apenas alguns traços constrói figuras, mundos peculiares. Cada instrumento é como se fora parte de seu corpo, uma extensão de sua mão e de sua sensibilidade.




A linha é referência para o entendimento do desenho em Manuel Pereira da Silva. Sabe cria-las puras, simples, sem requintes, nem desperdícios analíticos, cheias de substância, graves. A linha grande imóvel que é da essência da plástica no plano, e o primeiro segredo do seu dinamismo. Manuel Pereira da Silva possui esse poder de simplificação dos traços e de sintetização das formas. Domina com facilidade os elementos formal-construtivos: simetria estilística, harmonia poética, equilíbrio estético, onde o branco do papel é parte da arquitectura imaginária.
Em seu fazer o artista trabalha com aguadas, bico-de-pena, esponja-do-mar, bastonetes e os mais variados procedimentos técnicos para nos brindar com sua criatividade vigorosa. Sua obra emerge em linhas concisas, rápidas, densas, finas; contínuas, de ritmos silenciosos e formas universais, num desenho sempre espontâneo, no entanto bem elaborado, que exprime sua concepção de arte e de beleza. Aspira à concisão de meios na procura única e exclusivamente da uma proposta estética, valendo-se de traços espessos para a conquista de eficácia comunicativa; ou delicados, para estruturas rítmicas. Longas linhas, de traço único, transformam-se em figuras lúdicas, fantásticas, alegóricas e até anedóticas. O espaço branco é sabiamente organizado e depositário do seu/nosso inconsciente colectivo e cósmico, particular e universal. A linha, a figura, a trama colocada num ritmo de beleza e harmonia se fundem, tornando difícil a interrupção da leitura de um desenho para passar ao seguinte! Em todas as mostras que Manuel Pereira da Silva realizou lá esteve sempre uma parcela de sua obra gráfica, como a dizer, sem o desenho o artista não poderia existir.





1981, Esferográfica sobre cartolina.



A obra pictórica de Manuel Pereira da Silva

Para entrar no mundo pictural de Manuel Pereira da Silva, adoptamos um critério abrangente que inclui núcleos simbólico-expressivos, formais, conceptuais, procedimentos técnico-poéticos. A leitura da obra de Manuel Pereira da Silva exige liberdades múltiplas e uma análise estética livre de comprometimentos, nas quais se deve considerar a realidade perceptiva e transformacional da pintura pela própria acção da arte. A necessidade de se descobrir ou dar sentido a uma obra de arte é uma exigência de entendimento da própria expressão estética e uma forma de introduzir ao público o mundo particular do artista. Hoje, os critérios de apreciação estética, bastante abrangentes, voltam-se mais para a fruição da obra. Segundo Donald Meltzer (The Aprehension of Beauty, 1989), a apreciação de uma obra de arte, o reconhecimento de seu valor estético, deve passar também pela emoção. E, francamente, não é possível uma análise da obra de Manuel Pereira da Silva sem o enfoque emocional.
Apesar da sua formação clássica, Manuel Pereira da Silva, influenciado pelas novas correntes que irromperam em Paris de forma um tanto irreverente, que mais se acentuaram após o termino da guerra de 1939/45, também tentou substituir a riqueza de linhas, de feição tradicional, baseada na perfeição da anatomia humana, por uma geometria de linhas, procurando, de certo modo, assimilar a doutrina revolucionária de Georges Braque e de Pablo Picasso imposta a partir da primeira década do século XX. Mas, sua obra tem princípio e se representa através de um rico mundo interior, de uma imaginária excepcional e representativa de um intelecto febril, sempre de prontidão, em busca de novas imagens e significados. A poética de Manuel Pereira da Silva é alimentada por esse universo e pela praxis do fazer artístico, que se auto-revigoram. Sua realidade perceptiva transforma matéria, cores e formas resgatando cada ideia e articulando-a com outras para a metamorfose final.




Alguns dos colegas de Manuel Pereira da Silva foram figuras que enriqueceram de forma substancial a Arte Portuguesa: Arlindo Rocha, Júlio Resende, Nadir Afonso, Eduardo Tavares, Fernando Fernandes, Aureliano Lima, Reis Teixeira, Fernando Lanhas, Jorge Vieira, António Sampaio, Guilherme Camarinha, entre outros. Uma boa parte deles fizeram parte do "Grupo dos Independentes" que segundo o pintor Júlio Resende "Entre camaradas gerava-se um movimento de inconformismo face à passividade do burgo. Foi no sentido de contrariar esta situação que entre nós cresceu a ideia de formação do «Grupo dos Independentes». «Independentes» quanto aos posicionamentos estilísticos."
"As Exposições Independentes" do Porto marcam um momento histórico significativo da nossa Pintura. Primeiro, porque reúnem pintores de formação diferente (a razão de ser da palavra "independente" vem da não filiação num "ismo" particular), empenhados numa igual acção colectiva e mergulhados no mesmo entusiasmo".
Egídio Álvaro – Fernando Lanhas na origem da pintura abstracta em Portugal, as "Exposições Independentes".
in Museu de Serralves – Fernando Lanhas. Porto, Edições Asa.


Na obra do escultor Manuel Pereira da Silva reconhecem-se duas orientações, distintas nos respectivos propósitos estéticos: as peças concebidas em conformidade com a tradição académica do século XIX europeu, em geral respondendo a encomendas, e aquelas que, conservando de uma forma essencial a figura humana como referente, se afastam da sua representação naturalista, antes obedecendo a critérios formais de sentido abstracto, exercitando uma das vias pelas quais o modernismo acedeu à abstracção pura, entendida esta como a criação de formas nas quais não se evidencia, ou não existe de facto, referente figurativo.


São dois géneros de expressão autónomos na formulação das respectivas linguagens, numa dualidade assumida como a resposta (necessária e possível), quer às solicitações ideais do artista, quer à sua percepção das expectativas dos clientes que lhe foram surgindo. Esta dualidade percorre, como vias que se cruzam, toda a produção de Manuel Pereira da Silva o qual, sem subalternizar a execução de encomendas de expressão plástica mais tradicional, sempre se manteve, em alternância, fiel praticante da ideia de criar uma escultura mais original e mais de acordo com um permanente desejo de modernidade, experimentação e descoberta, numa atitude que o próprio escultor afirmou de ser de "inquietação e fuga à repetição".

1959, Gesso sobre estrutura de alumínio.


Assiste-se de facto, a uma alternância entre dois critérios estéticos, significante da persistência de um conflito, vivido na aceitação humilde dos limites de uma situação social e cultural concreta – e isto ajusta-se bem à personalidade de Manuel Pereira da Silva, sempre procurando equilibrar, ou mesmo compensar, Realismo e Idealismo, entendidos, de forma muito chã, quer como condimentos da sensatez com que a assunção das contingências da vida deve ser temperada, quer como manifestações superiores de uma polaridade dinamizadora do próprio empreendimento artístico, enquanto fenómeno enraizado na vida, como uma totalidade e expressão síntese dela mesma.
Realismo e Idealismo são os pólos complementares omnipresentes na atitude profunda de Manuel Pereira da Silva e, assim, responsáveis também, em simultâneo com factores de conjuntura histórica, pelas expressões plásticas recorrentes na sua produção.
De facto, se as esculturas de Manuel Pereira da Silva mais conformes a tradição, concretizaram, em geral, funções previamente definidas no contexto do relacionamento do artista com os seus clientes e tiveram uma versão definitiva com destino público, já foram poucas, infelizmente, as oportunidades para converter à perenidade dos materiais resistentes e à colocação em espaços apropriados, as formas "abstraccionistas" que criou, apesar de, a maioria delas, serem possuidoras de um carácter de monumentalidade que não deixa dúvidas sobre a ambição que as anima: serem ampliadas para as dimensões convenientes, vazadas nos materiais adequados e colocadas em grandes espaços públicos.
Carga simbólica que merecesse a atenção de eventuais promotores do enriquecimento do património artístico público, não falta a essas composições escultóricas, quase sempre inspiradas no grupo Homem / Mulher – mas felizmente isentas do panfletaríssimo que as tornaria maçadoramente piegas ou moralistas – e seriam, do ponto de vista do significado explícito ou sugerido, mais do que pertinentes num contexto de apelo à solidariedade e à fraternidade.
As primeiras esculturas modernistas de Manuel Pereira da Silva surgiram nos anos pioneiros do abstraccionismo escultórico em Portugal, reconhecidamente protagonizado, a partir do final dos anos 40, no Porto, por Arlindo Rocha, Fernando Fernandes e ainda, alguns anos depois, por Aureliano Lima, a partir da sua mudança de residência para esta cidade. Estes factos conferem, à produção abstracta de Manuel Pereira da Silva, realizada, até com óbvia analogia estilística, no mesmo período e em situação de convívio com os referidos escultores, inquestionável enquadramento geracional, que importa reconhecer.
Arlindo Rocha e Manuel Pereira da Silva foram colegas de curso na Escola de Belas Artes do Porto e até esporadicamente companheiros no atelier do escultor Henrique Moreira, aos Guindais, como o regista a fotografia publicada na Pereira da Silva Art Gallery da responsabilidade do então muito popular repórter fotográfico de "O Primeiro de Janeiro", António Silva.


Quanto a Fernando Fernandes, também da mesma geração académica, ele foi além de colega de curso, companheiro de Manuel Pereira da Silva na aventurosa estadia em Paris em 1947 e 1948, juntamente com o Pintor Júlio Resende e o Escultor Eduardo Tavares que veio a ser utente do atelier de Manuel Pereira da Silva na Rua da Restauração, o que igualmente se verificou, mais tarde, com o Escultor Aureliano Lima e o Pintor Reis Teixeira.




Pintor Reis Teixeira, busto da autoria de Manuel Pereira da Silva.
Este convívio funda-se numa identidade de interesses e preferências artísticas, expressos na comum participação em exposições colectivas e na, por vezes óbvia e frequente, analogia formal das respectivas obras.
Assim, portanto, aos nomes de Arlindo Rocha, Fernando Fernandes e Aureliano Lima, habitualmente citados como introdutores, em Portugal, do abstraccionismo escultórico, terá que se acrescentar o nome de Manuel Pereira da Silva.
Essas esculturas de pendor abstraccionista, mas que dificilmente se despegavam dos referentes iconográficos, podem hoje parecer-nos timidamente inovadoras e pouco ou nada "atrevidas". Elas testemunham, no entanto, o esforço de vanguardistas que contaminou, de vários modos, e sobretudo no período imediatamente subsequente ao fim da II Guerra Mundial, a produção de um restrito número de artistas, empenhados na modernização da expressão artística. Ora Manuel Pereira da Silva pertence, efectivamente, a esse pequeno núcleo de renovadores.
De facto no período imediatamente subsequente à II Guerra Mundial, precisamente aquele em que teve início a actividade profissional de Manuel Pereira da Silva, verificaram-se alterações, importantes, no universo das polémicas artísticas, nomeadamente nos dois maiores centros urbanos portugueses: à querela "clássicos e modernos", acrescentou-se o debate entre os adeptos da modernidade – neo-realistas, surrealistas e abstraccionistas – mas foi quase sempre no recato dos atelier que alguns, pouquíssimos, escultores inquietos, ensaiaram novos caminhos para a sua Arte, em produções que esparsamente vieram a público, e que este, para lá de uma reduzida elite, longamente ignorou.
Humildemente dividido entre um sonho sem limites e as realizações confinadas às dimensões de uma clientela esparsa, modesta de recursos materiais e pouco sedenta de novidades estéticas ao que ainda hoje não manifesta vocação. Manuel Pereira da Silva prosseguiu, sem desfalecimento, confinado na possibilidade de preservar a sua energia criativa mais independente, libertando-a em criações abstractas que conheceram a luz do dia, alternadamente com a realização de encomendas, obedientes estas a padrões estéticos mais convencionais.
Durante os dois anos que esteve em Paris que vivia então um período de renovação espiritual e artística que se espalhou por todo o mundo, Manuel Pereira da Silva conseguiu assimilar de certo modo as técnicas revolucionárias de Picasso, Salvador Dali e Miró. Nesta altura, descobre, também, os grandes mestres do Louvre.


Retratos

A galeria de retratos, e são muitos, denota o fascínio que a mulher exerce no imaginário do artista. Muito do seu vocabulário estético envolve, como já me referi, a figura feminina, tratada nos seus mais variados aspectos, como a mulher-matriarca, a mulher-guerreira, a mulher-ideal, a mulher-desejo, todas detentoras de um poder que ultrapassa a sua própria percepção e representação de mundo. O simbolismo desta Figura é mostrado claramente em seu tratamento formal – sempre uma figura de destaque, seja solitária ocupando quase todo espaço pictural, a madona, ou acompanhada de uma figura masculina em menor dimensão que lhe dá ainda maior vulto, a matriarca; ou com elementos composicionais que valorizam sua forma e conteúdo, mulher ideal, ou arquitecturalmente construída um pouco à maneira renascentista; ou através de um cromatismo denso, com formas arredondadas e traços alongados e deformados, juntados a códigos de bem e mal, para evidenciar sua poética da mulher-desejo; ou na série de pinturas sobre santas guerreiras. Todas elas guardam um olhar perdido, que se desvia, a maioria das vezes, de seu interlocutor, é a fórmula de estranhamento que transforma sua imagem e sua poiesis.


Baixos-relevos, esculturas e frescos: a valorização do ser humano
Artista de seu tempo, Manuel Pereira da Silva não se furta a colocar sua arte a serviço da comunidade. Esculpe diversos baixos-relevos para instituições governamentais e particulares e executa, não só na cidade do Porto, para o Coliseu, Teatro Rivoli e Palácio da Justiça, mas também para outras cidades como Viana do Castelo, Luanda, em Angola, e Bolama, na Guiné-Bissau.






O Palácio da Justiça do Porto foi inaugurado em 20 de Outubro de 1961. Possui uma valiosíssima decoração artística, quer interior quer exterior, confiada a alguns dos melhores Pintores e Escultores Portugueses, num total de vinte e três, que executaram cinquenta baixos-relevos, pinturas a fresco e tapeçarias. Estas obras de arte contemporânea da mais variada concepção integram-se num pensamento comum de representação plástica: a Força do Direito como razão profunda da realidade nacional. O baixo-relevo em granito do escultor Manuel Pereira da Silva, na sala de audiências do 3ºJuízo, faz-nos remontar às origens da nacionalidade e mostra-nos o Bispo do Porto, D. Pedro Pitões, no terreiro da Sé, exortando os cruzados a ajudar D. Afonso Henriques na tomada de Lisboa. Participarão na decoração do edifício, além de Manuel Pereira da Silva, os escultores Euclides Vaz, Leopoldo de Almeida, Sousa Caldas, Salvador Barata Feyo, Lagoa Henriques, Gustavo Bastos, Irene Vilar, Maria Alice da Costa Pereira, Henrique Moreira, Eduardo Tavares, Arlindo Rocha e os pintores, Martins da Costa, Coelho de Figueiredo, Severo Portela, Amândio Silva, Martins Barata, Dordio Gomes, Guilherme Camarinha, Isolino Vaz, Augusto Gomes, Júlio Resende e Sousa Felgueiras. No baixo-relevo para o Palácio da Justiça do Porto, Manuel Pereira da Silva é o artista de concepção mais moderna de todos os que colaboraram em obras de escultura. Numa simplicidade de linhas, D. Pedro de Pitões apresenta-se rodeado de algumas figuras de Cruzados que procuravam ir para terras do Oriente combater os infiéis. Há uma abundância geométrica, quer nas vestes episcopais, quer nas armaduras dos guerreiros. Mas compreende-se o porquê deste seu anseio. Espírito em formação criativa, ele queria uma pista de identificação artística que fosse o seu próprio sinete.





"África" Cerâmica Policromada, Manuel Pereira da Silva realizou este baixo-relevo, em faiança policromada, destinado à decoração da fachada de um edifício situado na marginal da Baía de Luanda, Angola. Para o efeito Manuel Pereira da Silva improvisou atelier numa arrecadação industrial desocupada, nos arredores do Porto. Tal com no baixo-relevo do Palácio de Justiça idêntico tratamento teve o baixo-relevo executando para Angola em que há uma abundância geométrica. As figuras dos gentios, a flora e os animais espalham-se pelo imenso trabalho numa concepção moderna que Manuel Pereira da Silva procurava impor às suas obras.



“A Paixão de Cristo” Frescos da Capela Mor da Igreja de Stª Luzia, Viana do Castelo. A Capela-mor em círculo e a cúpula esférica foram povoadas de figuras ligadas à Paixão de Cristo, sendo o friso da base segmentado em quadros alusivos ao drama da Paixão, num colorido suave e de linhas modernas que se identificavam plenamente com o dramatismo comovente da tragédia do calvário, sendo a cúpula, mais de carácter espiritual, preenchida com a figura de Cristo em ascensão gloriosa, rodeado de anjos que empunham flautas, numa concepção perfeita e de rara espiritualidade.



Estátua a Ulysses Grant, vencedora do concurso público lançado para o efeito, pelo Ministério do Ultramar, erigida frente ao edifício dos Paços do Concelho de Bolama, na Guiné-Bissau. Ulysses Grant foi um general e estadista americano, nascido em 1822 e falecido em 1885. Andou na Guerra do México, em 1847, e participou activamente na Guerra da Secessão, lutando ao lado dos Nortistas, tendo dado o golpe de misericórdia aos Sulistas em 1865. Candidato a Presidente dos Estados Unidos, venceu por maioria esmagadora, tendo governado de 1868 a 1876, como 18ºPresidente. De 1877 a 1880 fez uma viagem triunfal em volta do mundo, onde foi sempre calorosamente recebido. Pois foi este famoso estadista que defendeu abertamente a posse da Guiné para Portugal. Em memória de alguém que, sendo grande, soube advogar com generosidade uma causa justa, o Governo Português encomendou a Manuel Pereira da Silva a respectiva estátua que, não obstante os ventos revolucionários da independência guineense, ainda se encontra no mesmo lugar.


À guisa de conclusão


Para se falar da arte de Manuel Pereira da Silva, este escrito não seria suficiente. Estas são nada mais do que algumas pinceladas sobre seu trabalho. Manuel Pereira da Silva elabora um panteão rico de elementos humanos – a paisagem não lhe interessa de perto, são quase um detalhe em sua obra, com uma poética pessoal, expressa de forma puramente pictórica, vazada nos moldes de um conceito e linguagem próprios. Penetra em profundidade na essência de seu objecto de interesse: composições com belos ritmos de linha, formas e cores. Construção lógica do espaço expressa, inclusive, por elementos abstractos. Sentimento poderoso da natureza sensorial do instante e da hora. A obra de arte é na sua essência um instrumento para a criação, que deve ser usufruída não só pelo artista, mas também pelo espectador. Manuel Pereira da Silva demonstra que isto é completamente possível, através de uma caligrafia própria, na qual empenha seu conhecimento e imaginação. Cria um mundo onde pode e nos faz poder viajar para além das fronteiras de nosso intelecto e de nossos sentimentos, deixando livres nossa compreensão e percepção. Há em sua obra uma continuidade admirável de pesquisa, que evidencia o crescimento de uma personalidade autêntica, que não se preocupa em acompanhar o gosto do momento, se para isto tiver que abrir mão de sua poética fantástica. A obra de Manuel Pereira da Silva tem uma orientação formal abstracta inspirada na figura humana, em particular o homem e a mulher.