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sexta-feira, março 04, 2011

Abstraccionismo na Europa

Por toda a Europa e América o abstraccionismo geométrico teve eco mais ou menos convicto, mais ou menos criativo e original, a partir dos dois focos, russo e holandês, com Paris como placa giratória na maioria dos casos.

Na Alemanha, onde em 1926, se construiu o grupo “Die Abstrakten”, o construtivismo de F. Vordemburg-Gidewart ou de W. Dexel ou o suprematismo de Buchholz (e o neoplasticismo de A. Fleishmann, na geração dos anos 20 a que O. Freudlich trouxe a lição de Delaunay, e J. Leppien, aluno da “Bauhaus” (instalado em França desde 1933), pouco mais tarde, compuseram um leque de situações que na Suíça se representaram com S. Taeuber-Arp (1889-1943), mulher de Arp, e C. Gresar, colaboradora de M. V. de Roehe, nas mesmas gerações S. Taeuber-Arp, decoradora da “Aubette” de Estrasburgo, representa, no abstraccionismo, uma posição estética e prática de puro formalismo, no vocabulário adoptado, vendo “nas relações entre as cores e as formas uma fonte inesgotável de possibilidades plásticas (M. Staber, 1970), alheias a qualquer pressuposto espiritualista, M. Bill, arquitecto, pintor e escultor, aluno da “Bauhaus” e director (1951-56) da Escola Superior da Forma (Gestaltung) em Ulm, já director da revista “Abstrakt-Konkret” 1944, marcou nos anos seguintes, uma nova posição formalista que exerceu influências em Itália e na Argentina. Ainda na Suíça, os grupos “33” (do ano da sua formação) e “Die Allianz” (1938, com Bill, o construtivista L. Leuppi, R. P. Lohse, interessada em estética “modular” ou “serial”), tiveram papel importante na afirmação do formalismo, adoptando a designação de “concretismo”.

Em Inglaterra, onde o grupo “Seven and Five” (Sete e Cinco”), que nascera “fauve” em 1920, marcou posição abstracta em 1935, numa preferência então partilhada pelo grupo “Unit One” (“Unidade um”), o grupo “Axis” (1933-37) recebeu influência parisiense de “Abstraction-Creation” antes de assumir opções lineares, com J. Liper e P. Nash, enquanto o grupo “Circle” (1937) ecoava a linha da “Bauhaus” e do construtivismo, com K. Martin, B. Nicholson e N. Gabo, então refugiado no país – uma influente inspiração em que participaram Gropius, Breuer, Moholy-Nagye, mais tarde, Mondrian. Dali sairia, o construtivismo de V. Passmore, que se situou a par do neoplasticismo, mais original, por via cubista, de B. Nicholson, com as suas composições em relevo de pura geometrização.

Os neoplásticos O. G. Carlsrund e E. Olson, O. Baertling ou R. Mortensen, na Escandinávia, na Holanda, os construtivistas W. V. Leusden, J. J. Schoonhoven, ou A. Denkers, discípulo distante de Mondrian nos anos 60, e P. Struycken, trabalhando já com o computador, na Bélgica, o grupo e revista “7 Arts”, de 1922 1 1929, com V. Servanacks (1897-1965), hesitando entre o surrealismo e uma plástica pura, de inspiração mecânica, J. Peters, K. Eemans, como, mais tarde, L. Peire e G. Bertrand, multiplicaram os aspectos do movimento abstracto.

Na Itália fascista, ele foi sinal de resistência cultural, defendido em Milão desde 1930, pela Galeria il Milione do crítico E. Persico, que já encontramos com A. Soldati, O. Liccini, M. Reggiani, M. Radice, M. Rho, os precursores L. Veronesi, L. Fontane, B. Munari, vindos de várias origens, naturalmente futuristas ou neoplásticos, ou da “Bauhaus”, indirectamente. Ali o abstraccionismo geométrico teve maior amplitude no pós-guerra, com o movimento romano “forma I” (1947) e o movimento milanês “Abstratto-Concretto” (1948), de Soldati; Munari e G. Dorples, crítico e notável teórico também, que durou até 1958.

Em Portugal e em Espanha após as experiencias sem seguimento de Amadeo Sousa Cardos, a partir do cubismo e de Delauny, em 1913, e a acção de Torres-Garcia em Madrid em 1925, o movimento foi mais tardio. F. Lanhas, em 1944, em Portugal (Porto), anunciou a nova situação, enriquecida, nos anos 50, pela exploração neoplástica de J. Rodrigo, pela intervenção codificada de Almada Negreiros (1957) e pelos “Espacimilitados” de Nadir Afonso (1957), que propõem uma continuidade de articulação formal, além dos limites da tela. Em Espanha, o abstraccionismo contou com as obras de J. Oiteza, e manifestou-se em 1957, no grupo cordovês “Equipo 57”, sob influência de Mortensen, dado a pesquisas gestalticas, e existiu no construtivismo animado de P. Palazuelo, com G. Ruela e com cinetismo de E. Sempere.

quinta-feira, fevereiro 24, 2011

Arte Concreta

Arte Concreta e design ou concretismo é um movimento abstraccionista que evoluiu na década de 1930 fora do trabalho do De Stijl, os futuristas e Kandinsky em torno do pintor suíço Max Bill. A "arte concreta" termo que foi introduzido pela primeira vez por Theo van Doesburg em seu "Manifesto da Arte Concreta" (1930) publicado na primeira e única edição da revista Arte Concreta:

1. A arte é universal;

2. A obra de arte deve ser inteiramente concebida e moldada pela execução de espírito. Não recebe dados da natureza formal, ou sensualidade, ou o sentimentalismo. Queremos excluir lirismo, dramatismo, simbolismo, etc;

3. A tela deve ser inteiramente construída com elementos puramente visuais, seus planos e cores. Um elemento pictórico não tem sentido diferente de "si mesmo" na tela a consequência é "ele mesmo";
4. A construção da tela, também controlável visualmente;

5. A técnica deve ser mecânica, anti-impressionista;

6. Esforço de clareza absoluta.

No seu entender, essa forma de abstracção deve ser livre de qualquer associação simbólica com a realidade, argumentando que as linhas e as cores são concretas por elas mesmo.

Desde a era das cavernas, o homem tem vindo a pintar naturezas mortas, paisagens e nus. Estes artistas não querem copiar a natureza. Eles não querem reproduzir, mas produzir. Mas, então, nada é menos abstracto que a arte abstracta. É por isso que Van Doesburg e Kandinsky têm sugerido que a arte abstracta deve chamada arte concreta.

Os artistas não devem assinar as suas obras de arte concreta. Estas pinturas, esculturas, objectos devem continuar anónimas e fazer parte da grande oficina da natureza, como folhas fazem, as nuvens, animais e homens. Sim, mais uma vez tornar-se parte da natureza. Esses artistas devem trabalhar comunitariamente como fizeram os artistas da Idade Média.

O artista suíço Max Bill tornou-se mais tarde o porta-bandeira da Arte Concreta, organizou a primeira exposição internacional, em Basileia, em 1944. Ele afirmou que o objectivo da arte concreta é o de criar "as coisas em uma forma visível e tangível, que não existia anteriormente para representar pensamentos abstractos de uma forma sensual e tangível". Na prática a arte concreta é muito próxima do construtivismo e há um museu de arte construtiva e concreta, em Zurique, na Suíça.

O movimento tornou-se realidade no Norte de Itália e França na década de 1940 e 1950 através do trabalho dos grupos de movimento de arte concreta (MAC) e do Espaço.

quarta-feira, fevereiro 02, 2011

Victor Vasarely (1908-97)



Vasarely, abstracto em 1952, levou as suas pesquisas formalistas de intenção dogmática no seu “alfabeto plástico”, com “protótipos de partida”, tratados em “240 tonalidades”, a efeitos ópticos com ilusório dinamismo interno. A programada integração arquitectural da sua obra (decoração mural da Universidade de Caracas, 1955; pinturas da estação de Montparnasse, Paris, 1971) justificou a vasta e popularizada expansão que uma preferência mundana e comercial garantiu.

Vasarely iniciou uma corrente dita de “arte óptica” (ou “Op Art”) que, em certa medida, provocou e promoveu em finais de 50. Se experiencias de ilusionismo óptico já tinham sido feitas no ensino da “Bauhaus”, foi a evolução do discurso abstracto que finalmente as justificou e popularizou em Paris e particularmente entre jovens artistas sul-americanos, como F. Sobrinho, J. Le Pare, C. Cruz-Diez, e, mais profundamente, J. Soto. Dos efeitos ópticos aos efeitos cinéticos por eles provocados, a passagem foi imediata e a exposição “Movimento”, em Paris, esclareceu-a. Assim, uma “arte cinética”, puramente visual (J. Agam) ou mecanizada (que se diria “Mec Art” com manifesto em 1964, então no domínio espacial da escultura), desenvolveu-se paralelamente pelos anos 60 fora, em termos geométricos de função sistemática e com intervenção possível de computadores, como veremos – representando então, na Europa e na América, como “abstracção determinada” (F. Caroli, 1976), um renascimento formalista.


As propostas da “Op Art” em grande parte radicam-se no espírito da “Bauhaus”. Já conhecemos o papel desta na arquitectura racionalista do presente período. Se a arquitectura era o seu alvo fundamental, o ensino desta escola moderna e criativa cobriu, em “comunicação”, todos os planos das artes visuais, nos sectores gráfico, tipográfico, fotográfico, no desenho de interiores e seus móveis e objectos, na realização de escultura e de pintura – onde Klee e Kandinsky foram autores principais.


Mas o ensino destes integrava-se colectivamente no princípio de interdependência ou de unidade, racional e sensível, filosófica e social, e de outras intervenções se destacam, com outros mestres, e em redacção com o construtivismo, o suprematismo e o neoplasticismo.

Abstraccionismo geométrico Francês

Mas o abstraccionismo geométrico francês tem raízes nas preocupações matemáticas dos cubistas da “Secção de ouro” (1912) e do “purismo” e deve contar, como precursor, os trabalhos, estritamente formalistas, de E. Gasset que, após ter influenciado a “Arte Nova” com as suas estilizações florais (1896-99), publicou, em 1907, o seu “Méthode de composition ornemental” onde se encontram numerosas matrizes de composições geométricas (cf. Gladys C. Fabre, 1977). Precursor também, praticamente desconhecido, foi, desde 1919-20, o amigo de Kupka, Gallien, formado em Grenoble, e alheio a Paris, com os seus quadros geométricos a preto e branco.

Já em 1917, porém A Herbin (1882-1960), vindo do cubismo, concebeu as suas primeiras composições abstractas que renovaria em 1940, numa “visão espiritual do universo” apoiada no seu “alfabeto plástico” codificado rigorosamente em cores puras e figuras elementares e definido em L’Art non figuratif non objectif (1949) J. Gorin (1899-1981), vindo do ensino de Gleizer e influenciado por Mondrian, realizou relevos neoplásticos desde 1926, com inteira liberdade espacial nos anos 50. J. Hélion teve também uma importante fase neoplástica entre 1929 e 1939, desde 1935 adaptada a figuras abstractas modeladas. M. Cahn e A. Nemours, discípulos de Léger, vieram também ao abstraccionismo geométrico, como J. Crotti, F. del Marle, L. Zack, numa fase da sua carreira, ou G. Folmer, todos nascidos antes de 1900. A aparição dos nomes Léger e de Gleizer, no ensino de pintores abstractos, sublinha a ligação do cubismo – e a vocação abstracta deste.

O italiano A. Magnelli (1888-1971), alternou cubismo e abstraccionismo geométrico até se decidir por esta expressão com a qual realizou, desde os anos 40, uma obra de grande coerência e fascínio poético. Ele foi com Herbin, mais isolado nas suas propostas, e contando com o húngaro Vasarely, o dinamarquês R. Mortensen e J. Deyrolle, no grupo Denise René, a principal figura desta corrente na Paris do pós-guerra – que viu constituir-se, com E. Pillet (Idéogrammes, 1954) e J. Dewasne, um “Atelier d’Art Abstract” (1950-52), que teve importante papel, sobretudo entre jovens artistas latino-americanos.

As polémicas acesas nos anos 1945-47, em torno desta corrente estética, reclamavam-se então – mas em 1950 perpetuava-se já se a “arte abstracta era um academismo” (C. Estienne).

Academismo na verdade rompido pelas propostas polémicas de Y. Klein (1928-62) de uma pintura monocromática (1955) cujo “azul” ficou famoso – primeiro passo para comportamentos artísticos heterodoxos dum novo realismo em breve explodido.

quinta-feira, janeiro 27, 2011

Piet Mondrian (1872 – 1944)

Fora destas atmosferas efusivas, um pintor holandês vivendo isoladamente em Paris entre as duas grandes guerras, P. Mondrian, foi realizando uma obra que construiu a resposta formalista ao expressionismo de Kandinsky em nome da teoria do “Neoplasticismo” que apresentou em 1920, em Paris, dedicando-a “aos homens futuros”, na certeza de que “o modo de ver puramente plástico devia constituir uma nova sociedade, tal como criara uma nova representação na arte: uma sociedade que pusesse em equilíbrio dois elementos equivalentes, material e espiritual (1918). Essa seria a preocupação fundamental do pintor na elaboração da fase mais significativa da sua obra.

Após uma prática naturalista cedo marcada pelo expressionismo (“Moinho de vento em pleno Sol”, 1908, Haia) e pelo simbolismo (“Evolução” tríptico, 1911), Mondrian abordou o cubismo em 1912, em Paris, em obras algo confusas (“Natureza morta com pote de gengibre – I, II e III”, Haia; “Nu”, idem; “Paisagem com árvores”, idem). Entretanto porém, e desde 1909, o pintor prosseguiu uma experiencia de tipo analítico e metamórfico, nas pinturas sucessivas duma árvore que se ia decompondo nas suas linhas essenciais, para além do naturalismo das primeiras imagens. Entre a primeira árvore desenhada, a “Árvore vermelha” (1909-10, Haia), a “Árvore azul” (1909-10, col. part.) e a “Árvore cinzenta” (1911, Haia), essa decomposição analítica processou-se de modo a que, tratado o fundo com integração da própria figura de “Árvore” (1911, col. part. Nova Iorque), se prepararam as abstractizações de 1912-13 (“Macieira em flor”, Haia; “Composição oval”, desenho, col. part. Nova Iorque; ou de “Composição nº 3 – Árvores”, Haia). Falando desta última pintura Apolinaire (1913) disse que “Mondrian, saído dos cubistas, não os imitava, as suas árvores revelavam uma cerebralidade sensível” e que “o seu cubismo seguia uma via diferente, da de Picasso e Braque”. A “Composição nº 7” (1913), Museu Guggenheim, Nova Iorque) libertou-se já inteiramente de toda a referência natural. Uma nova linguagem pictural processou-se assim, com algumas hesitações, porém, duas composições ovais dessa orientação, em 1913 e 1914, comportam ainda alusões representativas completando os títulos: “Composição em oval – árvores” ou “Andaimes” (Amesterdão e Haia), embora a referencia seja ilegível; em 1914, “Composição em oval – quadro III” (Amesterdão) pelo contrário, lembra uma articulação de fachadas ou elementos de construção. Mas nesse ano e no seguinte, Mondrian dedicou-se a estudos do mar, em “marinhas” meramente sugestivas, ainda em linhas onduladas (col. part. Nova Iorque) ou já numa rede de pequenas linhas horizontais e verticais (col. P. Guggenheim, Veneza), série designada por “mais-menos”, por semelhança com sinais aritméticos, no qual pode intervir a referência e um molhe de Scheveningre como signo suplementar (“Molhe e oceano”, Haia e Museu K. Muller, Oterlo). O pintor sentia, porém, “que trabalhava ainda como um impressionista, exprimindo uma sensação particular e não a realidade tal como é” (P. Mondrian, 1942).

A partir de 1917, este fim foi procurado em “Composições com planos de cores nº 3” e “B” (Haia e Eindhoven) que, numa prática contrária ao cubismo, visavam “chegar à destruição do volume pelo uso de planos” (P. Mondrian, 1944-45); no segundo quadro, a influência do suprematismo é claramente legível. Nesse mesmo ano, Mondrian foi um dos fundadores da revista “De Stijl” (pb. Até 1928), onde colaboraria até 1924, data de discordância com outro fundador da publicação, T. V. Doesbourg; os seus artigos constituem o corpo teórico principal das suas ideias, ou seja do neoplasticismo que, em 1919, já em Paris se definia em picturalmente em quadros de superfície dividida por linhas ortogonais (“Planos de cores com linhas cinzentas” col. M. Bill, Zurique), formula que se foi aperfeiçoando, na reticulação mais livre de composição e na cor rigorosamente reduzida às três primárias em que a teoria assenta, até à “Composição I com vermelho, amarelo e azul” (Haia) e ao “Quadrado I” (Museu W. Richartz, Colónia) que marcam, em 1921, o ponto de consciencialização da obra. Entretanto (1920) aparecera o ensaio-programa do pintor, como princípio geral da equivalência plástica, interessando todas as artes (textos sobre arquitectura, música e teatro). Essa generalização (e porque “a arte era um substituto por ser insuficiente a beleza da vida”, 1942) estendia-a Mondrian cuja “nova imagem” assim propunha, em beleza, verdade (“o belo enquanto verdade”) e alheia a toda a tragédia. Ideias do teósofo H. J. Schoenmackers, frequentado e lido em (1931) que a sua teoria “não saiu de reflexões filosóficas”. Mas, se a “nova imagem do mundo” (título de uma obra do teósofo, em 1915) devia, segundo este, “atingir uma precisão controlável, uma consciente penetração da realidade, uma beleza exacta”, é possível ver aí a raiz do pensamento de Mondrian. A “plástica pura” (ou “neoplástica”, em oposição à “morfoplástica”, naturalista), fundada “apenas nas relações, mediante a linha e a cor” e “continuando o cubismo e o purismo”, “exprime o ritmo da vida” em formas não limitadas, realizando um “super-realismo” (1930-31). Exprimir a harmonia pela equivalência (e não “igualdade”) das relações das linhas, das cores e dos planos, mas isto do modo mais explícito e mais intenso (1932-34) era o fim de Mondrian, e isso seria alcançado não “por cálculo” (como declarava também, 1931), mas pelo estabelecimento do “equilíbrio dinâmico” com as suas leis que se cumprem na “destruição da forma particular” (1937). “A arte abstracta era o reflexo do aspecto universal da realidade” e com ela se formulava”um novo realismo” (1943). No ano da sua morte, Mondrian declarava-se “perto dos surrealistas em espírito, excepto pela parte literária, mais do que quaisquer outros pintores”.

Em Paris, no meio de grandes dificuldades materiais, depois refugiado em Londres, 1938, e em Nova Iorque, onde morreria, Mondrian conduziu uma obra de perfeita coerência na variadíssima repetição do seu sistema ortogonal, mesmo em composições jogando com a colocação da tela quadrada sobre um dos ângulos. Em 1937, sensível à situação trágica do mundo, ele assumia maior gravidade no seu insistente jogo de linhas negras quadriculando a composição; na América, porém, já em 1942, um último período definiu-se numa inesperada alegria, e foram as séries da “Cidade de Nova Iorque” (col. part. Nova Iorque) e de “Broadway” e “Victory Boogie-Woogie” (M. A. M. e col. part. Nova Iorque), em que a monumentalidade de toda a obra anterior (apercebida então pelo pintor como “desenho a óleo”) deu lugar a um ritmo sincopado em que as linhas de participação passaram subitamente a ser coloridas. “A arte maravilhosamente determinada e cheia de vitalidade, exprime-se na música e na dança do verdadeiro jazz, do swing, do boogie-woogie”. Para Mondrian septuagenário, isso representava a “libertação da opressão na arte e na vida” (1941), no programa comum que o neoplasticismo assumiu com discreto extremismo.

Nenhum contacto entre os dois movimentos, do neoplasticismo e do suprematismo, buscassem ambos o real último e a última perfeição. Em Paris, Mondrian participou silenciosamente nos grupos que se criaram, já em 30, sem neles acreditar, depois da experiência de “De Stijl” de que se afastara em 1924. Ali B. V. de Leck, G. Vantongerloo, o decorador V. Huszar, mais tarde C. Donela, com os seus baixos-relevos, seguiram em princípio as suas teorias que os arquitectos J. J. Oud e G. T. Rietveld levaram a situações de outra prática, T. V. Doesbourg, propagandista no estrangeiro das ideias neoplásticas, mas também do dadaismo na Holanda em 1925 proclamou em “De Stijl” o “Elementarismo” que admitiu a oblíqua nas composições ortogonais definidas por Mondrian e, cinco anos depois, tentaria organizar, em Paris, o movimento e a publicação (um número) de “Art Concret” (“um quadrado, um circulo, uma cor são elementos concretos”), em companhia de J. Hélion e do sueco O. G. Carlsrund, antigo discípulo de Léger – em oposição ao movimento e revista (três números) “Cercle et Carré” que, por iniciativa do uruguaio J. Torres-Garcia e de M. Seuphor, e sob o princípio da “estrutura e abstracção”, pretendia combater o surrealismo e “emergir das ruínas do cubismo” (M. Seuphor, 1971). Novo grupo lhe sucedeu, com o seu boletim (seis números), da “Abstraction-Creation”, em 1931-36, reunindo todas as correntes não figurativas, e incluindo na sua direcção, antigos cubistas como Gleizes e Valmier, o dadaista Arp, o neoplasticista Vantongerloo, Kupka e A. Herbin e J. Hélion, 46 expositores no “Cercle et Carré” (Mondrian e Kandinsky), Léger e Ozenfant, Le Corbusier, Arp e Schwittenz, Russolo e Prampolini, A Exter e Pevsner e, entre os recrutas, J.M. Gorin e M. Cahn), numa centena de membros mais exposições de “Abstraction-Creation” dos Delanuay e de Villon a Mondrian e Kandinsky, de Gonzalez a Arp, Brancusi e Calder, Gabo e Pevsner) comprovavam o papel de Paris nestes anos do formalismo geométrico, acrescentando-se ainda, em França, a decoração do centro de espectáculos “L’Aubette”, em Estrasburgo (1926-28), realizada por V. Doesbourg, Arp e Sophie Taeuber (destruída, desenhos Museu de Estrasburgo); as exposições mesmo ecléticas, de “L’Art d’Aujourd’hui” em 1925, ou do salão “1940”, em 1931 e 1932, a exposição “Realités Nouvelles”, em 1937, organizada pela viúva de V. Doesbourg com F. Sidès, donde saíra um grupo da mesma designação e, em 1938, a da “Renaissance Plastique”. Do primeiro viria também o nome do salão que, iniciado em 1946 foi, com a revista “L’Art d’Aujoud’hui” (de A. Bloc, com colaboração do crítico L. Degand – 1949-54) e a fidelidade constante da Galeria Denise René, desde 1946, um dos três suportes maiores desse movimento estético no pós-guerra parisiense que o prémio Kandinsky apoiou em 1946). Durante este período, como já no ecletismo de “Abstraction-Creation”, haverá que distinguir, tal abstraccionismo num panorama mais geralmente não figurativo que foi o da chamada “nova escola de Paris”, e considerando ainda uma oposição “lírica” como veremos.

quinta-feira, janeiro 20, 2011

Abstracção na Polónia

Na vizinha Polónia, onde vimos agitarem-se correntes de vanguarda, expressionistas e “formistas”, construtivismo levou à criação do grupo “Blok” (1924-26), animado por M. Szezuka que evoluiu do suprematismo para o construtivismo de empenho comunista. O grupo da revista “Praesens” (que, com o seu “Unismo”, retomaria a linha malevitcheana purificada), daria, em 1929, no grupo “A.R.” (“artistas revolucionários”), com H. Stazewski e a escultora K. Kobro, uma nova forma produtivista, enquanto H. Berlewi se dedicava, numa linha “Mecano-factura”, ao estudo de vibrações ópticas. De toda esta agitação resultou, em 1931, a criação do primeiro museu de arte abstracta e de vanguarda da Europa, em Lodz, que pôde perdurar.

Abstracção na U.R.S.S.

Anos de efervescência foram esses, no quadro da revolução soviética em instalação por herança politizada dum fermento anterior, que observamos – como já observamos a sua incidência na arquitectura. O Departamento de Artes Plásticas do Comissariado do Povo para a Educação, o IZO, animado por Lucacharsky, os ateliês livres, Svonsas, que substituíram a Academia de S. Petersburgo, em 1918, e onde Malevitch professou, como no UNOVIS de Vitebok, os Institutos de Cultura Artística, ali em Moscovo, o Inkhuk, onde Kandinsky ensinava em 1920, dali passando À “Bauhaus”, uma vez vencida a sua tendência, e onde o suprematismo e o construtivismo eram doutrinas necessárias, o Vikhutein, Instituto Técnico de Moscovo, dominado por Tatline que ali, assaz monotonamente fez numerosos discípulos, entre os quais os irmãos G. e V. Stenberg e K. Medunetsky – foram outros tantos organismos activos duma propaganda artística, ou duma “agit-prop” em que o teatro, com seus cenários, teve importante papel, como o cartaz e as mais artes gráficas, em formulações abstractas que, de outro modo ainda, desceram à rua, em decorações festivas, ou em comboios (e em barcos) de propaganda que atravessaram o país imenso. Em 1922, uma exposição da vanguarda soviética, em Berlim, foi, em certa medida, o canto do cisne de tanta acção.

Na realidade a U.R.S.S., além da sua imediata agitação, o abstraccionismo não foi mais do que um acidente, entre a tradição naturalista mais ou menos modernizada num neoplasticismo popular e nacionalista, e a sua recuperação, já em 1920, por académicos aderentes à nova situação política, que acabaram por aniquilar, em breve, a vanguarda revolucionária.

Vladimir Vitatline (1885-1953)

Em 1919, Vitatline (1885-1953) declarou que o suprematismo era “a soma de todos os erros do passado”, nisso manifestando a sua oposição pessoal e ideológica a Malevitch. Discípulo de Larianov, marcado por um expressionismo estruturado e cujo colorido não foi alheio o interesse pelos ícones tradicionais. Tatline teve uma juventude aventureira que o levou a Paris em 1913, ali admirando as construções em relevo de Picasso, base dos seus próprios “contra-relevos” que, com experiencias de materiais e aplicações nos ângulos das salas, modificando-lhe a espacialidade, criaram o movimento construtivista, em 1927 enriquecido pela novidade fantasista duma máquina voadora orgânica, o “Latatlin” – mas, sobretudo, em 1919-20, pelo projecto do monumento à III Internacional, construção helicoidal que já conhecemos expressão dum fugaz “Komfuturismo”. Animador artístico, professor, defensor vitorioso do princípio da “arte produção” contra a “arte laboratório” (que o suprematismo representava) um “produtivismo” politizado, proclamado em 1921, com recusa da pintura de cavalete, e que o levou ao artesanato, ao cartaz, à decoração teatral já praticada na juventude (e que foi notável campo de acção do seu movimento, sobretudo graças às encenações de (V. Mayerhold) – nada disso impediu a desgraça de Tatline, ante o realismo oficializado nos anos 30. A seu lado, A. Rodechenko (1881-1956), vindo mais ou menos do futurismo, autor de desenhos geométricos compostos por animados jogos de curvas feitas a compasso, metodicamente (1915-16), e duma pintura “Negro sobre negro”, apresentada polemicamente contra Malevitch, em 1919, praticou construções surpresas, móveis e lineares, de metal, com as quais participou, em 1917, com Tatline e o discípulo deste G. Yakulov, na famosa decoração do Café Pitoresque, animado centro artístico moscovita, nestes anos de fermentação. Reduzido, como Tatline, às artes aplicadas e ao “design”, dedicou-se à fotomontagem e à composição tipográfica. Nesses domínios se destacou El Lissitzky (1890 – 1941), engenheiro e arquitecto, que já conhecemos, discípulo de Malevitch, que passou do suprematismo ao construtivismo, na “História de dois quadrados” (1922) e nos seus “prouns”, construções geométricas no espaço, inicialmente pintadas. Em vasta fotomontagem, realizou a decoração do pavilhão soviética na Exposição Internacional da Imprensa, em Colónia, 1930 – e assim também, já em 1920-24, a famosa “Tribuna de Lenine”, que vimos, representado o ditador ao alto duma imaginária construção de ferro. Em 1926, El Lissitzky compôs a arquitectura interior do “gabinete abstracto” da Exposição Internacional de Dresde, que considerava a sua obra capital. Amigo e colaborador de Schwittors e de Arp, e de V. Doesbourg, relacionado com a “Bauhaus”, como sabemos, coube-lhe estabelecer ligação mais regular entre as correntes russas e o mundo ocidental ao longo dos anos 20.

domingo, janeiro 16, 2011

Kazimir Malevitch (1878-1935)

K. Malevitch (1878-1935), partindo do impressionismo, e do simbolismo e da Arte Nova, de Cézanne, de Derain e de Matisse, pintor de cenas rústicas nacionais, em 1911-12 compôs figuras numa geometrização cilíndrica, cubo-futurista (“Amolador”, 1912-13, Universidade de Yale, E.U.A.), influenciadas por Léger, até aos extremos de abstractização de corpos geométricos de revolução, pintados com cuidada de modelação em 1912-13, ano em que adoptou um cubismo sintáctico a uma imagística “transnacional” (“Zaorum”, como vimos), ou “alógica”, em composições não isentas de humor confundível com o espírito “dada” (“Um Inglês em Moscovo”, 1913-14, Amesterdão, “Eclipse parcial com Mona Lisa”, 1914, col. part. Leninegrado). Mas, em 1915, Malevitch afirmou ter feito as primeiras obras “suprematistas”, baseadas nas formas elementares do quadrado, do círculo e do cruzamento vertical-horizontal de rectângulos. O famoso “Quadrado negro sobre fundo branco” (Museu Tretyakov, Moscovo), exposto em 1915, é a obra emblemática dessa fase, possivelmente marcado nos trabalhos de decoração da ópera futurista “Vitória sobre o sol” (1913), com música de M. Matinchine, tradutor de “Du Cubisme” de Gleizer – que seria, em 1917, o pintor do “realismo no espaço”, em grandes bandas coloridas, interessado em pesquisas psico-fisiológicas sobre a arte visível.

O “suprematismo” como estado supremo duma estética “monumental”, “não objectiva”, fundamentada numa dedução conceptual, radica-se filosoficamente no pensamento do metafísico pós-Kantiano P. D. Ouspenki (“Tercium Organum”, 1911) que, referindo uma “forma superior da existência” e anunciando uma “linguagem do futuro”, independente do mundo real, exercer (talvez através de Matinchine) grande influencia no pintor, igualmente interessado pela “quarta dimensão” (Ouspenki, 1908; relativa ao “continuum espácio-temporal” da matemática de Minkowski, 1908) 9 – e fascinado ainda por uma retórica simbolista a esse pensamento inerente. “Só o que está pronto a perder o tudo realizará novas descobertas (Ouspenki, 1913) aplica-se à diligência de Malevitch para quem o “Quadrado Negro” era “uma superfície-plana viva, agora mesmo nascida” (“Do Cubismo e do Futurismo e Suprematismo, um novo realismo pictural, 1916); ensaio que seria retomado em 1920, como sabemos, em De Cézanne ao Suprematismo, primeira unidade semântica par a construção livre de sistemas de “superfícies-planas” no espaço, em liberdade incondicional de movimento (cf. A. B. Nakov, 1975) – o “zero”, que desde 1915 definiu a sua experiencia pictural, era uma totalidade, igual ao infinito e ao absoluto, à “harmonia, ao ritmo e à beleza” (Espelho Suprematista, 1923), e não o termo dum discurso estético anterior, numa espécie de nilismo (cf. D. Valher, 1967). Disso sempre Malevitch se defendeu, numa obra que foi coerentemente até ao “Quadrado branco sobre fundo branco” (1918, M. A. M., Nova Iorque), após três ou quatro anos de múltiplas composições que passaram ao volume, como naquelas arquitectónicas possíveis, as “planites”. Numerosos textos até Die Gegentandslose Welt (“O mundo sem objecto”, publicado pela Bauhaus, 1927), proclamam ou defendem polemicamente uma doutrina estética e filosófica que o pintor conseguiu ensinar em Vitebsk, contra a vontade de Chagall, e, vencido, no grupo UNOVIS, que criou em 1920-21, e, nos dois anos seguintes, no Instituto de Cultura Artística de Leninegrado – mas que, já atacada em 1919 pelos construtivistas era, por idealismo suposto, contrário à linha estética oficial e dificilmente tolerada, já em 1927. Desde 1930, ano em que foi preso pela polícia política, Malevitch realizou uma pintura figurativa de paisagens e retratos não isentos de amarga ironia – e, em 1935, foi a enterrar num caixão suprematista que ele próprio idealizara, levando pintado, sobre fundo branco, um círculo e um quadrado negro.

Mikhail Larionov (1881-1964)

A vanguarda russa, extremamente variada e polémica, cedo fascinada pelo cubismo adaptado a um cubo-futurismo, como vimos, produziu as primeiras obras abstractas em 1910-11, com M. Larionov (1881-1964) e N. Gontacharova (1881-1962), no movimento do “Lucism” (“raismo” – “rayonisme” em francês), apresentada em 1913 como uma “síntese do cubismo, do futurismo e do orfismo, polémica e paradoxalmente organizada contra a cultura ocidental – embora Apollinaire o defendesse na sua exposição parisiense do ano seguinte. As formas pintadas são “formas espaciais obtidas pelo cruzamento de raios reflectidos de vários objectos”; situadas “fora do tempo e do espaço”, pretendem uma “quarta dimensão” que já encontrara os cubistas mais especulativos. A carreira pictural de Larionov, vindo duma pintura expressionista, popular e anedótica, por nacionalismo ideológico, e passado, como vimos, por profusas e decantadas actividades de vanguarda na fundação dos grupos “Valete de ouros” (1910), “Cauda de burro” (1912) e “O Alvo” (1913), encerrou-se em 1915, ao deixar a Rússia para se integrar, como cenógrafo e figurinista brilhante, na companhia de Diaghilev. Gontacharova, acompanhou-lhe o destino, embora, cerca de 1955, se fizesse lembrar em Paris, refazendo telas “raístas”, de recente inspiração cósmica.

Mas dois outros movimentos abstractos, e violentamente opostos, ocupariam de modo mais significativo a cena russa e depois soviética, desde 1915: o “Suprematismo” de Malevitch (e de A. Leporskaia, V. Ernrolaeva, L. Khidekel, N. M. Suetine, G. Kluzis, I. G. Ghaschuik, I. Kliuns, I. Puni, M. Menkov e da futurista O. Rezanova), com manifesto nesse ano publicado, e o “Construtivismo” de Tatline e de Rodchenko (e de G. Yakulov, J. Anenkov, W. Ermilov, V. Stepanova e dos anteriores cubistas e suprematistas N. Vdaltsova e L. Popova, como de Klium e dos irmãos Vernine arquitectos); e, entre as duas situações (além de A. Exter, vinda do cubo-futurismo), o movimento “proun” de Ed Lisitzky, desde 1919. Ainda neste leque de opções (e partidos) o Manifesto realista de Galv e Prevsner, em 1920, veio apresentar, do lado construtivista, uma proposta que teria mais durável efeito na escultura.

Wassily Kandinsky (1866-1944)

O simultaneismo dos discos abstractos de Delaunay, em 1912 (e o “sincronismo” dos seus discípulos), as composições de variada raiz cubista e futurista de Picabia em 1912-13, a prática das “linhas-força” dos futuristas e dos seus “estados de alma”, em Boccioni, Balla e Severini, fornecem outras tantas situações estéticas, que o abstraccionismo integrará, como conclusão historicamente necessária. E se, “no fundo, o movimento cubista foi e desejou-se num encaminhamento para a abstracção” (L. Degand, 1953), o mesmo poderá pensar-se do experimentalismo, de Van Gogh para Kandinsky. W. Kandinsky (1866-1944), jurista de formação na sua Rússia natal, cedo foi atraído pela arte folclórica que o fez “entrar na pintura” e, em 1896, partiu para Munique onde a Arte nova o atraiu no grupo “Phalanx” que fundou (1901-04) e no âmbito do qual criou a sua própria escola, numa prática pictural lembrada de cores de Moscovo em paisagens e “pinturas românticas”, algo simbolistas (“Lanceiro na paisagem”, 1906; “Pânico”, 1907). Foi pela via da paisagem que, improvisando, Kandinsky activou a sua paleta por influência fauve e expressionista, vinda de Jawlensky, seu companheiro em Murnan onde se instalou em 1908, e com o qual abandonou em breve, para fundar “Der Blane Reiter”, com F. Mara, em 1911. Foi nesse quadro que a pintura de Kandinsky evoluiu para o abstracto, através duma sempre maior indefinição formal e duma sonoridade no colorido (“Paisagem com torre sineira”, 1909, M. A. M., Paris; “Improvisação sobre acaju”, 1910, M. A. M., Paris).

A influência de Kandinsky foi determinante para a evolução da pintura alemã em Munique: o seu ensaio Uber das Geistige in der Kunst (“Sobre o espiritual na arte”, escrito em 1910) definiu uma nova situação estética que a antroposofia de R. Steiner marcou. A obra de arte é um “ser vivo”, com uma “vida interior” vinda duma “necessidade interior da alma” expressa através do significado simbólico das formas e das cores e comunicando a chegada do “Reino do Espírito” na “época da grande espiritualidade”. Por estas afirmações, o autor preparou uma possibilidade nova na criação artística que uma primeira aguarela abstracta, composição de manchas e de finas caligrafias (M. A. M., Paris), propôs em 1910 – não sem que, nesse ano, e até 1913, em “Improvisações” e “Composições”, a referência figurativa-paisagistica continuasse alternadamente presente. Em “Com o arco negro” (1912, M. A. M., Paris), no seu grande choque de formas, donde “caoticamente nasce o cosmo”, Kandinsky realizou uma obra definitiva que, em 1914, “Quadro com uma Mancha Vermelha” (M. A. M., Paris), “Fuga” (Museu Guggenheim, Nova Iorque), e os quatro painéis feitos para um coleccionador de Nova Iorque (“Composições” que já foram designadas pelos nomes de quatro estações, 1914, M. A. M., Nova Iorque e Museu Guggenheim, nº 1) completam, no seu vigoroso e eufórico conflito de formas coloridas. Nesse mesmo ano, com a guerra, Kandinsky abandonou Munique por Moscovo, deixando ali a sua antiga aluna e companheira G. Munter (doação ao Museu Municipal de Munique), cuja arte influenciou, juntamente com Jawlensky. Um novo período da sua produção ali se realizou, pouco fecundo dadas as dificuldades da guerra e ocupações oficiais que depois teve, como professor, fundador dum malogrado Instituto de Cultura Artística (1919) e duma Academia das Ciências Artísticas, em 1921, ano em que deixou a Rússia pela Alemanha. A participação de Kandinsky na política artística soviética não foi, porém, entusiástica, mais por temperamento de isolado, que o manteve à margem dos grupos duma vanguarda empenhada, e, numa Berlim revolucionária e Dada, a sua actividade foi reduzida também. A “Bauhaus”, apareceu-lhe então como uma solução e fez-se convidar para ali assumir um ensino, a par de Klee que já lá se encontrava. Desde 1921, porém o pintor realizou quadros onde formas geométricas rigorosas se articulavam com outras, de caligrafia livre e manchas (“Fundo Branco”, 1920, Leninegrado; “Mancha vermelha II”, 1921, Basileia; “Xadrez”, 1921, Museu Guggenheim, Nova Iorque), no que já se pretendeu ver marca construtivista, em certa medida aceitável, mas da qual a arte de Kandinsky se defendia pela recusa do seu princípio mecanicista (cf. W. Grohmann, 1958). Tratava-se, antes, de uma investigação sobre a relação entre as figuras e o fundo, situada além do romantismo do período muniquense. E por essa via a obra do pintor havia de seguir, nos anos subsequentes.

A codificação duma “nova estética que só podia marcar quando os signos se tornassem símbolos”, agora sob formas geométricas puras, de círculos, linhas rectas cruzadas e curvas serpentinas bem distintas umas das outras num espaço de colorido doseado, traduzia o renovado empenho de Kandinsky na observação das formas nas suas relações estruturais ou nas suas “leis de tensão”. Um novo ensaio, Punk und Linie Zu Flache”, publicado em 1926, já sobre notas de 1914, reflecte sobre esses “problemas preliminares, duma ciência da arte”, numa série de apontamentos articulados que serviam ao ensino professado na “Bauhaus” entretanto transferida para Dessau; trata-se, também, duma “continuidade orgânica” do ensaio de 1912. Os quadros então pintados continuam a pôr o problema do espaço através de várias combinações formais, mais rigorosas ou mais maleáveis, a partir das figuras fundamentais usadas, o círculo, o triângulo e o quadrado, num jogo grave ou alegre, entre o “No círculo negro” (1923, col. part., Paris) e a “Tensão calma” (1924, M. A. M., Paris), “Alguns círculos” (1926, Museu Guggenheim, Nova Iorque) e “Amarelo, vermelho, azul” (1925, M. A. M., Paris).

Em 1923, o nazismo fechou a “Bauhaus” e obrigou Kandinsky a exilar-se em Paris-Neville, onde morreria. “Desenvolvimento em castanho” (1933, M. A. M., Paris) foi o último quadro pintado na Alemanha, triste na sua alusão; “Relações, 1934, col. part. Nova Iorque), com a sua alegria feérica, é já um quadro parisiense, dum novo período em que, no meio de dificuldades consideráveis, pois a sua arte, isolada então, era recebida com reticências e o pintor inovou num sentido de maior “exuberância barroca” (W. Grohmann, 1958), de que “Composição IX” (1936, M. A. M., Paris) é notável exemplo, na profusão das suas figuras dançantes, sobre bandas diagonais de claro colorido, ou “Curva dominante” (1936, Museu Guggheneim, Nova Iorque), ou “Meio acompanhado” (1937, col. part., Paris) em cenas brincadas que, na parte final da sua obra, têm por tema o voo e a ascensão numa simbologia espiritual. “Os últimos quadros são o eco dum mundo transparente e transitório” (W. Grohmann, 1958), que lembram formas primitivas pré-colombianas assim casadas com a memória do próprio folclore russo. O último quadro realizado, “Entusiasmo temperado” (M. A. M., Paris), faz vogar, num fundo rosa, estranhas formas biológicas, um embrião de vida a recomeçar.

O “fim da teoria” que Kandinsky expôs no seu ensaio de 1926 era, na verdade da sua pintura, “1. Encontrar a vida, 2. Tornar perceptíveis as suas pulsações, 3. Estabelecer as leis que regem a vida”. Esta organicidade apresentou uma fase romântica, fonte de expressionismo abstracto, até perto de 1920, e na fase de equilíbrio numa sabedoria constante e jamais desmentida que, nos seus pontos de contacto com a arte de Klee, não abdica duma convenção espiritualista como não esquece a arte popular do seu país, primeiro convite recebido para a aventura de pintar.

quarta-feira, janeiro 12, 2011

História de Arte Ocidental (1750-2000)





Desenvolvendo-se paralelamente ao cubismo e ao futurismo, ao expressionismo e ao dadaismo, e ao surrealismo também, deles recebendo influxos revolucionários, uma nova situação estética se definiu, entre 1910 e 1917, na arte ocidental que longamente dominaria, mais tarde ou mais cedo: o abstraccionismo.


Atitude mental e sensível cujas raízes se encontram no neolítico como no românico, na arte das estepes ocidentais como nos entrelaçamentos das iluminuras irlandesas da Idade Média e nas preocupações rítmicas do Renascimento, sob lição pitagórica, ela concretiza um espírito de abstracção que ao espírito de figuração oferece compensação, senão alternância histórica, respondendo a necessidades e índices culturais que no inicio de Novecentos eclodiram, em mutação, a favor duma extrema evolução dos discursos estéticos contemporâneos – e já do impressionismo em que vimos dividir-se, senão negar-se fundamentalmente, o naturalismo figurativo anterior.


A reflexão sobre as cores de Goethe (Zur Farbenlehre, 1810) mal recebida na altura, pelo seu sentido psicológico contra as teorias físicas de Newton, a teoria da visualidade pura de K. Fiedler (falecido em 1895, com escritos só coligidos em 1914: Shriften uber Kunst), adoptada por H. Hilderbrand (Problem der Form, 1893), com recuperação do sentido “formal” não isento de critério classizante, e a tese W. Worringer sobre Abstraktion und Einfuhlung, prepararam nos meios culturais germânicos, em Munique especialmente (mas não nos franceses, que ignoraram tais obras), uma consciência dos problemas postos por uma criação artística “tautogórica” (Schlegel) – isto é, só a si própria referida, em oposição às diligências “alegóricas” de toda a formulação figurativa. Ou uma consciência do infinito oposta à dum finito que a representação naturalista implica. A abstracção seria, assim, uma “antifiguração” (C. P. Brue, 1955) que se basta a si própria sem delimitação exterior.


A tais especulações estéticas e filosóficas há que juntar, na Alemanha, também, no quadro das teorizações psicologísticas da chamada escola de Berlim, cerca de 1912, a influência da “Gestaltheorie” (teoria da forma-estrutura) com trabalhos de M. Wertheimer, K. Koffka e W. Kohler (Gestaltpsychology, publicado nos Estados Unidos em 1929) que, opostos à psicologia analítica, definem comportamentos do conjunto, em correspondências organizadas e interdependentes de elementos constitutivos, que logo têm expressão formal e formalizante, no campo da estética.


Se Cêzanne, em 1904, referia modelos geométricos no tratamento codificável da natureza, e se M. Denis, já em 1890, lembrara que um quadro é, prioritariamente, “uma superfície plana coberta de cores”, nisso apontando a situação abstracta fundamental da pintura para Worringer, a “abstracção” traduzia o desejo de separação da natureza hostil, e não de “comunhão”, num isolamento angustioso ou alterado, que, intelectual ou sensitivamente, se defendia, como alheio ao mundo quotidiano; mas ela tendia também a “aceder a formas arquetípicas subjacentes às variações fortuitas que apresenta o mundo actual (H. Read, 1955), de modo a imprimir a este um sentido, através duma acção pedagógica. A demanda metafísica assim processada leva, finalmente, no seio de uma crise mitológica, do mundo ocidental, a uma “ultramitologia” (J. –A. França, 1959) de perfeita expressão geométrica, por um dos dois grandes caminhos em que a arte abstracta se definia.


O outro situa-se numa, exacerbação sentimental – e a sua raiz expressionista (ou surrealista) corresponde à raiz cubista (ou cubo-futurista) do primeiro.


As designações, descritivas ou polémicas, que o abstraccionismo recebeu, traduzem ora a sua própria radicação, ora um faseamento das diligências estéticas que o percorreram ou formularam. O “expressionismo abstracto” ou a “abstracção lírica” marcam a primeira situação até às fronteiras do “informalismo” (M. Tapié, 1951) ou de “action painting” (“pintura da acção” ou “pintura gestual”) e “gestualismo”, H. Rosenberg, 1952) ou do “tachisme” (de “tache”, mancha, C. Estienne, 1954). Mas teóricas, em situações ou movimentos particularistas de abstraccionismo geométrico de radicação cubista, são as designações russas de “construtivismo” e “suprematismo”, ou as holandesas de “neoplasticismo” e “elementarismo” – mas a estas se juntou um novo conceito de “concretismo” (T. V. Doesbourg, 1951), que pretendeu opor-se ao abstraccionismo, considerando “ultrapassado o período de pesquisa e de experiencia especulativas”. Para G. Mathieu (1951), estas situações (também ditas de “abstracção fria”, por oposição aos adornos expressionistas) cabem na designação genérica de “aformalismo”. Mais tarde, cerca de 1960, uma arte baseada em efeitos ópticos tomará a designação americana de “op’art”, enquanto diligências mecânicas levaram à “arte cinética”, uma e outra em âmbito geométrico ou formalista.


A classificação de “não-figurativo”, mais vaga, procurou opor-se ao abstraccionismo de tipo geométrico, ignorando as “figuras” de geometria deste e só pensando nas da natureza da qual consideravam não procedentes as próprias experiencias. No imediato pós-guerra, porém, uma nova “escola de Paris” adoptou esta designação, nela aceitando uma radicação impressionista, por via da emoção retida do objecto natural inicial. “Não objectivo”, por seu lado, foi etiqueta proposta por H. Rebay, nos Estados Unidos, nos anos 40, numa recuperação que não teve fortuna.


Nos dois troncos genealógicos do abstraccionismo vemos assim, definirem-se duas situações, de expressão sentimental uma e de expressão mental ou geométrica a outra, com prioridade daquela, assumida logo em 1910 e até 1920 por Kandinsky, após longa experiencia expressionista figurativa, enquanto a segunda se exemplifica em Malevitch em 1913-14 e em Mondrian, em 1917 – ambos vinda do cubismo para o suprematismo ou para o neoplasticismo, respectivamente.


A maior ou mais carismática importância histórica de Mondrian vem da exemplaridade lógica da sua diligência tanto quanto da sua persistência, numa possibilidade de acção de que Malevitch não pode beneficiar na União Soviética estalineana. Ao encaminhamento lógico de ambos opôs-se o acaso que se encontra na base do abstraccionismo de Kandinsky, incapaz de ler figurativamente uma “Meda” de Monet, em 1895, e, surpreendido por uma sua própria composição subitamente vista ao invés, encostada a uma parede de ateliê, em 1908.


Mas além das duas correntes ou canais maiores do abstraccionismo, importa registar, com incidência pontual (embora outras relações de leitura devem ser feitas, em variados artistas), a duma inspiração musical interpretativa em termos visuais dum universo de sons, por afinidade rítmica. Em 1942 o checo F. Kupka (1871-1957) expõe em Paris (onde se instalara em 1895) uma tela intitulada “Discos de Newton” com, por subtítulo, “Amorfa, fuga em duas cores” (Praga), provavelmente de 1910. Percorrera então o pintor um longo caminho do simbolismo ao fauvismo e ao expressionismo, com influências luministas e dinâmica, depois de ter ilustrador de acerbo humorismo (“L’Assiette au Beurre”) e frequentado também o grupo da “Secção de ouro”. A série dos seus “Planos verticais”, em 1912-13 (M. A. M., Paris, etc.), traduz igualmente uma planificação musealista já detectável em “Teclas de piano – o lago” de 1909 (Praga) com a sua listagem vertical de “planos de cor”. Nos anos 30, Kupka inspirar-se-ia do Jazz (“Jazz-hot nº1”, 1935, M. A. M., Paris), numa obra irregular de várias curiosidades que trocaram as ciências cósmicas como a música e originaram o ensaio Creations dans les arts plastiques (1923), numa situação de pioneiro isolado. Numa idêntica inspiração musical pode inscrever-se o pintor e compositor lituano M. K. Ciurhouris, falecido em 1911, trabalhando em S. Petersburgo desde 1906, de que assinalam composições abstractas desde 1904, com arabescos de formas geométricas que nas “Sonatas das estrelas, alegro e andante” (1908, Kaunar, Lituânia) assumiram uma diluída figuração simbólica, já referida. O russo S. Charchouse, por seu lado, e vindo de experiências “dada”, inspirou-se também em Bach ou Bethoven, para composições de fino monocronismo, numa pintura para que o simbolismo espreita.

A arte informal e abstracção geométrica



A partir de 1910, a arte abstracta faz um programa do que o cubismo, o futurismo e o orfismo haviam anunciado: a restituição do mundo visível por uma imitação mimética é abandonada em benefício de uma arte que se concentra sobre a cor, a forma e a composição. O Trait blanc de Kandinsky indica as duas tendências determinantes que, dos nossos dias ainda, caracterizam o que Kandinsky chama a “grande abstracção”; de uma parte uma arte lírica espontânea, muitas vezes marcada pelo gesto e que integra o acaso; de outra parte “a abstracção geométrica” que se apoia sobre forma geométricas de base, como o mostra o trabalho de Bell. O objectivo da arte abstracta é a criação individual e original, não tem depois a natureza, não se trata de imitação, mas de uma “verdadeira obra de arte, de um sujeito autónomo, que respira pelo espírito”, uma criação que empresta sua existência “no artista” e que obedece a uma “necessidade interior” Kandinsky.


O expressionismo abstracto, um movimento que reúne todas as formas de expressão libertados, dinâmico e renunciando à figuração, de que Jackson Pollock é o representante mais importante da “Escola de Nova Iorque”.


Depois da Segunda Guerra Mundial, a arte abstracta continua a evoluir na Europa igualmente, a partir de Paris. Em 1945, Jean Dubuffet (1901-1985) e Jean Fautrier (1898-1964) expõe obras de matéria pastosa, informe, impulsionada pelo pincel e espátula. Em 1952, M. Tapié baptiza esta arte de “informal”, uma designação que se torna genérica para designar toda a pintura marcada pelo gesto que, recusa regras fixas de composição, exige o recurso a um processo de criação espontâneo e tenta exprimir directamente os impulsos do espírito. Georges Mathieu (nascido em 1921) baptiza “abstracção lírica” a sua arte expressiva repousando sobre a sensação directa”.

quinta-feira, novembro 25, 2010

A curadora Raquel Henriques da Silva

Raquel Henriques da Silva curadora da Exposição “Arte Partilhada Millennium BCP, Abstracção”, aborda no catálogo deste evento o início da arte abstracta em Portugal, em especial na pintura.

A Pintura Abstracta em Portugal

Como acontece em todas as culturas nacionais que, por volta de 1900, tiveram Paris como centro de referência, também para Portugal foi o mais internacionalizado dos pintores da primeira metade do séc. XX que realizou os primeiros quadros abstractos. Refiro-me a Amadeo de Souza Cardoso, que viveu e trabalhou em Paris, entre 1906 e 1914, bem relacionado com outros artistas portugueses que fizeram o mesmo percurso de viagem, mas tendo sido o único que depressa procurou ligações mais interessantes para a elaboração de uma obra vanguardista. Assim, foi amigo, entre outros, de Modigliani, de Brancusi, de Sonia e Robert Delaunay, no entanto sem nunca cortar as amarras físicas e afectivas com a paterna Casa de Manhufe, onde regressava muito frequentemente.

Amadeo ansiava ser um artista moderno, mas por aprofundamento dos seus próprios interesses. A sua extraordinária obra, dramaticamente quebrada pela morte súbita aos trinta anos, percorre todas as fases do confronto com a tradição, incluindo o cubismo, o futurismo, o orfismo, o expressionismo, a abstracção e mesmo o dadaísmo, embora, neste caso, sem qualquer influência directa. Mas o artista sempre recusou liminarmente qualquer filiação estilística, mesmo que sem enunciados teóricos que seriam, alias, totalmente estranhos ao seu temperamento. Por isso, as suas pinturas abstractas, datáveis de 1912-14 são experiências entre outras, passageiras como todas, mas, como sempre também, magnificamente resolvidas. Em geral são estudos de formas e de cores que radicalizam temas miméticos, nomeadamente paisagens e naturezas mortas, cujos referentes são, deliberadamente ou não, elididos, na sequência de um conjunto de quadros cubistas.

José Augusto França, o primeiro historiador de Amadeo, considera que a sua pintura abstracta de “fins de 1913” permite pôr a hipótese de ele ter sido, senão o primeiro (nunca será possível abarcar os dados historicamente necessários que de vários quadrantes teriam de vir, de Paris a São Petersburgo, para tal afirmação em absoluto) a realizar a passagem por tal caminho, com certeza, porém, um dos primeiros a inscrever-se nessa situação. O que quer dizer, simplificando a afirmação, que segundo este historiador, Amadeo foi um dos primeiros pintores europeus a praticar a abstracção, facto que me parece incerto, nomeadamente em relação a Kandinsky, mas que terá inscrição no meio Parisiense.

Não sendo este o local para me deter, mais circunstanciadamente, no tema de Amadeo e a Abstracção, interessa apenas relevar que, como é sabido, esta obra fulgurante não teve quaisquer consequências no meio artístico português, onde as questões da vanguarda pictórica estiveram então praticamente ausentes. A sua morte em 1918, quando, terminada a Primeira Guerra, se preparava para regressar a Paris, impediu o desenvolvimento natural de uma carreira muito promissora. Apesar da dedicação de amigos, sobretudo Almada Negreiros, e da sua mulher, Lucie Souza Cardoso, Amadeo nunca foi exposto em Portugal antes da década de cinquenta. Então, depois de uma primeira exposição no Porto, na Galeria Alvarez, em 1959, o SNI (Secretariado Nacional de Informação) realizou uma grande exposição retrospectiva que, no ano anterior, fora apresentada em Paris. Houve reflexões entusiasmadas sobre a “descoberta” contemporânea do genial artista. Cito o artista José Escada que, num pequeno excerto, capta um dos traços mais pertinentes da poética da Abstracção: “Na pintura de Souza Cardoso, como em toda a que surgiu depois (cronológica e esteticamente falando), a natureza não está presente na sua aparência exterior, mas nos seus ritmos e cores essenciais.

Depois de Amadeo, a pintura abstracta só voltará a ser praticada em Portugal na década de trinta. Em 1931, Júlio, um dos pintores que se afirma no Salão dos Independentes de 1930, realiza Pequenos animais sobre a areia, composição abstracta, feita de linhas coloridas com curioso movimento. Trata-se de uma experiência poética, sem consequências na produção desse pintor autodidacta, irmão de José Régio e, também por essa via, muito próximo do ideário da revista Presença (1927-1940), onde se defendia a estética subjectiva e psicologizante como um dos veículos da modernidade literária e plástica.

Na mesma década, o abstraccionismo irrompeu na limitada cena artística portuguesa com inesperado fulgor. Refiro-me à exposição de Maria Helena Vieira da Silva e Arpad Szenes, em Lisboa, na Galeria UP, 1935, dirigida por António Pedro, uma das personagens fundamentais para a actualização da cultura portuguesa desses anos. Neste primeiro período do seu brilhante percurso, Vieira da Silva, vinda de Paris, encontrou na cidade em que nascera o ambiente afectivo e intimista próprio para a sua reflexão pictural. Aqui realiza algumas pinturas que, para todos os historiadores, marcam o arranque da sua estética labiríntica em que a abstracção é o dispositivo da invenção de complexas espacialidades feitas de pequenas formas coloridas. Sendo verdade que a artista não teve então discípulos e que poucos entenderam a radicalidade das suas propostas, mesmo assim ela deve ser evocada, depois de Amadeo, como o segundo elo da história da abstracção em Portugal.

Na década de quarenta, o abstraccionismo foi fazendo o seu caminho, embora quase sempre por vias paralelas. Podem citar-se experiências dos surrealistas que, afastando-se da realidade, não pretendiam criar um universo plástico abstracto e longe dos acidentes da matéria mas, pelo contrário, configurar a pluralidade de mundos nela contidos. Ou os traços peculiares da pintura de Júlio Resende que, no início da sua carreira, compreende que, para contar histórias em pintura, precisava de a libertar dos apertos da forma mimética e das cores previsíveis. Diverso é o caso de Fernando Lanhas que, sem contactos internacionais, elabora o essencial da sua poética, esta sim determinantemente abstracta, num desejo cosmogónico de equivalências entre a vida em todas as suas expressões e os movimentos misteriosos e antiquíssimos do universo.

Finalmente, na década de cinquenta, o abstraccionismo tornou-se uma corrente cada vez mais pujante na arte portuguesa, em consonância com a voga internacional dessa estética, a partir de Paris e de Nova Iorque. Nas suas formulações concretas, encontramos o abstraccionismo geométrico de Lanhas que, no rigor das sua geometrias e no esbatimento das cores, visa sondar os equilíbrios mais secretos entre o homem e o cosmos; o abstraccionismo geométrico também de outro jovem da Escola do Porto, Nadir Afonso, que com objectivos idênticos uma geometria serializada e em espectro cromático feito de cores primárias; mais exuberante foram os pintores, como Vespereira ou Fernando Azevedo, que, vindos do surrealismo, se envolvem numa gestualidade lírica em que o processamento das cores é determinante. Estes e outros artistas foram apresentados pela Galeria de Março, dirigida por José Augusto França, em Lisboa e, a partir de meados da década, por uma série de iniciativas, muitas delas promovidas na Sociedade Nacional de Belas Artes, que, ao longo dos anos sessenta, apoiou e promoveu as novas gerações de artistas, as suas problemáticas e os seus anseios. Ou seja, a arte moderna institucionaliza-se finalmente, reivindicando uma história de modernidade já prestigiada e, a partir de 1957, conseguindo o apoio determinante da recém aparecida Fundação Calouste Gulbenkian. Nesta época brilhante, dotada de novos dinamismos e de costas voltadas para a cultura retrógrada do Estado Novo, o abstraccionismo foi uma das matrizes mais importantes da atitude vanguardista que, além da sua expressão própria, contaminou as poéticas surrealistas e os novos realismos sob o lastro inquestionável de que para fazer pintura é preciso pôr em movimento a energia da sua específica matéria. Este é o contexto em que o crítico José Augusto França propõe o conceito de arte “não figurativa” para abarcar o território crescente de obras que não eram “arte abstracta geométrica”, afirmando:
“Se a «arte abstracta» cria formas como realmente deviam ser num universo lógico, a «não figurativa» dilui as existentes – e particularmente aquelas que os mitos surrealistas propuseram, já por si contrariando as leis naturais, sob uma nova luz onírica”.
Alargando o seu âmbito e diluindo as suas convicções, sendo geométrica, não figurativa ou informal, a arte abstracta não é nenhum dogma para os artistas que a praticam – por vezes a par de outras expressões estéticas – antes uma espécie de compromisso determinante do pintor com a sua vocação. Melhor do que eu, foi o que disse José Almada Negreiros, pintor vindo da geração de Amadeo e, que, por diversas vezes, no final da sua profícua carreira, cruzou o abstraccionismo (pense-se, por exemplo, no extraordinário painel gravado, Começar, 1969, no hall da entrada da Fundação Calouste Gulbenkian):

“Desde a grande janela aberta pelo impressionismo, ao agarrar a luz do cubismo e orfismo até ao abstraccionismo actual, foram-se dando jeitos para a novidade. Em breve fará um século! Nenhuma tradição de arte foi desmentida pela novidade: nós também iremos ver como vemos. O abstraccionismo ou não figurativo não impõe uma visão ao espectador, colabora com a visão, o pensar, o sentir, o olhar deste, evitando-lhe a passividade da admiração pelo alheio, e reconhecendo-lhe a sua legítima maioridade de gente farta de ter atingido a sua maioridade no mental e no sensível. Amanhã, a humanidade inteira surpreender-se-á de ver tudo nitidamente pelo abstraccionismo, como ontem pelo naturalismo”.

terça-feira, novembro 09, 2010

Espelho do Mundo – Uma Nova História da Arte, Julian Bell


Julian Bell, ele próprio pintor, interpreta a arte do ponto de vista do criador, procurando estabelecer uma afinidade entre o espectador e o artista. O seu propósito é o de incentivar o espectador a, antes de mais, olhar a obra de arte e, só depois, equacionar a sua essência e significado. Desafia-nos aqui a olhar a arte enquanto reflexo – espelho – da condição humana.

Espelho do Mundo traça a evolução das artes visuais através do tempo e do espaço, derrubando fronteiras entre tribos, países e religiões, oferecendo-nos uma análise – transversal e intercultural – da diversidade das obras de arte e do modo como estas podem relacionar-se entre si ou mesmo enraizar-se umas nas outras e nos respectivos contextos sociais e políticos.
Os seres humanos contam histórias, e os seres humanos fazem objectos para fascinar os olhos. Por vezes, estas histórias dizem respeito a esses objectos. Este tipo de narrativa, a que se chama história de arte, nasce do desejo de alguém imaginar como seria viver numa outra época, e de se surpreender com o que essas mãos fizeram. Os historiadores de arte procuraram também explicar por que motivo os objectos são feitos de diferentes maneiras, consoante a época e o lugar. É isso que este livro pretende fazer.

Porém um relato deste tipo tem uma dificuldade inerente. Uma obra de arte procura captar e prender a nossa atenção: uma história de arte impele para a frente, desbravando o caminho através dos territórios da imaginação. Numa história de arte de âmbito geral, como esta, a tensão pode ser constante. A cada passo, o narrador e o ouvinte sentirão o desejo de ter um pouco mais e olhar por mais tempo.

Porquê então insistir neste modelo? Vivemos sufocados por imagens. Em todo o mundo, ruas e ecrãs oferecem um amontoado de informação visual diverso e desconexo. Somos confrontados com uma amálgama de citações artísticas – Japão do séc. XIX, França do séc. XIII, Roma do séc. XVI, Austrália aborígene – e seria bom conhecer o vocabulário necessário de onde veio o quê. E também seria bom compreender a sua gramática. Como se relacionam entre si as imagens? Como se enraízam na experiência alheia? O que temos em comum com os seus autores?

Perguntas como estas geram histórias, e não certezas científicas. A história que se segue é contada por alguém, na Inglaterra do início do séc. XXI, que tenta abarcar milénios de confecção de objectos em seis continentes, esperando que, nessa base, o leitor possa continuar as suas próprias histórias. É mais uma introdução geral a objectos e temas da história da arte global do que um conjunto de conclusões acerca delas. Não pretendo definir ou redefinir o que constitui a arte, mas descreve r a sua gama de conteúdos correntemente aceite. O objectivo é mais a amplitude do que a profundidade, a abertura do que o rigor.

Porém, o método desta obra poderia ser considerado relativamente minucioso. A narrativa será urdida em torno de objectos cuja reprodução me parece surtir um bom resultado na página. A arte não se resume a uma questão de imagens compactas e fáceis de enquadrar, embora o leitor possa ter essa impressão aqui. Neste aspecto, tenho de admitir um preconceito pessoal.

Empreendi esta tarefa depois de uma vida inteira a pintar. Como tal tenho o hábito de estar numa sala perante um dado objecto que, espero, venha ater ter uma vida e uma fala própria. Nesta obra, encaro as imagens da mesma maneira: o tipo de arte sobre a qual ela incide é menos o que nos rodeia – um ambiente, edifícios, decoração, utensílios, trajes, adornos – do que aquilo com que nos confrontamos, desde a pintura até às estatuetas e monumentos. A imobilidade de cada imagem introduz outra limitação à discussão.

Ao escrever este relato, trabalhei segundo três regras gerais. Primeiro, se não houver maneira de mostrar uma coisa, mais vale não a referir. Escolher algo como trezentas e cinquenta obras para abarcar a história de arte mundial significa um exercício de equilíbrio difícil. Muitos ficarão decepcionados com o que ficou de fora; outros, aborrecidos por eu citar demasiados nomes, sem lhes dar um rosto. Quando se revelou imprescindível referir o nome de alguma figura ou fenómeno importante que não podem ser ilustrados, optei por uma politica de “parece-se bastante com”. Noutros casos, preferi ignorar o que não posso apresentar.

Segundo, manter a sequência cronológica. Esta directiva vantajosa para o leitor nem sempre se revelou possível em absoluto, pois a análise oscila entre um país e outro, mas espero que isso, se funcionar, dê uma perspectiva dos contrastes de região para região, bem como das afinidades entre culturas.

O meu título, Espelho do Mundo, indicia a terceira das minhas premissas. Entendo a história da arte como uma moldura dentro da qual vemos continuamente reflectida a história universal em toda a sua amplitude – e não como uma janela que se abre para um reino estético independente. Admito que os registos das alterações artísticas estão relacionados com registos de alterações sociais, tecnológicas, politicas e religiosas, por mais invertidos ou reconfigurados que se mostrem estes reflexos.

Os espelhos só podem funcionar com a luz que recebem, embora possam mostrar-nos as coisas de um modo diferente. O meu título indica também o que quero crer – que as obras de arte podem revelar realidades de outro modo invisíveis e actuar como molduras da verdade. Contudo, é sobretudo o modo como são feitos esses objectos, e não o seu estatuto último, que irá dominar a história. A principal razão por que me interesso pela história de arte é o facto de ela parecer tornar-me mais próximo de certas coisas extraordinárias e das pessoas que as fizeram.


Perguntas, confluências

Europa, 1909-1914

Porque na realidade, a arte consiste em objectos elaborados de maneira requintada, não é verdade? Objectos que demonstrem o seu valor intrínseco: não é isso que o mercado procura? Assim, todo o artista deveria criar um nicho para produtos profissionais, fosse qual fosse o seu modo de expressão.

A “imitação da natureza”, essa velha receita europeia para a pintura, deixara de ser relevante.
As doutrinas da “nova era” ganharam ímpeto e maior visibilidade com a chegada do séc. XX. Por volta de 1910, estavam em marcha muitas incursões na música visual pura, na “abstracção”, entre os artistas da Europa Ocidental e Oriental – o Checo Frantisek Kupla e o Lituano Mikalojus Ciurlionis, para mencionar apenas dois. O momento de ruptura de Kandinski, como ele próprio o descreve, ocorreu quando uma noite entrou no estúdio e viu em cima do cavalete uma “imagem da indescritível e incandescente beleza que não representava nenhum objecto identificável”. Não reconhecera uma das suas vibrantes paisagens, que se encontrava virada de lado. Desse momento em diante, deduziu Kandinski, a pintura podia passar sem a representação. A elegância visual que impregna composição VII a sua obra principal de 1913, inspira-se indubitavelmente nos ornamentos folclóricos Russos, com as suas encantadoras cores vivas, não obstante, insistiu ele, todos os elementos ditados pelo espírito, e estavam repletos de intenção simbólica.

O mundo visível não se evaporava simplesmente nesta nova arte. As suas essências haviam sido destiladas e libertadas, como fórmulas com as quais se podia construir um novo universo pictórico. Elas não eram senão aquelas coisas que o olhar adora fazer: reconhecer contrastes, discernir imagens e formas limitadas, vaguear, focar e retorcer, mergulhar nas intensidades da cor, precipitar-se e saltar para o lado. Durante um período concentrado de quatro dias, o pincel de Kandinski agitou-se sobre a enorme tela de 3 metros, com a alegre inocência de uma abelha a explorar uma flor.

Aquém da visão, além da visão
Europa, E.U.A., 1920-1940

Assim pois, esses eram alguns dos rasgos principais do mundo dos artistas depois das traumáticas guerras e revoluções da década de 1910: uma série de novos – e na sua maior parte “mais duros” e mais magros – estilos, de significado aberto. O poder hipnótico do que chegou a conhecer-se como a “industria da cultura”: Hollywood, a publicidade, o fotojornalismo, etc. Os planos progressistas de redução visual; a ideia da revolução de massas defendida pela esquerda; o desejo intransigente de romper com todas as formas anteriores da experiência humana. E em contradições com tudo isto, ou misturando-se com ele, a ânsia de estabilidade, de restauração e de tradição. Nesta parte e nas seguintes farei uma visita aos modos em que uns quantos artistas e grupos se abriram caminho através de todas estas pressões.

Outras iniciativas dos anos vinte reflectiram o construtivismo Russo. Na Holanda, formou-se um grupo de desenho de vanguarda ao redor da revista De Stiff em 1917, enquanto na Alemanha Walter Gropius criou a seminal de desenho progressista e social quando fundou a escola conhecida como a Bauhaus em Weimer em 1912. Em ambos projectos participaram pintores. Piet Mondrian foi um dos membros mais importantes do grupo Holandês; como outros muitos visitantes de Paris dos anos dez, este paisagista e teosofo havia-se inspirado nos experimentos dos cubistas. Do que havia feito Picasso e Braque sugeria um podia analisar sistematicamente as pistas que nos dava a visão. Se dispôs a recortar os componentes das imagens das suas paisagens tal como Brancusi recortava suas figuras, e com intenção parecida: quanto mais perto se está da simplicidade, mais se aproxima de um ideal espiritual. Em 1920, ficou-se com uma gramática de signos absolutamente mínima: linhas verticais, linhas horizontais e cores primárias. A sequência de explorações que o levou a esta abstracção parecia proceder com uma lógica redutora inexorável.

Piet Mondrian, Composição I: com vermelho,negro, azul e amarelo de 1921


A partir desse momento o único caminho para a frente consistia em começar a construir de novo. Na Composição I: com vermelho, negro, azul e amarelo de 1921, Mondrian pedia ao olho que se centrara na sua própria capacidade para julgar as relações e os equilíbrios, e em seu próprio desejo de claridade. Inicialmente, o exercício parece vigoroso, refrescante, deslumbrantemente frio (ressurge esse velho gosto Holandês pela austeridade que vimos anteriormente em Vermeer). E logo astutamente, começa a conquistar. O rectângulo fechado no centro e seu primo maior no canto superior esquerdo dirigem a dança dos espaços, e tudo parece girar à sua volta, como se estivessem catalisando uma reacção química, uma explosão de ordem. Os vermelhos, negros e amarelos abrem-se ao mundo mais além do bordo do quadro, projectando o meio redesenhado que lhe gostava sonhar a De Stijl fazia os espaços indefinidos que estão fora. Talvez a abstracção fosse na realidade um paralelismo recém-criado com a pintura figurativa, um modo mais potente de induzir ilusões.

A Bauhaus, na Alemanha, pretendia conseguir uma honestidade progressista e estabeleceu normas para um desenho de linhas limpas, ergonómicamente eficiente que seria imitado em todo o mundo. No entanto a sua história interna, ao longo de 12 anos de funcionamento e das mudanças de localização, oscilou por causa das tormentosas tensões entre a série de carismáticos inovadores que ali se encontravam. Um deles foi Vasily Kandinsky, que se uniu a eles com um amigo que havia conhecido em Munique anteriormente à guerra, Paul Klee. Klee – uma presença seca e obstinada o pessoal – levou a cabo uma honrada investigação visual de enormes implicações. Daria às aspirações democráticas da escola um nível totalmente novo de superação.


Paul Klee, Máquina de Chilrear de 1922


Como Kandinsky, a Klee interessava-lhe relacionar a pintura com a música, mas trouxe uma inteligência mais analítica ao tema. Tal como Mondrian, Klee separava e isolava os componentes fundamentais da realização de uma pintura. Mas nas suas mãos convertiam-se numa caixa de joguetes. Jogava, testando muitas coisas sem limites. Nos seus desenhos e aguarelas, o pensamento lógico académico estendia uma mão e comungava com as anomalias da imaginação solitária que descobria dignidade nos rabiscos e um poder ressonante no frágil e no trémulo. As investigações de Klee iam a par com as da psicologia, que era uma ciência em expansão. A partir de 1900 em diante, os investigadores haviam aberto os olhos à arte infantil e dos doentes mentais. Uma espécie de empatia recorre o encanto louco de um experimento a caneta e aguarela como a Máquina de Chilrear; em certo sentido, qualquer um que se arrisque a pôr a sua imaginação sobre o papel, quer seja habilidoso ou não, está arriscando-se ao absurdo. O título contem o que Klee se havia encontrado a si mesmo fazendo: um aparelho geométrico que floresce organicamente, estalando numa canção. De facto, esta folha de 1922 instala-se com uma reciprocidade entre o duro e o mole que havia começado a ressonar através do campo da arte “avançada”. É um eco inocente do trabalho mestre muito mais amplo, infinitamente mais frio do absurdo sexual mecânico a que Duchamp dedicou a sua ingenuidade entre 1915 e 1923, o chamado Grande Vidro, um dos grandes buracos negros que tudo absorve da interpretação da arte moderna.


Mondrian e Klee, com o seu desejo de reeducar o olhar, parecem pôr em dúvida toda a possibilidade de pintar com base na observação

domingo, novembro 07, 2010

Historia del arte universal de los siglos XIX y XX


A Abstracção vai ser definitivamente a grande conquista da escultura do séc. XX. A arte abstracta, sem significado concreto, plasmado tridimensionalmente, que permite a sua contemplação total, em redor, em todas as suas facetas e perspectivas, girando sobre seu próprio eixo, vai permitir à escultura desenvolver-se numa variedade de formas e possibilidades plena e frutífera – exceptuando a da cor, que será substituída pelo tipo de material, ainda que em determinados casos a pintura se aplica à escultura como terminação. A escultura abstracta, muito similar aos módulos arquitectónicos do séc. XX, mas sem a sua funcionalidade e dimensões, a escala é muito menor, conquista também o espaço a base da conjugação de módulos e elementos de predomínio geométrico, com densidades, desenhos e volumes ligados, concatenados, que vão mostrar o próprio valor material solidificado, fixando-se no vazio, adensando o ar, instalando-se no âmbito espacial alegoricamente, do mesmo modo que a pintura se adere ao lenço. Resulta, assim, uma escultura sugestiva plena de força e atracção, eminentemente táctil, urdida com materiais metálicos, orgânicos ou inorgânicos.

Em suma, para Ana Maria Preckler, a escultura do séc. XX resulta muito rica e variada, de uma grande fecundidade e criatividade, seguindo as vanguardas, encontra caminhos próprios, como o da abstracção, onde encontra e realiza a sua maioridade, numa total e absoluta plenitude.


A Segunda Metade do séc. XX


A Escultura Abstracta

A abstracção foi a grande conquista do séc. XX, os movimentos que constituíram as vanguardas históricas trouxeram a máxima criação, originalidade, e inovação artística, alterando todas as suas estruturas, procedendo à destruição moral da arte tradicional e a sua incrível reinvenção. Partindo do Impressionismo, o Neo-Impressionismo e o Pós-Impressionismo, que foram os pilares em que assentou a impressionante mudança artística, este conjunto de movimentos vanguardistas havia-se desligado e formulado no Fauvismo e sua anti-convencional variedade de cores; no Cubismo, e ruptura fragmentada da realidade concreta; no Futurismo, que plasmou a sequência, a dinâmica e o movimento; no Expressionismo, que logrou imprimir o espírito do homem; no Dadaísmo, que mitificou o absurdo e o objecto do desejo; no Surrealismo, que interpretou o subconsciente à maneira pictórica, e na Abstracção, que rompeu ainda mais.

Louise Bourgeois (1911-)

Oriunda de França, Louise Bourgeois é Norte Americana de nacionalidade, país a que chegou no ano 1938. A sua formação artística acontece em Paris, sua terra natal, na Escola do Louvre, a Academia de Belas Artes e a Academia Julian. Começa seus trabalhos no campo da pintura para chegar na década dos quarenta à escultura, na qual desenrola sua autêntica vocação, adquirindo grande fama no seu país adoptivo. O seu estilo evolui desde a escultura alargada, com notas surreais, preferencialmente em madeira pintada, até às formas inconcretas, antropomórficas e informes, em matérias mais sólidas como o bronze e a pedra, em que dá rédea solta à sua imaginação e fantasia. Da sua primeira produção: Spring, 1946-48, bronze pintado em branco, alargamento, formas bolbosas e Sleeping Figure, 1950, em madeira, primitiva, semiabstracta.

Richard Serra (1939-)

Escultor abstracto Norte Americano muito próximo da arte minimal pela grandiosidade de suas composições, em que geralmente integra a escultura no meio que a rodeia, convertendo-a numa parte mais da arquitectura ou da natureza em que ela se encontra. Na sua produção, utiliza materiais industriais, destacamos: Right Angle, 1969, da sua série Prop, lamina quadrangular em construção vertical, no terraço de uma parede, em cujo centro se justapõe uma fita em ângulo recto com bordas arredondadas.

Max Bill (1908-1994)

Arquitecto, pintor e escultor abstracto, Max Bill nasce na Suíça e estuda primeiramente em Zurich, na Escola de Artes e Ofícios e logo de seguida na Bauhaus Alemã de Dessau, onde se relaciona com Gropius, Moholy-Nagy, Kandinsky, Klee e Albers, recebendo a sua influência racionalista. Também tem relação com o Neoplasticismo Holandês através de Mondrian e Vantongerloo, pertencendo ao grupo “Abstracção-Criação” de Paris, no qual se foca toda a sua trajectória artística até à abstracção geométrica construtivista. É considerado um dos pioneiros da abstracção escultórica, que executa com grande liberdade e sem atender a rígidos esquemas estruturais, utilizando o movimento e a linha curva em algumas esculturas. Em 1951 obtêm o Prémio de Escultura da Bienal de São Paulo. Entre suas esculturas se destacam: Endless Loop, 1947-49, forma tubular ondulada, simples e elegante.

Escultura Minimal

A Arte Minimal foi uma forma escultórica e pictórica de abstracção geométrica de tipo monumental que apesar da sua principal condição de escultura pode contemplar-se com seus autores dentro da secção das Últimas Tendências da Arte Contemporânea no contexto geral da pintura, já que nestas correntes de tendências extremas e últimas se produz uma indiferenciação entre os géneros.

A Escultura Abstracta em Espanha

Como sucede com a pintura abstracta, em Espanha produz-se uma autêntica eclosão de escultores dentro da corrente, alguns dos quais podem-se qualificar de extraordinários. Só Espanha podia preencher por si só as páginas da história da abstracção pictórica e escultórica, tal é a sua riqueza, variedade e originalidade; não admira os princípios cubistas picassianos foram as origens da Abstracção, mas também a própria impressão hispânica, a força da raça, a fecunda veia artística espanhola acumulada durante séculos que plasmou já no século XX, em praticamente todos os estilos e vanguardas, uma arte distintiva. Na escultura abstracta da segunda metade do século não há apenas escolas, apenas figuras individuais independentes que se destacam por elas mesmas, e surpreende pela quantidade de formas e estilos diferentes que cada um de estes artistas pode dar a uma arte única como a abstracta, tão árida e austera às vezes.

Alguns dos escultores abstractos mais significativos das gerações que acontecem na segunda metade do século, como mostra de dois tipos de escultura abstracta: a correspondente à primeira geração de escultores abstractos, com artistas que nascem no primeiro terço do século, e obras em que a matéria e a forma seguem todavia a tradição escultórica, mudando da natureza figurativa para a abstracta; e a escultura da segunda geração, cujos artífices nascem no segundo terço do século, na qual a matéria se multiplica, introduzindo novidades e combinações de todo o tipo de elementos (com abundância de materiais orgânicos), e a forma expande-se no espaço, rompendo a unidade formal anterior, fazendo umas vezes arquitectura, outras vezes suspensões aéreas, outras instalações de grande complexidade cujas peças se expandem pelo solo, e algumas outras morfologias da natureza inconcreta, pseudo-organica, numa grande versatilidade e variedade imaginativa.


Jorge Oteiza Enbil (Orio, Gipuzkoa, 1908 – Donostia, Gipuzkoa, 2003) foi um famoso escultor, desenhador, pintor e escritor basco, nascido na região de Navarra.

Modernista declarado, publicou em 1962 o livro Quosque tandem, o qual tratava da arte pré-histórica no País Basco, período no qual muito se inspirou.

De grande importância para Espanha e, essencialmente para o País Basco, as suas obras podem ser vistas nos melhores museus do seu país e da Europa. A Desordenação do Espaço, por exemplo, uma das suas obras mais conhecidas, encontra-se actualmente exposta no Museu Nacional Centro de Arte Reina Sofia.

No seu inicio, Oteiza efectua trabalhos figurativos em que se percebe a influência de Henry Moore, para a partir da sua volta a Espanha introduz-se por completo na senda da abstracção geométrica, com uma criação pessoal livre, influenciado pelo Mestre do Suprematismo, Malevitch.


Pablo Palazuelo de la Peña (Madrid, 6 de Outubro de 1916 - Galapagar, Madrid; 3 de Outubro de 2007)

Palzuelo, outro grande da escultura abstracta geométrica, que inscreve a sua obra, de grande beleza de linhas e modelagem, dentro do mais avançado e poético do género. As linhas geométricas limpas, elegantes e suaves, finamente traçadas, de grande modernidade e beleza de desenho; as figuras geométricas elementares forjadas em pranchas metálicas laminares, com ângulos, planos, cortes e encontros de grande simplicidade e jogos de luz e sombra; as lâminas suavemente curvadas e os módulos em L; A intercepção de planos encontrados, são algumas das notas predominantes da sua obra escultórica.


Eduardo Chillida (San Sebastián, 10 de Janeiro de 1924 – San Sebastián, 19 de Agosto de 2002) foi um dos mais famosos escultores e gravuristas modernistas espanhóis. Junto com Jorge Oteiza, Chillida é considerado o escultor com mais destaque no século XX.

Seguidor da tradição de Pablo Picasso, após abandonar os estudos, ingressa num curso de desenho e começa, enfim, a esculpir ferro.

Em 1948 muda-se para Paris, onde se tornou amigo de Pablo Palazuelo, que o influenciou profundamente na sua carreira artística, concedendo-lhe o gosto pelo abstraccionismo.

Chillida aplica a abstracção escultórica a máxima força, robustez, expressão e estruturação livre, e em contraste, a máxima formosura, delicadeza e poesia, que introduz já desde o seu começo nos seus belos títulos. As grandes estruturas de Chillida, cheias de aprumo e solidez, insurgem-se no espaço como volumes de liberdade, solidificados ao abraço com o ar. As suas construções, nunca rígidas na sua forma, sempre livres e movidas no seu desenho linear, alternam as composições geométricas de rectas e curvas, projectando-se no vazio e alterando todas as leis da gravidade, com a ousadia do escultor poeta que no seu desejo de sublimar a matéria, faze-la leve, chega a roçar o intangível. Chillida é um dos maiores escultores abstractos hispânicos, despontando só na sua escalada para o impossível, possui na sua obra muito da poesia, de uma poesia que se poderia ligar com o poeta Alemão do sublime e do impossível que foi Rainer Maria Rilke, e muito da musicalidade que compusera outro Alemão soberbo, Bach, com o qual o escultor se identifica, assim como possui muito do pensamento, talvez pela sua atracção por Goethe e por Heidegger.

No início da sua carreira costumava utilizar materiais como a madeira e o ferro. Porém, quando começa a explorar a arte abstracta, começa a interessar-se por materiais mais diversos como a pedra e a luz.

Seis anos mais tarde, realiza a sua primeira exposição individual, sendo esta a primeira mostra de escultura abstracta realizada em Espanha. Após esta exposição, é convidado pelo arquitecto Ramón Vázquez Molezún para participar na Trienal de Arte de Milão, em Itália, recebendo seguidamente, o Diploma de Honor.

Participou, em 1959, na segunda Documenta de Kassel.

Na década de 1970, Chillida dedica-se a observar a Natureza em busca de informação sobre as formas e cores das plantas e de inspiração, e, a partir da década de 1980, passa a conciliar a sua arte com espaços naturais e, minoritariamente, urbanos.

Em 1987, torna-se académico da Real Academia de Belas-Artes de São Fernando e, dois anos antes da sua morte, concretiza um dos seus sonhos, inaugurando um museu dedicado a si próprio, o Museu Chillida-Leku.

domingo, outubro 24, 2010

O Estado Novo e a Arte



O volume agora publicado constitui uma versão muito abreviada da dissertação de doutoramento, igualmente intitulada O Poder da Arte: O Estado Novo e a Cidade Universitária de Coimbra, da autoria de Nuno Rosmaninho.


Este livro integra a arte do Estado Novo no âmbito da dos regimes autoritários e totalitários e verifica se esse confronto tornava mais compreensível a Cidade Universitária de Coimbra. A generalidade dos estudos sobre a arte nos regimes autoritários e totalitários valoriza as relações com o poder político, em particular o processo de sujeição ideológica. O fenómeno de politização da arte supõe a concessão (ou o reconhecimento) do elevado poder de endoutrinamento da arte.
Existe uma arte totalitária?


Apesar dos estudos académicos realizados a partir dos anos sessenta e setenta terem configurado a arte dos regimes totalitários como tema de investigação, a queda do Muro de Berlim, em 1989, facilitou o seu surgimento aos olhos do público, para isso contribuindo mais de uma dúzia de exposições realizadas durante a década de noventa, entre as quais se destaca Arte e Poder: a Europa sob os ditadores (XXIII Exposição do Conselho da Europa; Londres, Barcelona e Berlim, 1996). A falência dos regimes comunistas foi acompanhada pela destruição dos símbolos artísticos do passado, sobretudo a estatutária, mas permitiu, ao mesmo tempo, observá-los com maior distanciamento.


A generalidade dos autores, reconhecendo a existência de similitudes artísticas entre os diversos regimes autoritários e totalitários, divide-se quanto à pertinência da expressão arte totalitária. Igor Golomstock escolheu-a para título de um livro acerca da União Soviética, da Alemanha, da Itália e da China, elevando-a “a segundo estilo internacional da cultura contemporânea”, depois do modernismo. E Sigmum Paas estendeu as similitudes arquitectónicas à Áustria, Suíça, Espanha, Portugal e Europa de Leste. Outros estudiosos, contudo, mais sensíveis às diferenças entre os países ou à diversidade interna de cada um deles, preferem falar de “arte sob os totalitarismos”. Para estes a diversidade estilística patente nos regimes nazi e estalinista, por exemplo, contraria tal conceito. Mas para os que defendem a existência de uma “arte totalitária” as semelhanças suplantam as diferenças, não sendo estas mais do que o resultado de naturais especificidades culturais. Sem tomar partido, Toby Clark enumerou os dois aspectos de modo que parece acentuar as similitudes: tanto o realismo socialista como a arte nazi emergiram nos anos trinta, idealizaram os operários e camponeses, alimentaram o culto dos chefes e reconheceram a um estilo fácil de apreender. Ambos os regimes acabaram por adoptar uma arquitectura monumental, uma escultura heróica e uma linha académica na pintura, na música e na literatura.


Não está no nosso espírito, por exemplo, sugerir uma identidade estrita entre as artes nazi e estalinista. Em contrapartida, parece-nos inequívoca uma proximidade, que pode ser medida:
1º pela supremacia dos objectivos políticos e propagandistas;
2º pelo apertado controlo da arte e dos artistas exercido pelo Estado;
3º pela tendência para recusar as vanguardas em benefício do classicismo monumental, do ecletismo historicista e da expressão pseudo-vernácula, na arquitectura, e de um naturalismo académico, na pintura e escultura.


É neste sentido que adoptamos a expressão “arte totalitária”, mesmo reconhecendo os dilemas postos pelo conceito de “totalitarismo”. Extraindo dele a acepção que melhor descreve o fenómeno artístico, diríamos que a “arte totalitária” reflecte, num grau quase limite, a intervenção do Estado. Mas como exercício do poder nunca é, por definição, total, devemos evitar qualquer absolutização conceitual.


O cerne do problema que estamos aqui tratando é a dimensão política da arte, e não se reduz, como é evidente, ao período de entre as duas guerras. A aproximação entre a arte e a política é muito antiga.


Uma vez que a unidade da “arte totalitária” radica nos seus objectivos políticos, é fundamental não se restringir aos aspectos formais. É o programa político e ideológico que lhe confere mais inteligibilidade. De outro modo, como entender o surgimento de uma arquitectura clássica monumental, tanto nos E.U.A. como na Alemanha nazi? E como explicar que esse classicismo, que na Alemanha representava um sistema político totalitário, exprimisse nos Estados Unidos, desde Thomas Jefferson, a própria democracia?


O conceito de “arte totalitária” permite ultrapassar um quadro cronológico rígido e situar com nitidez formulações teóricas e até alguma actividade partidária. É o caso do Partido Comunista Francês do pós-guerra, em cujas orientações artísticas se detectam princípios importantes na União Soviética. A valorização dos conteúdos políticos conduziu, na pintura, ao primado do tema sobre a forma e à defesa da univocidade da mensagem, ao rigoroso controlo partidário e à imposição do realismo socialista; à hierarquização dos géneros, com predomínio do retrato e da pintura histórica.


A preponderância do elemento constitui o traço dominante da “arte totalitária”. O Estado arroga-se o direito de interferir na actividade, condicionando o mercado, a estética e a mensagem expressa. O próprio Hitler afirmou que, nos seus edifícios, apresentava ao povo uma “vontade de ordem, expressa em signos visíveis”. No limite, a arte apresenta-se como “um suporte passivo do político”, ao ponto de apagar a identidade do criador, como refere André Gunthert. Os pintores que se encontram ao serviço do Marechal Pétain aceitaram anular a individualidade para melhor executarem a hagiografia do poder. No pólo contrário, a arte da Resistência adoptou igualmente o registo propagandista e a simplificação estilística. O juízo estético chega a ser substituído pelo julgamento político. O direito de o estado intervir nos assuntos estéticos transformou-se rapidamente em dever, sob a alegação de que estava em causa o interesse nacional. A política, predominando sobre toda a actividade social, devia determinar também a arte. Com este raciocínio, valoriza-se não tanto a capacidade crítica dos líderes, mas sobretudo o seu discernimento político e ideológico. Mas daqui resultou, na Alemanha nazi, a afirmação da infalibilidade estética de Hitler, exarada por Adolf Ziengler na abertura da Exposição de Arte Degenerada, em 1937. Só ele estaria em condições de mostrar o caminho para a arte Alemã. Em 1939, Marcello Piacentini reconheceu no extraordinário desenvolvimento arquitectónico nazi um importante significado político e artístico, unindo assim os dois aspectos que alguns estudiosos se esforçam por separar.


Num debate acerca da existência de uma “arte totalitária”, além dos aspectos estilísticos, é, portanto, decisiva a sua inserção no aparelho político e cultural totalitário e a percepção da sua função ideológica e propagandística. No contexto dos Estados liberais, a propaganda oficial apresenta um carácter episódico, relacionado com o esforço de guerra. A criação pioneira de um Departamento de Propaganda de Inglaterra, em 1917, traduz uma forma de combate que terminou com o fim da guerra. França e Estados Unidos organizaram também os seus serviços no âmbito do esforço de guerra. Foi com os regimes ditatoriais surgidos nos anos vinte e trinta que propaganda se converteu numa poderosa e permanente máquina de endoutrinamento, abrangendo a imprensa, a música, a arquitectura, as artes plásticas, o cinema e a rádio. A função ideológica e propagandística não constitui um aspecto secundário da arte totalitária, mas o seu verdadeiro nó górdio. Apenas ela torna inteligíveis os enormes investimentos culturais. Os dirigentes acreditavam poder moldar a sociedade através dela, mas tal desiderato exigia um férreo controlo político, bem expresso nos seus objectivos em que Mao Tse Tung encerrou a arte (1956):
- “a arte deverá fortalecer a unidade de uma nação chinesa constituída por numerosos povos;”
- “contribuir para a construção do socialismo;”
- “reforçar a ditadura democrática popular;”
- “reforçar o centralismo democrático;”
- “reforçar a direcção do partido comunista;”
- “permitir o estabelecimento da solidariedade socialista internacional, bem como da solidariedade dos povos pacifistas do mundo inteiro.”


Assim, compreende-se que a arte totalitária exprime de forma manifesta, tanto no estilo como no enunciado, as três características básicas de uma propaganda eficaz: simplicidade, força e concentração.


O controlo da arte e dos artistas


A “arte totalitária” formou-se por oposição ao modernismo, acusado de esteticamente repelente e de politicamente subversivo, mas a ideia de expor a arte considerada de mau gosto, para a educação do público e vergonha dos artistas, não nasceu com o nazismo. A implantação dos totalitarismos coincidiu com a radicalização do fenómeno, de nítidas raízes políticas. Assim, enquanto se processa um movimento antimoderno na União Soviética a partir do final da década de vinte, na Alemanha após 1933 e em Itália poucos anos depois, a Suécia, a Finlândia, os estados Unidos e a América Latina, prosseguiram o desenvolvimento do modernismo.


Na fase inicial do lançamento do aparelho de controlo, a Alemanha mobilizou-se contra as correntes artísticas consideradas “degeneradas”, excluindo dos museus dezasseis mil obras que, depois de confiscadas, foram queimadas ou vendidas no estrangeiro. As razões apresentadas, de natureza estética, política, racial e nacionalista, têm paralelo na União Soviética, que também empreendeu uma campanha contra os formalismos cubista, dadaista, futurista, impressionista e expressionista, “arte de decomposição e putrefacção”. Mas o que na Alemanha demorou apenas quatro anos a realizar-se, prolongou-se na União Soviética por mais de duas décadas. Seguir as correntes modernas correspondeu a praticar um crime contra o Estado e a sujeitar-se a uma sanção penal. Muitos artistas alemães emigraram para o Ocidente, enquanto outros, refugiados na União Soviética, acabaram por morrer nos campos de concentração onde também desapareceram artistas russos recalcitrantes.


Sob a influência soviética, desenvolveu-se na China uma cultura totalitária exemplar. Para reduzir a arte à sua função política, Mao Tse Tung criou um aparelho cultural similar ao soviético e ao germânico. Fundou a Associação dos Trabalhadores de Arte e de Literatura (Junho de 1949) que, reunidos em congresso criaram uma federação estruturalmente mais próxima da Câmara de Cultura do Reich do que dos sindicatos soviéticos. A inscrição obrigatória de todos os artistas nesta federação, o sistema estatal de recompensas (títulos académicos e prémios) e a instauração de uma apertada censura artística foram os passos seguintes. O terror cultural chinês aplicou-se com flutuações durante a segunda metade do século XX, conhecendo um brutal recrudescimento em 1966, durante a chamada “revolução cultural”. Milhares de escritores e de artistas foram então deportados para campos de trabalho ou sujeitos à humilhação pública.


A máquina cultural de Mussolini reflectiu a tardia adopção de um modelo artístico oficial. Apesar da criação de uma academia em 1926 e de um sindicato nacional das artes plásticas no ano seguinte, este último com direito de veto sobre a nomeação de artistas para cargos de natureza cultural, só em 1937 é que começou a funcionar segundo a lógica totalitária. Determinado talvez pelo novo desígnio imperial italiano e pelo reforço do classicismo monumental (correlacionado com a quebra do modernismo e a provável influência germânica), o regime acabou por pender para o monumentalismo, forma privilegiada de invocar a grandeza romana.


Arte e identidade nacional


A ideia de uma arte nacional, surgida com o movimento romântico, adensou-se nos regimes autoritários e totalitários. O que particularmente caracteriza os regimes autoritários e totalitários é a imposição de um discurso estético onde, a par da afirmação do poder do Estado, sobressaem tópicos identitários tão poderosos quanto vagos: romanidade, italianidade e mediaterraneidade, em Itália; nordicidade e arianismo, na Alemanha; herrerianismo, em Espanha; classicismo proletário, na União Soviética; e reaportuguesamento e tradição, no caso Português.


Arte autoritária ou totalitarismo incompleto?


O apelo totalitário


A institucionalização do Estado Novo e a difusão dos seus princípios originou, no campo artístico, um debate polarizado em várias questões: Devia o novo regime controlar a actividade artística? De que modo? Pela regulamentação estrita ou pela propaganda e persuasão? Devia adoptar uma corrente oficial? Cabia-lhe combater o modernismo ou simplesmente desfavorecê-lo? Estas questões, actuais no plano europeu, obtiveram respostas muito diversas em Portugal ao longo dos anos trinta. A reacção tradicionalista, assente em preconceitos políticos e em normas de bom gosto e até de bom senso, criou condições par o surgimento de uma “arte do regime”, exemplarmente reclamada por Portela Júnior, em 1936, na sequência de uma viagem de estudo ao estrangeiro, realizada três anos antes, como bolseiro da Junta Nacional da educação:


“cumpre ao Estado o direito e o dever de não perder oportunidade de intervir por intermédio dos seus organismos idóneos sempre que se pretende imprimir um carácter oficial a qualquer demonstração artística. Impõe-se a formação duma nova mentalidade artística conjugada neste sentido sob a influência da acção disciplinadora do Estado.”


Portela Júnior apontava, deste modo, para um enquadramento totalitário da actividade artística, cuja máxima expressão ocorreu sob os regimes nazi e estalinista. Em Portugal, a “acção disciplinadora do Estado” foi facilitada pela aproximação voluntária de uma parte dos artistas plásticos, mas a rigorosa imposição de uma “arte oficial” (através da exclusão e da perseguição dos artistas plásticos “degenerados” e de um apertado controlo estético da arquitectura) ficou por alcançar, mesmo no seio do aparelho político. A função propagandística atribuída à arte por Salazar, sem dúvida considerável, ficou muito aquém da que se verificou naqueles regimes.


Hitler afirmou num congresso do Partido Nacional Socialista, em Nuremberga, em 1935, que, pertencendo a arte ao povo, não podia tornar-se o luxo de alguns. Afirmação semelhante proferia Lenine quinze anos antes, acentuando a necessidade de, em conformidade com aquele princípio, a arte ser compreendida por todos. Esta ideia teve como corolário lógico o investimento maciço em propaganda, à qual a arte se subordinava. Nesta conformidade, a dotação financeira do Ministério da Propaganda e da Cultura da Alemanha, em 1937, ultrapassou a do próprio Ministério dos negócios estrangeiros.


Ao invés Salazar, questionado em 1933 sobre os apoios concedidos pelo Estado Novo, ao fomento artístico, desculpou-se do fraco investimento com uma curiosa metáfora, que relegava a arte para o campo das coisas superficiais: não se pode pedir a um pobre sem camisa que vista sobrecasaca.


A Exposição do Mundo Português patenteava uma notória uniformidade estética. Tornava-se assim oportuno discutir a possibilidade e a conveniência de uma “arte política” e a importância da liberdade criativa.


Parece evidente que os apelos mais insistentes para uma intervenção estatal coincidiram com a ascensão dos regimes nazi e fascista. Depois da II Guerra Mundial, a liberdade criativa retomou o seu estatuto indiscutível, apesar de, através das inúmeras encomendas, o Estado continuar a agir sobre a expressão artística. Os arquitectos presentes no Congresso de 1948 repudiaram, quase unanimemente, “quaisquer imposições de estilos ou feições tradicionais”.


A intromissão do Estado


Apesar de evidentes intromissões do Estado na expressão artística, alguns autores, sem recusar esse facto, preferem acentuar o papel livremente desempenhado por arquitectos e artistas plásticos na imposição de um estilo. Nuno Portas defende que o “monumentalismo de estafe”da Exposição do Mundo Português foi “concebido, ao que consta, com entusiasmo (em vez de submissão ou vergonha, como se chegou a fazer crer)”.


A influência que o Estado Novo manteve, enquanto encomendante, na feição estética e política da escultura parece indiscutível, embora nem sempre fácil de definir. Gustavo Bastos, conhecedor directo dessa realidade, considera que ela estava bem presente no espírito do artista como condição fundamental para obter trabalho. Em entrevista concedida naquele mesmo ano, Vasco Pereira da Conceição lamentou a “péssima distribuição de trabalhos de escultura realizada pelo Estado. Na sua opinião, estas circunstâncias induziram nos artistas uma atitude de subserviência política e estética. Em face das escassíssimas encomendas privadas, os pintores e os escultores inclinavam-se, por razões económicas, perante o que se pode designar uma estética oficial. Assim, não surpreende que existia no Arquivo Histórico do Ministério da Justiça, como provavelmente noutros ministérios, uma pasta com pedidos de trabalho de escultores, formulados em “tom de súplica”, nos anos de 1955 a 1973, aproximadamente.


No imediato pós-guerra, a acentuação do combate político repercutiu-se na arte. O Estado Novo, que procurara promover as correntes do seu agrado, encetou medidas repressivas esporádicas. Em 1947, investiu sobre a 2ª Exposição Geral de Artes Plásticas, organizada pelo sector intelectual do Movimento de Unidade Democrática em alternativa aos salões de SNI. Obedecendo às ordens do ministro do interior, Augusto Cancela de Abreu, a polícia apressou-se a apreender obras de Mário Dionísio, Júlio Pomar, Rui Pimental, Avelino Cunhal, Maria Keil, Louro de Almeida, Nuno Tavares e Manuel Ribeiro de Paiva. No mesmo ano destruiu o fresco de Júlio Pomar no Cinema Batalha, do Porto. E no ano seguinte impôs a censura prévia aos quadros expostos naquele certame, recusada pelos surrealistas, que preferiram abster-se de expor e organizar a Exposição Surrealista em Janeiro de 1949.