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quarta-feira, fevereiro 16, 2011

Galleria il Milione

Em 1930, Mari Pier Bardi transferiu-se para Roma e deixou o legado da Galeria a Peppino Ghiringhelli em frente à Pinacoteca de Brera.

Pepino e seu irmão Gino deram vida a um programa e juntos com Edoardo Persico fundaram a Galeria Il Milione.

O principal propósito da Galeria Il Milione era dar a conhecer os artistas como Sironi e Morandi, De Chirico, Melotti, Fontana, o grupo dos abstractos (Soldati, Rho, Radice, Reggiani, Ghiringhelli e Bogliardi).

Gino Ghiringelli, protagonista indiscutível, mostrou as pinturas dos nossos artistas metidas nos armazéns de Leonce Rosenberg, revelou os futuristas e as obras de Matisse, Rouault, Kandinsky e Wolfs.

A Amizade com Morandi, Licini e Sironi determinou a afirmação dos valores da arte italiana destas acções podem-se ver no Quadrante, que a Milione publicou sob a direcção de Bontempelli e Bardi, participaram Terragni, Figini, Polini e outros arquitectos que seguiram a controvérsia sobre a nova arquitectura, ao lado de pintores como Birolli e a escultores como Melotti e Fontana.

Gino era um espírito livre, corajoso, sem fanatismo. E assim foi, quando as bombas destruíram Il Milione, que foi reconstruída na Via Manzoni e, passada a tempestade da guerra, na Via Sant’Andrea com a Galeria Camino.

Finalmente na Via Bigli, Gino com Peppino dedicaram-se à publicação, com Lívio e Ceroni, deram vida à mais sólida galeria italiana com reputação internacional. Uma obra gigantesca.

Após as actividades no período pós-guerra com a Galeria Camino, superadas as incertezas do período da guerra, Il Millione da Via Sant'Andrea interessou-se pelo desenvolvimento da arte italiana e europeia. Em 1949, Gino Ghiringhelli propõe uma grande exposição de Picasso, seguir-se-á a memorável exibição de Wols. Depois surgirá a mostra de outro pintor da nova geração, Morlotti, que tinha vivido em Paris e na curta experiência amadurecera os ensinamentos de Picasso.

Naqueles anos realizaram as exposições de Birolli, Matta, Klein e Chagall.

Mas já nascia o seu interesse pelos jovens artistas, expuseram nos anos 50 Romiti e Vacchi, Ajmorne e Chighine, Fasce e Brunori, Ruggeri, Carmassi, Bionda e o jovem Guttuso que realizou a sua primeira exposição individual. Além de escultores mais velhos como Martini, Fontana, Marini e Manzo, outros se sucederam como Mirko, Minguzzi, Negri, Milani, Fabbri.

Quanto aos estrangeiros recordamos as exposições de Rufino Tamayo e Baumeister.

Em 1964,com a morte de Gino Ghiringhelli, a actividade da galeria contínua, com exposições históricas. Para citar algumas: Milani, Feninger, Chighine, Fasce, o jovem Olivieri e Folon.

Na década de 70 são organizadas as primeiras exposições de Pintura Analítica com Griffa, Olivieri, Pineli e Verna. São também os anos das mostras de Dorazio e Turcano, às quais se seguiram as exposições nos anos 80 de San Filippo, Carla Accardi, Salvo e Stefanoni.

sexta-feira, fevereiro 11, 2011

Bauhaus



A Staatliches-Bauhaus (literalmente, casa estatal da construção, mais conhecida simplesmente por Bauhaus) foi uma escola de design, artes plásticas e arquitectura de vanguarda que funcionou entre 1919 e 1933 na Alemanha. A Bauhaus foi uma das maiores e mais importantes expressões do que é chamado Modernismo no design e na arquitectura, sendo a primeira escola de design do mundo.


Como nenhuma outra instituição na Alemanha, a Bauhaus representa a idade moderna no século 20. O património cultural da Bauhaus é preservado na Alemanha por três instituições, que estão localizados em locais históricos. A Bauhaus-Archiv / Museu für Gestaltung, em Berlim, a Bauhaus Dessau e a Fundação dos Clássicos de Weimar são editores conjuntos do portal do Bauhaus-online.de.


Bauhaus 1919-1933


A Bauhaus ocupa um lugar próprio na história da cultura do século 20, arquitectura, design, arte e novos média. Uma das primeiras escolas de design, ela reuniu alguns dos mais destacados arquitectos e artistas contemporâneos e não apenas um centro de formação inovadores, mas também um local de produção e um centro do debate internacional. Numa altura em que a sociedade industrial estava em crise, a Bauhaus ficou praticamente sozinha perguntando como o processo de modernização pode ser conduzido por meio do design.


A escola foi fundada por Walter Gropius em 25 de Abril de 1919, em Weimar, a partir da reunião da Escola do Grão-Duque para Artes Plásticas. A Bauhaus reuniu mestres e alunos que pretendiam reverter a separação entre arte e produção, retornando ao artesanato como fundamento de toda actividade artística e desenvolver projectos exemplares de objectos e espaços que deviam fazer parte de uma futura sociedade humana. Após intenso debate interno, em 1923, a Bauhaus voltou sua atenção para a indústria no âmbito do seu fundador e primeiro director Walter Gropius (1883-1969). A grande exposição que abriu em 1923, reflectindo o princípio da revista de arte e tecnologia como uma nova unidade, todo o espectro de trabalho Bauhaus. O Haus am Horn fornecido um vislumbre de um prédio residencial do futuro.

Em 1924, o financiamento para a Bauhaus foi cortado drasticamente a pedido das forças conservadoras que teve de procurar um novo lar. A Bauhaus mudou-se para Dessau em um momento de crescente prosperidade económica, tornando-se a Escola municipal financiado do projecto. Quase todos os mestres se mudaram com ele. Ex-alunos tornaram-se mestres encarregados das oficinas. Famosas obras de arte e arquitectura e projectos influentes foram produzidos em Dessau, nos anos 1926-1932.


Gropius pressentiu que começava um novo período da história com o fim da Primeira Guerra Mundial e decidiu que a partir daí dever-se-ia criar um novo estilo arquitectónico que reflectisse essa nova época. O seu estilo tanto na arquitectura quanto na criação de bens de consumo primava pela funcionalidade, custo reduzido e orientação para a produção em massa, sem jamais limitar-se apenas a esses objectivos. O próprio Gropius afirma que antes de um exercício puro do racionalismo funcional, a Bauhaus deveria procurar definir os limites deste enfoque, e através da separação daquilo que é meramente arbitrário do que é essencial e típico, permitir ao espírito criativo construir o novo sobre a base tecnológica já adquirida pela humanidade. Por essas razões Gropius queria unir novamente os campos da arte e artesanato, criando produtos altamente funcionais e com atributos artísticos. Ele foi o director da escola de 1919 a 1928, sendo sucedido por Hannes Meyer e Ludwig Mies van der Rohe.

Walter Gropius renunciou ao cargo de director em 01 Abril de 1928 sob a pressão das constantes lutas para a sobrevivência da Bauhaus. Ele foi sucedido pelo arquitecto suíço Hannes Meyer (1889-1954) cujo trabalho procurou moldar uma sociedade harmoniosa. Produção em massa redução de custos industriais e tornar os produtos acessíveis para as massas. Apesar de seus sucessos, as convicções marxistas de Hannes Meyer tornou-se um problema para os vereadores municipais face à turbulência política da Alemanha, em 1929, e no ano seguinte, ele foi removido de seu posto.

De acordo com Ludwig Mies van der Rohe (1886-1969), a Bauhaus desenvolveu a partir de 1930 uma escola técnica de arquitectura com departamentos de arte e oficina subsidiária. Depois de os nazistas se tornarem o maior partido em Dessau nas eleições, a Bauhaus foi forçada a mover-se em Setembro de 1932. Ela mudou-se para Berlim, mas durou apenas um curto período de tempo.


Em 1933, após uma série de perseguições por parte do governo hitleriano, a Bauhaus é fechada, também por ordem do governo. Os nazistas que se opuseram à Bauhaus durante a década de 1920, bem como a qualquer outro grupo que tivesse uma orientação política de esquerda. A escola foi considerada uma frente comunista, especialmente porque muitos artistas russos trabalhavam ou estudavam ali. Escritores nazistas como Wilhelm Frick e Alfred Rosenberg clamavam directamente que a escola era "anti-Germânica," e desaprovavam o seu estilo modernista. Contudo, a Bauhaus teve impacto fundamental no desenvolvimento das artes e da arquitectura do ocidente europeu, e também dos Estados Unidos da América e Israel nas décadas seguintes - para onde se encaminharam muitos artistas exilados pelo regime nazista. A Cidade Branca de Tel Aviv, em Israel, que contém um dos maiores espólios de arquitectura Bauhaus em todo o Mundo, foi classificada como Património Mundial em 2003.

O principal campo de estudos da Bauhaus era a arquitectura (como fica implícito até pelo seu nome), e procurou estabelecer planos para a construção de casas populares baratas por parte da República de Weimar. Mas também havia espaço para outras expressões artísticas: a escola publicava uma revista chamada Bauhaus e uma série de livros chamados Bauhausbücher. O director de publicações e design era Herbert Bayer.

Projecto de ensino


Apesar de ter passado por diversas alterações em seu perfil de ensino à medida que a direcção da escola evoluía, a Bauhaus, de uma forma geral, acreditava que os seus próprios métodos de ensino deveriam estar relacionados às suas propostas de mudanças nas artes e no design. Um dos objectivos principais da Bauhaus era unir artes, produzir artesanato e tecnologia. A máquina era valorizada, e a produção industrial e o desenho de produtos tinham lugar de destaque.

O Vorkurs - literalmente curso preparatório - era um curso exigido a todos os alunos e ministrado nos moldes do que é o moderno curso de Desenho Básico, fundamental em escolas de arquitectura por todo o mundo. Não se ensinava história na Bauhaus durante os primeiros anos de aprendizado, porque acreditava-se que tudo deveria ser criado por princípios racionais ao invés de ser criado por padrões herdados do passado. Só após três ou quatro anos de estudo o aluno tinha aulas de história, pois assim não iria influenciar suas criações.

O edifício inicial projectado por Walter Gropius sofrera inúmeras modificações após a Segunda Guerra. Em 1994 inicia-se um processo de reforma visando restabelecer ao edifício sua condição original. O empreendimento foi promovido pela Fundação Bauhaus e coordenado pela arquitecta Monika Markgraf. Devido a inexistência do projecto original o trabalho foi árduo e concluído somente em 2007. Ainda hoje é o edifício principal do pólo da universidade, destacando-se o escritório de Walter Gropius, mantido inalterado.

A Bauhaus e o Modernismo Alemão


A derrota na Primeira Guerra Mundial, a queda da monarquia alemã e a abolição da censura sob a nova república liberal de Weimar permitiu um aumento da experimentação radical em todas as artes, anteriormente suprimidos pelo regime antigo. Muitos alemães de pontos de vista de esquerda foram influenciados pela experimentação cultural que se seguiu à Revolução Russa, como o construtivismo. Tal influência pode ser exagerada: Gropius não compartilhava essas opiniões radicais, e disse que a Bauhaus era totalmente apolítica. Tão importante foi a influência do século 19 Inglês designer William Morris, que havia argumentado que a arte deve atender às necessidades da sociedade e que não deve haver distinção entre forma e função. Assim, o estilo Bauhaus, também conhecido como o Estilo Internacional, foi marcado pela ausência de ornamentação e pela harmonia entre a função de um objecto ou um edifício e seu design.

No entanto, a influência mais importante na Bauhaus foi o modernismo, um movimento cultural cujas origens leigos, já em 1880, e que já tinha feito sua presença sentida na Alemanha antes da Primeira Guerra Mundial, apesar do conservadorismo vigente. As inovações de design comummente associadas com Gropius e a Bauhaus, as formas radicalmente simplificada, da racionalidade e funcionalidade, e a ideia de que a produção em massa era conciliável com o espírito artístico individual, foram já parcialmente desenvolvidos na Alemanha antes de a Bauhaus ser fundada. A organização de designers nacionais alemães Deutscher Werkbund foi formada em 1907 por Hermann Muthesius para aproveitar as novas potencialidades da produção em massa, com a mente no sentido de preservar a competitividade económica da Alemanha com a Inglaterra. Em seus primeiros sete anos, a Werkbund passou a ser considerada como o órgão competente em questões de design na Alemanha, e foi copiado em outros países. Muitas questões fundamentais de artesanato versus produção em massa, a relação de utilidade e beleza, o efeito prático da beleza formal de um objecto comum, e se ou não uma única forma correcta poderia existir, foram argumentos entre os seus 1.870 membros (em 1914).

Todo o movimento do modernismo arquitectónico alemão ficou conhecido como Neues Bauen. A partir de Junho de 1907, obra de Peter Behrens projecto pioneiro industrial para a empresa eléctrica Alemã AEG integrou arte com produção em massa em grande escala com sucesso. Ele projectou produtos de consumo, peças padronizadas, criando designs limpos e alinhados para gráficos da empresa, desenvolveu uma identidade corporativa consistente, construiu o marco modernista da AEG fábrica de turbinas, e fez pleno uso de materiais recentemente desenvolvidos como o aço. Behrens foi um dos fundadores da Werkbund, e ambos de Walter Gropius e Adolf Meier trabalhou para ele nesse período.

A Bauhaus foi fundada numa época em que o Alemão "zeitgeist" ("espírito da época") virou de expressionismo emocional com a matéria de facto Nova Objectividade. Todo um grupo de arquitectos, incluindo Erich Mendelsohn, Bruno Taut e Poelzig Hans, que se afastou da experimentação de fantasia, e se virou numa direcção racional, funcional, às vezes com edifícios padronizados. Além da Bauhaus, muitos outros importantes arquitectos de língua alemã na década de 1920 responderam às mesmas questões estéticas e possibilidades materiais da escola. Eles também responderam à promessa de uma "habitação mínima", escrita na nova Constituição de Weimar. Ernst May, Bruno Taut e Martin Wagner, entre outros, construíram grandes blocos habitacionais em Frankfurt e Berlim. A aceitação do projecto modernista para a vida quotidiana foi objecto de campanhas publicitárias, bem como participou em exposições públicas como os filmes de Weissenhof Estate, e, por vezes ferozes debates públicos.

Weimar


A escola foi fundada por Walter Gropius em Weimar em 1919 como uma fusão do Grão-Ducal Escola de Artes e Ofícios e a Academia de Belas Artes de Weimar. Suas raízes estão na escola de artes e ofícios fundada pelo grão-duque de Saxe-Weimar-Eisenach, em 1906 e dirigida pelo arquitecto Belga Art Nouveau Henry van de Velde. Quando a van de Velde foi obrigado a renunciar em 1915, porque ele era belga, ele sugeriu Gropius, Hermann Obrist e August Endell como possíveis sucessores. Em 1919, após atrasos causados pela destruição da I Guerra Mundial e um longo debate sobre quem devia fazer a reconciliação socioeconómica das belas-artes e das artes aplicadas (uma questão que permaneceu definidora de toda a existência da escola), Gropius foi feita o director de uma nova instituição que integra as duas tendências a que chamou Bauhaus. No panfleto para uma exposição de Abril de1919 intitulada "Exposição de Arquitectos desconhecidos", Gropius declarou que pretendia " criar uma nova corporação de artesãos, sem distinções de classe, que levantou uma barreira de arrogância entre artesão e artista". Gropius Bauhaus neologismo faz referência tanto a construção e os Bauhütte, um guia de pedreiros pré-modernas. A intenção primária era fazer da Bauhaus uma escola combinada de arquitectura, escola de artesanato, e uma academia de artes. Em 1919 o pintor suíço Johannes Itten, o pintor germano-americano Lyonel Feininger, e o escultor alemão Gerhard Marcks, juntamente com Gropius, compunham o corpo docente da Bauhaus. No ano seguinte as suas fileiras haviam crescido para incluir o pintor alemão, o escultor e designer Oskar Schlemmer, que chefiou a oficina de teatro e o pintor suíço Paul Klee, juntou-se em 1922 o pintor russo Wassily Kandinsky. Um ano tumultuado na Bauhaus 1922 também viu o movimento do pintor holandês Theo van Doesburg para Weimar para promover a De Stijl ("O Estilo"), e uma visita à Bauhaus pelo artista russo construtivista e arquitecto El Lissitzky.

De 1919 a 1922, a escola foi moldada pelas ideias pedagógicas e estéticas de Johannes Itten, que ensinou a Vorkurs ou "curso preliminar", que foi a introdução para as ideias da Bauhaus. Itten foi fortemente influenciado na sua doutrina pelas ideias de Franz Čížek e Wilhelm Friedrich August Fröbel. Ele também foi influenciado no que diz respeito à estética do trabalho pelo grupo Der Blaue Reiter, em Munique, bem como o trabalho do expressionista austríaco Oskar Kokoschka. A influência do expressionismo alemão favorecida por Itten era análoga, de certa forma ao debate em curso sobre as belas artes. Essa influência culminou com a adição de Der Blaue Reiter membro fundador Wassily Kandinsky para a faculdade e terminou quando Itten renunciou em finais de 1922. Itten foi substituído pelo designer húngaro László Moholy-Nagy, que reescreveu o Vorkurs com uma inclinação para a Nova Objectividade favorecida por Gropius, que foi semelhante em alguns aspectos para o lado das artes aplicadas do debate. Embora essa mudança fosse importante, não representava uma ruptura radical com o passado tanto como um pequeno passo em um mais amplo movimento mais gradual socioeconómico que já durava pelo menos desde 1907, quando van de Velde defendeu uma base para o design artesanal enquanto Hermann Muthesius tinha começado a execução protótipos industriais.

Gropius não era necessariamente contra o expressionismo, e na verdade se no panfleto de 1919 mesmo proclamando essa "nova corporação de artesãos, sem o snobismo de classe", descrita como "a pintura e a escultura subindo ao céu das mãos de um milhão de artesãos, símbolo do cristal da nova fé no futuro. " Em 1923, no entanto, Gropius não era mais que evocam imagens de catedrais românicas e da estética do ofício-driven do "movimento völkisch", em vez declarando: "nós queremos uma arquitectura adaptada ao nosso mundo de máquinas, rádios e carros velozes." Gropius argumentou que um novo período da história tinha começado com o fim da guerra. Ele queria criar um novo estilo arquitectónico que reflectisse essa nova época. Seu estilo de arquitectura e de bens de consumo deveria ser funcional, barata e compatível com a produção em massa. Para esses fins, Gropius queria reunir arte e artesanato para chegar ao topo de gama de produtos funcionais com pretensões artísticas. A Bauhaus publicou uma revista chamada Bauhaus e uma série de livros chamada "Bauhausbücher. Como o país não tinha a quantidade de matérias-primas que os Estados Unidos e a Grã-Bretanha tiveram, eles tiveram que contar com a competência de sua força de trabalho qualificada e capacidade de exportar produtos inovadores e de alta qualidade. Portanto, os designers eram necessários e por isso foi um novo tipo de arte-educação. A filosofia da escola afirmou que o artista deve ser treinado para trabalhar com a indústria.

Weimar situava-se no estado alemão da Turíngia, a escola Bauhaus recebeu apoio estatal do Governo do Estado social-democrata da Turíngia. Desde 1923 que a escola em Weimar esteve sob a pressão dos círculos políticos de direita, até que, em 26 de Dezembro de 1924, emitiu um comunicado acusando o governo de definir o fecho da escola no final de Março de 1925. Em Fevereiro de 1924, os sociais-democratas perderam o controle do parlamento estadual para os Nationalists. O Ministério da Educação colocou o pessoal com contratos de seis meses e cortou o financiamento da escola para metade. Eles já tinham andado à procura de fontes alternativas de financiamento. Depois da Bauhaus se mudar para Dessau, uma escola de desenho industrial, com professores e funcionários menos antagónica ao regime político conservador permaneceu em Weimar. Essa escola acabou por ser conhecida como a Universidade Técnica de Arquitectura e Engenharia Civil, e em 1996 mudou seu nome para Universidade Bauhaus de Weimar.


Actualmente a Bauhaus de Weimar mantém a sua liderança como uma das melhores universidades na Alemanha, leccionando sobretudo o ramo da arquitectura, mas estando também integrada num núcleo de outros pólos de ensino ligado às artes e de onde se destaca design, media, música, entre outros. O ensino da Bauhaus encontra-se intrínseco na própria forma de leccionar da escola actualmente, baseando-se muito na experimentação prática de ideias e na realização de seminários e workshops para confronto de conhecimentos.

Dessau


Projecto de Gropius para as instalações de Dessau foi um retorno ao Gropius futurista de 1914, que tinha mais em comum com as linhas de estilo internacional da Fábrica Fagus despojado do que o neo-clássico do pavilhão Werkbund ou o völkisch Sommerfeld House. Os anos de Dessau viram uma notável mudança de rumo para a escola. De acordo com Elaine Hoffman, Gropius se aproximou do arquitecto holandês Mart Stam para executar o programa de arquitectura recém-fundada, e quando Stam recusou o cargo, Gropius virou-se para Stam amigo e colega no grupo ABC, Hannes Meyer.

Meyer tornou-se director, quando Gropius pediu demissão em Fevereiro de 1928, e trouxe para Bauhaus as suas duas mais importantes comissões de construção, os quais ainda existem: cinco prédios de apartamentos na cidade de Dessau, e a sede da Escola Federal de sindicatos alemães (ADGB ) em Bernau. Meyer fornecia as medições e cálculos em suas apresentações aos clientes, juntamente com a utilização de off-the-shelf componentes arquitectónicos para reduzir custos, e esta abordagem provou ser atraente para os potenciais clientes. A escola obteve seu primeiro lucro sob a sua liderança em 1929.

Mas Meyer também gerou um grande conflito. Como funcionalista radical, ele não tinha paciência com o programa estético, e forçou a renúncia de Herbert Bayer, Marcel Breuer e outros instrutores de longa data. Como comunista, ele incentivou a formação de uma organização estudantil comunista. No clima político cada vez mais perigoso, isso tornou-se uma ameaça para a existência da escola em Dessau. Gropius despediu-o no verão de 1930.

Berlim


Embora nem o Partido Nazista, nem o próprio Hitler tivessem uma política coesa de arquitectura antes de chegarem ao poder em 1933, Escritores nazistas como Wilhelm Frick e Alfred Rosenberg já haviam marcado a Bauhaus de "não-alemão" e desaprovavam o seu estilo modernista, deliberadamente, gerando controvérsia pública sobre questões como telhados planos. Cada vez mais através dos anos 1930, que caracteriza a Bauhaus como uma frente para os comunistas e os liberais sociais. De facto, um número de estudantes comunistas leais a Meyer mudou-se para a União Soviética, quando ele foi demitido em 1930.

Mesmo antes que os nazistas chegaram ao poder, a pressão política sobre a Bauhaus tinha aumentado. O movimento nazista, desde quase o começo, denunciou a Bauhaus pela sua "arte degenerada", e o regime nazista estava determinado em acabar com o que viu, como os estrangeiros, provavelmente influências judaicas de "modernismo cosmopolita." Apesar dos protestos de Gropius que como um veterano de guerra e um patriota o seu trabalho não tinha nenhuma intenção política subversiva, a Bauhaus de Berlim foi pressionada a fechar em Abril de 1933. Os emigrantes tiveram sucesso, entretanto, na difusão dos conceitos da Bauhaus em outros países, incluindo o "New Bauhaus" de Chicago: Mies van der Rohe decidiu emigrar para os Estados Unidos para a directoria da Escola de Arquitectura do Instituto Armour (Agora IIT) em Chicago e procurar comissões de construção. Curiosamente, algumas influências da Bauhaus vieram da Alemanha nazista. Quando o engenheiro-chefe de Hitler, Fritz Todt, começou a abrir novas rodovias (auto-estradas) em 1935, muitas das pontes e estações de serviço são "exemplos ousados do modernismo" - entre os projectos apresentados esteve Mies van der Rohe.

A produção arquitectónica


O paradoxo da Bauhaus inicial era que, embora o seu manifesto proclamasse que o fim último de toda actividade criativa fosse a construção, a escola não oferecia aulas de arquitectura até 1927. O único produto mais rentável tangível da Bauhaus era seu papel de parede.

Durante os anos de Gropius (1919-1927), ele e seu parceiro Adolf Meyer não havia nenhuma diferença real entre o trabalho do seu escritório de arquitectura e a escola. Então, o trabalho de arquitectura da Bauhaus construído nestes anos é o trabalho de Gropius: a casa Sommerfeld, em Berlim, a casa Otte, em Berlim, a casa de Auerbach em Jena, e o concurso de design para o Chicago Tribune Tower, que chamou muita atenção para a escola. O edifício definitivo da Bauhaus, de 1926, em Dessau também é atribuído a Gropius. Além de contribuir para o Haus am Horn, de 1923, trabalho de estudante de arquitectura amontoado a projectos não construídos, acabamentos de interiores, e trabalhos artesanais, como armários, cadeiras e cerâmica.

Nos próximos dois anos de Meyer, o foco deslocou-se da arquitectura estética para a funcionalidade. Havia comissões importantes: uma da cidade de Dessau, que desenhou os "Laubenganghäuser" (prédios de apartamentos com acesso à varanda), que ainda estão em uso hoje. A abordagem de Meyer foi pesquisar as necessidades dos utilizadores e cientificamente desenvolver a solução de design.

Mies van der Rohe repudiou a política de Meyer, os seus apoiantes, e sua abordagem arquitectónica. Ao contrário de "estudo de fundamentos" Gropius, Meyer e pesquisa em requisitos do usuário, Mies defendeu uma "aplicação espacial de decisões intelectual", que na prática significava uma aprovação de sua estética própria. Nem van der Rohe, nem os seus alunos viram os projectos construídos durante os anos 1930.

Foi a Bauhaus de Bruno Taut, Hans Poelzig e particularmente Ernst May, como os arquitectos da cidade de Berlim, Dresden e Frankfurt, respectivamente, que são justamente creditados com milhares de unidades habitacionais socialmente progressista construída na Alemanha de Weimar. No caso de Taut, a moradia que construiu no sudoeste de Berlim durante a década de 1920, ainda está ocupada.

Impacto


A Bauhaus teve um impacto importante sobre arte e arquitectura tendências na Europa Ocidental, os Estados Unidos, Canadá e Israel (especialmente em White City, Tel Aviv) nas décadas seguintes à sua morte, como muitos dos artistas envolvidos fugiram ou foram exilados, pelo regime nazista. Tel Aviv, na verdade, foi nomeada para a lista de Património Mundial pela ONU, devido à sua abundância de arquitectura Bauhaus, em 2004, tinha cerca de 4.000 edifícios Bauhaus erguidos a partir de 1933.

Walter Gropius, Marcel Breuer, e László Moholy-Nagy remontado na Grã-Bretanha durante meados de 1930 para viver e trabalhar no projecto Isokon antes da guerra arrebatados juntamente com eles. Gropius e Breuer foram leccionar na Harvard Graduate School of Design e trabalharam juntos antes de sua separação profissional. A escola de Harvard foi enormemente influente na América no final dos anos 1920 e início dos anos 1930, produzindo alunos, como Philip Johnson, IM Pei, Lawrence Halprin e Paul Rudolph, entre muitos outros.

No final de 1930, Mies van der Rohe reinstalou em Chicago, apreciou o patrocínio da influente Philip Johnson, e se tornou um dos arquitectos de destaque no mundo. Moholy-Nagy também foi a Chicago e fundou a New Bauhaus, sob o patrocínio do industrial e filantropo Walter Paepcke. Esta escola tornou-se o Instituto de Design, parte do Instituto de Tecnologia de Illinois. Gravurista e pintor Werner Drewes foi largamente responsável por trazer a estética da Bauhaus para a América e ensinou, tanto a Universidade de Columbia e da Universidade de Washington em St. Louis. Herbert Bayer, patrocinado por Paepcke, mudou-se para Aspen, Colorado, em apoio a projectos de Paepcke de Aspen, no Instituto Aspen. Em 1953, Max Bill, junto com Inge Aicher-Scholl e Otl Aicher, fundou a Escola de Design de Ulm (em alemão: Hochschule für Gestaltung - HfG Ulm), em Ulm, na Alemanha, uma escola de design na tradição da Bauhaus. A escola destaca-se pela sua inclusão da semiótica como campo de estudo. A escola encerrou em 1968, mas o conceito de "modelo de Ulm" continua a influenciar o ensino de design internacional.

Um dos objectivos principais da Bauhaus era unir artes, artesanato e tecnologia. A máquina foi considerada um elemento positivo e, portanto, industrial e design de produto foram componentes importantes. Vorkurs ("iniciais" ou "curso preliminar") foi ensinado, este é o moderno "Projecto Básico" Claro que se tornou um dos principais cursos básicos oferecidos nas escolas de arquitectura e design em todo o globo. Não havia ensino de história na escola, porque tudo era para ser concebido e criado de acordo com os primeiros princípios.

Uma das contribuições mais importantes da Bauhaus está no campo do design de mobiliário moderno. A cadeira de Cantilever omnipresente e a cadeira de Wassily projectada por Marcel Breuer são dois exemplos. (Breuer finalmente perdeu uma batalha jurídica na Alemanha com o arquitecto/designer holandês Mart Stam sobre os direitos à patente da cadeira Cantilever. Embora Stam tenha trabalhado no projecto de exposição da Bauhaus em 1923 em Weimar, e convidado leccionou na Bauhaus no final do 1920, ele não foi formalmente associado com a escola, e ele e Breuer trabalharam de forma independente sobre o conceito de Cantiléver, levando assim à disputa de patentes.)

A planta física em Dessau sobreviveu à Segunda Guerra Mundial e funcionava como uma escola de design com algumas instalações de arquitectura na República Democrática Alemã. Isto incluiu produções teatrais no teatro da Bauhaus sob o nome de Bauhausbühne ("Bauhaus Stage"). Após a reunificação alemã, uma escola reorganizada continuou no mesmo edifício, sem continuidade essencial com a Bauhaus de Gropius no início de 1920. Em 1979 o Colégio da Bauhaus de Dessau começou a organizar programas de pós-graduação, com participantes de todo o mundo. Este esforço tem sido apoiado pela Fundação Bauhaus-Dessau, que foi fundada em 1974 como uma instituição pública.

As escolas de arte americanas também redescobriram a escola Bauhaus. O programa de Mestrado em Artesanato da Universidade Estadual da Flórida baseia a sua filosofia artística na teoria e prática da Bauhaus.

Arte na Bauhaus


Os primeiros mestres nomeados para a Bauhaus eram artistas. "Incontáveis ideias produzidas pela pintura moderna, aguardando sua execução nos comércios", escreveu Walter Gropius em 1923. Wassily Kandinsky, Paul Klee e outros artistas da Bauhaus partiram do conceito tradicional de imagens, transformando a abstracção, nos anos que antecederam a I Guerra Mundial, e começaram a analisar as leis de desenho artístico com novas teorias e doutrinas da arte. Muitas das suas obras, deixaram uma impressão altamente organizada, contrastando fortemente com a realidade contemporânea que foi percebida como caótico.

Os primeiros anos da Bauhaus, em especial as controvérsias acaloradas sobre o valor da arte e seu lugar na ordem geral das coisas e do programa da escola de formação. Wassily Kandinsky respondeu na primeira edição da revista Bauhaus, em 1926, aludindo ao papel central do curso de desenho básico ensinado pelos artistas plásticos: "A pintura é vista como uma das forças de organização."

A polémica chegou a uma nova fase com a introdução de aulas de pintura livre no semestre de inverno de 1927/28. As oficinas foram sendo cada vez mais subordinadas a considerações de carácter funcional e tecnológico, enquanto a produção das artes plásticas foi maior do que nunca. A unidade visionária da arte e design em uma sociedade moderna, mais humana começou a rachar. No final de 1920, o editor da revista "Bauhaus", Ernst Kallai, observou que a Bauhaus exibia uma objectividade moldada pela produção em massa estereotipada e determinada inteiramente por considerações de utilidade e de construção, por um lado, e uma atitude metafísica nascida de sonhos, visões compromisso interior puro.

A arte produzida na Bauhaus variou do expressionismo tardio e abstracção para figurativa, obras de crítica social e surrealista. Não há nenhum traço de estilo Bauhaus específico. Isso vale para as obras de mestres como Johannes Itten, Wassily Kandinsky, Paul Klee e Oskar Schlemmer, que eram pintores famosos, mesmo naquela época, e também para os trabalhos artísticos dos alunos.

A fase da Bauhaus, dirigida por Oskar Schlemmer, desempenhou um papel especial. O estudo das relações entre o homem e o espaço formando o ponto de partida para experiências de desenho sobre os componentes elementares teatrais do espaço, forma, cor, luz, movimento, som e linguagem. Os produtos da "fase experimental para dançarinos, actores e directores" no final de 1920 incluiu a "dança da Bauhaus", em que a forma humana foi reduzida a um tipo ideal o uso de máscaras e camisetas. Execuções sócio críticas desenvolvidas após a saída de Schlemmer, em 1929.

quarta-feira, fevereiro 02, 2011

Victor Vasarely (1908-97)



Vasarely, abstracto em 1952, levou as suas pesquisas formalistas de intenção dogmática no seu “alfabeto plástico”, com “protótipos de partida”, tratados em “240 tonalidades”, a efeitos ópticos com ilusório dinamismo interno. A programada integração arquitectural da sua obra (decoração mural da Universidade de Caracas, 1955; pinturas da estação de Montparnasse, Paris, 1971) justificou a vasta e popularizada expansão que uma preferência mundana e comercial garantiu.

Vasarely iniciou uma corrente dita de “arte óptica” (ou “Op Art”) que, em certa medida, provocou e promoveu em finais de 50. Se experiencias de ilusionismo óptico já tinham sido feitas no ensino da “Bauhaus”, foi a evolução do discurso abstracto que finalmente as justificou e popularizou em Paris e particularmente entre jovens artistas sul-americanos, como F. Sobrinho, J. Le Pare, C. Cruz-Diez, e, mais profundamente, J. Soto. Dos efeitos ópticos aos efeitos cinéticos por eles provocados, a passagem foi imediata e a exposição “Movimento”, em Paris, esclareceu-a. Assim, uma “arte cinética”, puramente visual (J. Agam) ou mecanizada (que se diria “Mec Art” com manifesto em 1964, então no domínio espacial da escultura), desenvolveu-se paralelamente pelos anos 60 fora, em termos geométricos de função sistemática e com intervenção possível de computadores, como veremos – representando então, na Europa e na América, como “abstracção determinada” (F. Caroli, 1976), um renascimento formalista.


As propostas da “Op Art” em grande parte radicam-se no espírito da “Bauhaus”. Já conhecemos o papel desta na arquitectura racionalista do presente período. Se a arquitectura era o seu alvo fundamental, o ensino desta escola moderna e criativa cobriu, em “comunicação”, todos os planos das artes visuais, nos sectores gráfico, tipográfico, fotográfico, no desenho de interiores e seus móveis e objectos, na realização de escultura e de pintura – onde Klee e Kandinsky foram autores principais.


Mas o ensino destes integrava-se colectivamente no princípio de interdependência ou de unidade, racional e sensível, filosófica e social, e de outras intervenções se destacam, com outros mestres, e em redacção com o construtivismo, o suprematismo e o neoplasticismo.

Galeria Birch

Galeria Birch é a mais antiga galeria de arte contemporânea dinamarquesa fundada em 1946 por Børge Birch, pai da Anette Birch a actual proprietária da galeria.

Børge Birch tornou-se um negociante de arte e foi líder na Europa, reconhecido por seu trabalho com o movimento COBRA com artistas como Asger Jorn, Pierre Alechinsky, Karel Appel e Corneille.

Em 1950, a galeria também teve várias exibições individuais de grandes artistas franceses e internacionais, tais como Georges Braque, Poliakoff, Pablo Picasso, Léger, Laurens, Nolde e Pierre Soulages já em 1951.

Galeria Denise René

A arte é essencialmente uma questão de escolha. No final da Segunda Guerra Mundial e depois de apenas cinco anos de ocupação alemã tinha reduzido a vida cultural no seu sentido mais acordado, tudo parecia possível para uma galeria de jovens. As primeiras exposições organizadas em Junho de 1945 por Denise René atestaram a necessidade de liberdade selvagem, o desejo de experimentar o que, até então canalizado para os caminhos da abstracção geométrica, em seguida, a cinética, o recurso é provavelmente o mais consistente de seu carácter. Picabia e Max Ernst para Atlan ou Lapicque, assim, durante seus cinco primeiros anos de funcionamento, o prazer de mostrar tanto os mestres esquecidos (e ignorados), no pré-guerra, artistas dão um novo uma nova imagem à escola já famosa de Paris. Um ponto comum - e ele é essencial no debate virulento mexendo enquanto o mundo da arte, esses artistas "abstractos" (mesmo se hoje esta designação pode ser logicamente contestada por muitos deles): o que quer dizer que, para criar de uma nova estética, eles recusam desde logo todos os académicos que inicialmente poderiam estar ligados a uma tradição figurativa.

Esse sentimento de que a arte deve existir para inventar novos caminhos, Denise René fará seu princípio, a intuição da sua análise fundador. É portanto, neste contexto ainda confuso, que cobre o termo arte abstracta, onde a não-figuração de um Manessier um Estève ou Bazaine estava próxima da investigação informal de Fautrier ou de Dubuffet, para que a imagem continue ainda subjacente – ela privilegia a abstracção formal; que estavam em desenvolvimento as ideias fundamentais do cubismo que pretende transformar a pintura num acto plástico puro, onde a emoção não vem da narrativa, mas está enraizada na combinação de formas e cores. Tomada esta opção, Denise René, reúne em um diálogo que vai continuar ao longo da galeria, artistas históricos e jovens criadores. Assim, os primeiros anos, ela foi vizinha de Arp e Magnelli, Sophie Taeuber e Herbin, todos os pioneiros da primeira geração de artistas abstractos com jovens como ela revela e impõe como Vasarely, Jacobsen, Dewasne ou Mortensen. Ela também irá trabalhar para pôr em destaque os pioneiros da abstracção, o primeiro a ter sucesso em 1957 que nenhum museu francês tinha feito: com a ajuda de museus holandeses, o trabalho de Mondrian que, apesar de ter vivido em Paris de 1919 a 1938 não teve nenhuma exposição individual.

Esse diálogo entre gerações, este sentimento de continuidade na história da arte, e que o trabalho de uma galeria é descobrir e tornar familiar até os museus se apoderarem, está na base da exposição histórica realizada em 1955 por Denise René e Vasarely: O Movimento. Ao pesquisar os antecedentes históricos - Marcel Duchamp ou Calder - Recordando as articulações que representam o trabalho de Vasarely ou de Jacobsen, a exposição proporcionou um enquadramento e justificação para a investigação destes jovens artistas que é difícil imaginar hoje que "Eles foram então desconhecidos - Tinguely, Soto, Agam, Pol Bury e lançaram ao mesmo tempo as bases da arte cinética.

Este trabalho colocou em perspectiva as diferentes gerações da arte abstracta, Denise René desenvolveu em Paris, introduzindo as figuras históricas da vanguarda do concreto da Europa de Leste, até então uma tradição desconhecida em Paris e que a galeria destacava com uma retrospectiva do húngaro Lajos Kassak do polonês Stazewski ou a exposição dos precursores da arte abstracta na Polónia em 1957, com Malevich, Kobro, Strezminski, Berlewi como hoje... ela mostra o jovem artista russo Jeltov. Numa altura em que o comércio internacional era muito mais raro que hoje em dia, a galeria será aberta aos criadores do mundo inteiro.

Ela tornou-se assim para os artistas plásticos da América Latina que preferiam a pesquisa plástica à narrativa - os nomes do brasileiro Cícero Dias, venezuelanos Soto e Cruz Diez, o argentino Park, Tomasello e Demarco, testemunham - um ponto de reunião natural. Essa relação especial com a América Latina tem suas raízes em 1956, quando Denise René publica Venezuela, um álbum de Vasarely que ecoa a experiência de pintor de arquitectura e arquitecto Carlos Raul Villanueva. Uma exposição de Vasarely organizada pela galeria e apresentada em 1958 em Buenos Aires, Montevideu e São Paulo será a estas inaugurações, a oportunidade de conhecer pessoas novas e múltiplas exposições.

Denise René tornou-se uma das primeiras negociantes de arte francês a entender que uma galeria tinha que ter em conta a criação internacional e não se limitar aos artistas que vinham morar em Paris, ela também sabia, muito rapidamente, que após a guerra a informação tinha de ser de natureza global e que não era suficiente esperar que os estrangeiros retirem proveito de uma viagem a Paris para aprender e descobrir novos artistas. Esta activista Galeria procurou encontrar novas estruturas, novos públicos com acesso à criação mais contemporânea. Em Abril de 1948 organizou exposições na Dinamarca, localizadas nas principais galerias locais (Birch Tokanten Rasmussen) os parceiros que pudessem assumir a sua parte na divulgação da arte construída. A organização da exposição em 1951, Klar Form, que terá a duração de um ano em museus na Escandinávia e na Bélgica, será o resultado concreto e evidente deste trabalho visionário das galerias.

Acontece de vez em quando um comerciante acompanha a arte de seu tempo torna-se inseparável dela. Este foi o caso com Kahnweiler e cubismo, Herbert Walden e expressionismo alemão, Castelli e a Pop Art. Na organização da exposição, em 1955, Movimento, Denise René, despertou um novo conceito de arte, criou um movimento, enquanto ela descobria uma nova geração de artistas. A arte cinética, para tomar emprestado o termo usado por Vasarely em 1955, acompanhando a evolução da Op Art ia ganhar por quinze anos como uma das grandes tendências da arte contemporânea internacional. Talvez se deva ver no sucesso de público da arte cinética, o seu impacto imediato na Europa e nos Estados Unidos, o ponto que parecia contraponto natural e necessária da Pop Art. Quando restaurada mais tarde a imagem e seus poderes destinados a testemunhar o mundo social, apresentando os artistas cinéticos questionaram a arte, questionaram a vibração, a cor virtual, tudo o que a imagem fixa solicitava o nervo óptico ou pelo contrário era introduzida pelo movimento real uma dimensão de tempo que mudou a abordagem às artes visuais, trazendo desenvolvimento no tempo oferecidas pelo cinema e música.

A ressonância imediata dessas ideias, o afluxo de novos artistas, que se juntaram a eles, atestou a solidez das intuições dos iniciadores do movimento, também prevaleceu um germe de academização. Múltiplos, ideia social generosa que consistia em tornar a arte acessível ao maior número de pessoas, não apenas a coleccionadores ricos, espalhando centenas de trabalhos de artistas fazendo-lhes um uso bem comum ligeiramente diferente daqueles apregoados pela Pop Art. O Grande Prémio de Pintura na Bienal de Veneza em 1966, atribuído a Júlio Park, marcando o reconhecimento oficial da cinética, como a que deu dois anos antes, em Rauschenberg, marcou a Pop Art, fazendo da arte óptica um fenómeno de moda. Como é sempre o caso na arte, o reconhecimento público de um movimento marca o seu fim.

Na segunda metade do século XX, Denise René foi muito mais do que o testemunho, um actor chave. Sem ela, uma parte da arte do século XX teria muitos mais anos para surgir. Talvez alguns artistas não tivessem encontrado nenhum apoio nem meios para continuar a sua criação. Certamente, pode ser depois do facto, o inventário do que a galeria não levou em conta, pergunto por Bridget Riley ou Takis não encontraram lugar, surpreendentemente a arte minimal não se seguiu na linha lógica de pensamento defendida por Denise René. Mas a par destas lacunas, o que resta é notável é a fidelidade de um comerciante a uma linha de conduta, a capacidade de resistir aos efeitos da moda, aos fluxos financeiros ou mediáticos que os acompanham. Se todos concordam agora do rigor e da importância das escolhas, o que é talvez o mais impressionante é a dimensão moral que Denise René deu a um trabalho que poucos acreditam que esta seja a sua maior qualidade.

quinta-feira, janeiro 20, 2011

Vladimir Vitatline (1885-1953)

Em 1919, Vitatline (1885-1953) declarou que o suprematismo era “a soma de todos os erros do passado”, nisso manifestando a sua oposição pessoal e ideológica a Malevitch. Discípulo de Larianov, marcado por um expressionismo estruturado e cujo colorido não foi alheio o interesse pelos ícones tradicionais. Tatline teve uma juventude aventureira que o levou a Paris em 1913, ali admirando as construções em relevo de Picasso, base dos seus próprios “contra-relevos” que, com experiencias de materiais e aplicações nos ângulos das salas, modificando-lhe a espacialidade, criaram o movimento construtivista, em 1927 enriquecido pela novidade fantasista duma máquina voadora orgânica, o “Latatlin” – mas, sobretudo, em 1919-20, pelo projecto do monumento à III Internacional, construção helicoidal que já conhecemos expressão dum fugaz “Komfuturismo”. Animador artístico, professor, defensor vitorioso do princípio da “arte produção” contra a “arte laboratório” (que o suprematismo representava) um “produtivismo” politizado, proclamado em 1921, com recusa da pintura de cavalete, e que o levou ao artesanato, ao cartaz, à decoração teatral já praticada na juventude (e que foi notável campo de acção do seu movimento, sobretudo graças às encenações de (V. Mayerhold) – nada disso impediu a desgraça de Tatline, ante o realismo oficializado nos anos 30. A seu lado, A. Rodechenko (1881-1956), vindo mais ou menos do futurismo, autor de desenhos geométricos compostos por animados jogos de curvas feitas a compasso, metodicamente (1915-16), e duma pintura “Negro sobre negro”, apresentada polemicamente contra Malevitch, em 1919, praticou construções surpresas, móveis e lineares, de metal, com as quais participou, em 1917, com Tatline e o discípulo deste G. Yakulov, na famosa decoração do Café Pitoresque, animado centro artístico moscovita, nestes anos de fermentação. Reduzido, como Tatline, às artes aplicadas e ao “design”, dedicou-se à fotomontagem e à composição tipográfica. Nesses domínios se destacou El Lissitzky (1890 – 1941), engenheiro e arquitecto, que já conhecemos, discípulo de Malevitch, que passou do suprematismo ao construtivismo, na “História de dois quadrados” (1922) e nos seus “prouns”, construções geométricas no espaço, inicialmente pintadas. Em vasta fotomontagem, realizou a decoração do pavilhão soviética na Exposição Internacional da Imprensa, em Colónia, 1930 – e assim também, já em 1920-24, a famosa “Tribuna de Lenine”, que vimos, representado o ditador ao alto duma imaginária construção de ferro. Em 1926, El Lissitzky compôs a arquitectura interior do “gabinete abstracto” da Exposição Internacional de Dresde, que considerava a sua obra capital. Amigo e colaborador de Schwittors e de Arp, e de V. Doesbourg, relacionado com a “Bauhaus”, como sabemos, coube-lhe estabelecer ligação mais regular entre as correntes russas e o mundo ocidental ao longo dos anos 20.

domingo, janeiro 16, 2011

Kazimir Malevitch (1878-1935)

K. Malevitch (1878-1935), partindo do impressionismo, e do simbolismo e da Arte Nova, de Cézanne, de Derain e de Matisse, pintor de cenas rústicas nacionais, em 1911-12 compôs figuras numa geometrização cilíndrica, cubo-futurista (“Amolador”, 1912-13, Universidade de Yale, E.U.A.), influenciadas por Léger, até aos extremos de abstractização de corpos geométricos de revolução, pintados com cuidada de modelação em 1912-13, ano em que adoptou um cubismo sintáctico a uma imagística “transnacional” (“Zaorum”, como vimos), ou “alógica”, em composições não isentas de humor confundível com o espírito “dada” (“Um Inglês em Moscovo”, 1913-14, Amesterdão, “Eclipse parcial com Mona Lisa”, 1914, col. part. Leninegrado). Mas, em 1915, Malevitch afirmou ter feito as primeiras obras “suprematistas”, baseadas nas formas elementares do quadrado, do círculo e do cruzamento vertical-horizontal de rectângulos. O famoso “Quadrado negro sobre fundo branco” (Museu Tretyakov, Moscovo), exposto em 1915, é a obra emblemática dessa fase, possivelmente marcado nos trabalhos de decoração da ópera futurista “Vitória sobre o sol” (1913), com música de M. Matinchine, tradutor de “Du Cubisme” de Gleizer – que seria, em 1917, o pintor do “realismo no espaço”, em grandes bandas coloridas, interessado em pesquisas psico-fisiológicas sobre a arte visível.

O “suprematismo” como estado supremo duma estética “monumental”, “não objectiva”, fundamentada numa dedução conceptual, radica-se filosoficamente no pensamento do metafísico pós-Kantiano P. D. Ouspenki (“Tercium Organum”, 1911) que, referindo uma “forma superior da existência” e anunciando uma “linguagem do futuro”, independente do mundo real, exercer (talvez através de Matinchine) grande influencia no pintor, igualmente interessado pela “quarta dimensão” (Ouspenki, 1908; relativa ao “continuum espácio-temporal” da matemática de Minkowski, 1908) 9 – e fascinado ainda por uma retórica simbolista a esse pensamento inerente. “Só o que está pronto a perder o tudo realizará novas descobertas (Ouspenki, 1913) aplica-se à diligência de Malevitch para quem o “Quadrado Negro” era “uma superfície-plana viva, agora mesmo nascida” (“Do Cubismo e do Futurismo e Suprematismo, um novo realismo pictural, 1916); ensaio que seria retomado em 1920, como sabemos, em De Cézanne ao Suprematismo, primeira unidade semântica par a construção livre de sistemas de “superfícies-planas” no espaço, em liberdade incondicional de movimento (cf. A. B. Nakov, 1975) – o “zero”, que desde 1915 definiu a sua experiencia pictural, era uma totalidade, igual ao infinito e ao absoluto, à “harmonia, ao ritmo e à beleza” (Espelho Suprematista, 1923), e não o termo dum discurso estético anterior, numa espécie de nilismo (cf. D. Valher, 1967). Disso sempre Malevitch se defendeu, numa obra que foi coerentemente até ao “Quadrado branco sobre fundo branco” (1918, M. A. M., Nova Iorque), após três ou quatro anos de múltiplas composições que passaram ao volume, como naquelas arquitectónicas possíveis, as “planites”. Numerosos textos até Die Gegentandslose Welt (“O mundo sem objecto”, publicado pela Bauhaus, 1927), proclamam ou defendem polemicamente uma doutrina estética e filosófica que o pintor conseguiu ensinar em Vitebsk, contra a vontade de Chagall, e, vencido, no grupo UNOVIS, que criou em 1920-21, e, nos dois anos seguintes, no Instituto de Cultura Artística de Leninegrado – mas que, já atacada em 1919 pelos construtivistas era, por idealismo suposto, contrário à linha estética oficial e dificilmente tolerada, já em 1927. Desde 1930, ano em que foi preso pela polícia política, Malevitch realizou uma pintura figurativa de paisagens e retratos não isentos de amarga ironia – e, em 1935, foi a enterrar num caixão suprematista que ele próprio idealizara, levando pintado, sobre fundo branco, um círculo e um quadrado negro.

Mikhail Larionov (1881-1964)

A vanguarda russa, extremamente variada e polémica, cedo fascinada pelo cubismo adaptado a um cubo-futurismo, como vimos, produziu as primeiras obras abstractas em 1910-11, com M. Larionov (1881-1964) e N. Gontacharova (1881-1962), no movimento do “Lucism” (“raismo” – “rayonisme” em francês), apresentada em 1913 como uma “síntese do cubismo, do futurismo e do orfismo, polémica e paradoxalmente organizada contra a cultura ocidental – embora Apollinaire o defendesse na sua exposição parisiense do ano seguinte. As formas pintadas são “formas espaciais obtidas pelo cruzamento de raios reflectidos de vários objectos”; situadas “fora do tempo e do espaço”, pretendem uma “quarta dimensão” que já encontrara os cubistas mais especulativos. A carreira pictural de Larionov, vindo duma pintura expressionista, popular e anedótica, por nacionalismo ideológico, e passado, como vimos, por profusas e decantadas actividades de vanguarda na fundação dos grupos “Valete de ouros” (1910), “Cauda de burro” (1912) e “O Alvo” (1913), encerrou-se em 1915, ao deixar a Rússia para se integrar, como cenógrafo e figurinista brilhante, na companhia de Diaghilev. Gontacharova, acompanhou-lhe o destino, embora, cerca de 1955, se fizesse lembrar em Paris, refazendo telas “raístas”, de recente inspiração cósmica.

Mas dois outros movimentos abstractos, e violentamente opostos, ocupariam de modo mais significativo a cena russa e depois soviética, desde 1915: o “Suprematismo” de Malevitch (e de A. Leporskaia, V. Ernrolaeva, L. Khidekel, N. M. Suetine, G. Kluzis, I. G. Ghaschuik, I. Kliuns, I. Puni, M. Menkov e da futurista O. Rezanova), com manifesto nesse ano publicado, e o “Construtivismo” de Tatline e de Rodchenko (e de G. Yakulov, J. Anenkov, W. Ermilov, V. Stepanova e dos anteriores cubistas e suprematistas N. Vdaltsova e L. Popova, como de Klium e dos irmãos Vernine arquitectos); e, entre as duas situações (além de A. Exter, vinda do cubo-futurismo), o movimento “proun” de Ed Lisitzky, desde 1919. Ainda neste leque de opções (e partidos) o Manifesto realista de Galv e Prevsner, em 1920, veio apresentar, do lado construtivista, uma proposta que teria mais durável efeito na escultura.

Wassily Kandinsky (1866-1944)

O simultaneismo dos discos abstractos de Delaunay, em 1912 (e o “sincronismo” dos seus discípulos), as composições de variada raiz cubista e futurista de Picabia em 1912-13, a prática das “linhas-força” dos futuristas e dos seus “estados de alma”, em Boccioni, Balla e Severini, fornecem outras tantas situações estéticas, que o abstraccionismo integrará, como conclusão historicamente necessária. E se, “no fundo, o movimento cubista foi e desejou-se num encaminhamento para a abstracção” (L. Degand, 1953), o mesmo poderá pensar-se do experimentalismo, de Van Gogh para Kandinsky. W. Kandinsky (1866-1944), jurista de formação na sua Rússia natal, cedo foi atraído pela arte folclórica que o fez “entrar na pintura” e, em 1896, partiu para Munique onde a Arte nova o atraiu no grupo “Phalanx” que fundou (1901-04) e no âmbito do qual criou a sua própria escola, numa prática pictural lembrada de cores de Moscovo em paisagens e “pinturas românticas”, algo simbolistas (“Lanceiro na paisagem”, 1906; “Pânico”, 1907). Foi pela via da paisagem que, improvisando, Kandinsky activou a sua paleta por influência fauve e expressionista, vinda de Jawlensky, seu companheiro em Murnan onde se instalou em 1908, e com o qual abandonou em breve, para fundar “Der Blane Reiter”, com F. Mara, em 1911. Foi nesse quadro que a pintura de Kandinsky evoluiu para o abstracto, através duma sempre maior indefinição formal e duma sonoridade no colorido (“Paisagem com torre sineira”, 1909, M. A. M., Paris; “Improvisação sobre acaju”, 1910, M. A. M., Paris).

A influência de Kandinsky foi determinante para a evolução da pintura alemã em Munique: o seu ensaio Uber das Geistige in der Kunst (“Sobre o espiritual na arte”, escrito em 1910) definiu uma nova situação estética que a antroposofia de R. Steiner marcou. A obra de arte é um “ser vivo”, com uma “vida interior” vinda duma “necessidade interior da alma” expressa através do significado simbólico das formas e das cores e comunicando a chegada do “Reino do Espírito” na “época da grande espiritualidade”. Por estas afirmações, o autor preparou uma possibilidade nova na criação artística que uma primeira aguarela abstracta, composição de manchas e de finas caligrafias (M. A. M., Paris), propôs em 1910 – não sem que, nesse ano, e até 1913, em “Improvisações” e “Composições”, a referência figurativa-paisagistica continuasse alternadamente presente. Em “Com o arco negro” (1912, M. A. M., Paris), no seu grande choque de formas, donde “caoticamente nasce o cosmo”, Kandinsky realizou uma obra definitiva que, em 1914, “Quadro com uma Mancha Vermelha” (M. A. M., Paris), “Fuga” (Museu Guggenheim, Nova Iorque), e os quatro painéis feitos para um coleccionador de Nova Iorque (“Composições” que já foram designadas pelos nomes de quatro estações, 1914, M. A. M., Nova Iorque e Museu Guggenheim, nº 1) completam, no seu vigoroso e eufórico conflito de formas coloridas. Nesse mesmo ano, com a guerra, Kandinsky abandonou Munique por Moscovo, deixando ali a sua antiga aluna e companheira G. Munter (doação ao Museu Municipal de Munique), cuja arte influenciou, juntamente com Jawlensky. Um novo período da sua produção ali se realizou, pouco fecundo dadas as dificuldades da guerra e ocupações oficiais que depois teve, como professor, fundador dum malogrado Instituto de Cultura Artística (1919) e duma Academia das Ciências Artísticas, em 1921, ano em que deixou a Rússia pela Alemanha. A participação de Kandinsky na política artística soviética não foi, porém, entusiástica, mais por temperamento de isolado, que o manteve à margem dos grupos duma vanguarda empenhada, e, numa Berlim revolucionária e Dada, a sua actividade foi reduzida também. A “Bauhaus”, apareceu-lhe então como uma solução e fez-se convidar para ali assumir um ensino, a par de Klee que já lá se encontrava. Desde 1921, porém o pintor realizou quadros onde formas geométricas rigorosas se articulavam com outras, de caligrafia livre e manchas (“Fundo Branco”, 1920, Leninegrado; “Mancha vermelha II”, 1921, Basileia; “Xadrez”, 1921, Museu Guggenheim, Nova Iorque), no que já se pretendeu ver marca construtivista, em certa medida aceitável, mas da qual a arte de Kandinsky se defendia pela recusa do seu princípio mecanicista (cf. W. Grohmann, 1958). Tratava-se, antes, de uma investigação sobre a relação entre as figuras e o fundo, situada além do romantismo do período muniquense. E por essa via a obra do pintor havia de seguir, nos anos subsequentes.

A codificação duma “nova estética que só podia marcar quando os signos se tornassem símbolos”, agora sob formas geométricas puras, de círculos, linhas rectas cruzadas e curvas serpentinas bem distintas umas das outras num espaço de colorido doseado, traduzia o renovado empenho de Kandinsky na observação das formas nas suas relações estruturais ou nas suas “leis de tensão”. Um novo ensaio, Punk und Linie Zu Flache”, publicado em 1926, já sobre notas de 1914, reflecte sobre esses “problemas preliminares, duma ciência da arte”, numa série de apontamentos articulados que serviam ao ensino professado na “Bauhaus” entretanto transferida para Dessau; trata-se, também, duma “continuidade orgânica” do ensaio de 1912. Os quadros então pintados continuam a pôr o problema do espaço através de várias combinações formais, mais rigorosas ou mais maleáveis, a partir das figuras fundamentais usadas, o círculo, o triângulo e o quadrado, num jogo grave ou alegre, entre o “No círculo negro” (1923, col. part., Paris) e a “Tensão calma” (1924, M. A. M., Paris), “Alguns círculos” (1926, Museu Guggenheim, Nova Iorque) e “Amarelo, vermelho, azul” (1925, M. A. M., Paris).

Em 1923, o nazismo fechou a “Bauhaus” e obrigou Kandinsky a exilar-se em Paris-Neville, onde morreria. “Desenvolvimento em castanho” (1933, M. A. M., Paris) foi o último quadro pintado na Alemanha, triste na sua alusão; “Relações, 1934, col. part. Nova Iorque), com a sua alegria feérica, é já um quadro parisiense, dum novo período em que, no meio de dificuldades consideráveis, pois a sua arte, isolada então, era recebida com reticências e o pintor inovou num sentido de maior “exuberância barroca” (W. Grohmann, 1958), de que “Composição IX” (1936, M. A. M., Paris) é notável exemplo, na profusão das suas figuras dançantes, sobre bandas diagonais de claro colorido, ou “Curva dominante” (1936, Museu Guggheneim, Nova Iorque), ou “Meio acompanhado” (1937, col. part., Paris) em cenas brincadas que, na parte final da sua obra, têm por tema o voo e a ascensão numa simbologia espiritual. “Os últimos quadros são o eco dum mundo transparente e transitório” (W. Grohmann, 1958), que lembram formas primitivas pré-colombianas assim casadas com a memória do próprio folclore russo. O último quadro realizado, “Entusiasmo temperado” (M. A. M., Paris), faz vogar, num fundo rosa, estranhas formas biológicas, um embrião de vida a recomeçar.

O “fim da teoria” que Kandinsky expôs no seu ensaio de 1926 era, na verdade da sua pintura, “1. Encontrar a vida, 2. Tornar perceptíveis as suas pulsações, 3. Estabelecer as leis que regem a vida”. Esta organicidade apresentou uma fase romântica, fonte de expressionismo abstracto, até perto de 1920, e na fase de equilíbrio numa sabedoria constante e jamais desmentida que, nos seus pontos de contacto com a arte de Klee, não abdica duma convenção espiritualista como não esquece a arte popular do seu país, primeiro convite recebido para a aventura de pintar.

quarta-feira, janeiro 12, 2011

História de Arte Ocidental (1750-2000)





Desenvolvendo-se paralelamente ao cubismo e ao futurismo, ao expressionismo e ao dadaismo, e ao surrealismo também, deles recebendo influxos revolucionários, uma nova situação estética se definiu, entre 1910 e 1917, na arte ocidental que longamente dominaria, mais tarde ou mais cedo: o abstraccionismo.


Atitude mental e sensível cujas raízes se encontram no neolítico como no românico, na arte das estepes ocidentais como nos entrelaçamentos das iluminuras irlandesas da Idade Média e nas preocupações rítmicas do Renascimento, sob lição pitagórica, ela concretiza um espírito de abstracção que ao espírito de figuração oferece compensação, senão alternância histórica, respondendo a necessidades e índices culturais que no inicio de Novecentos eclodiram, em mutação, a favor duma extrema evolução dos discursos estéticos contemporâneos – e já do impressionismo em que vimos dividir-se, senão negar-se fundamentalmente, o naturalismo figurativo anterior.


A reflexão sobre as cores de Goethe (Zur Farbenlehre, 1810) mal recebida na altura, pelo seu sentido psicológico contra as teorias físicas de Newton, a teoria da visualidade pura de K. Fiedler (falecido em 1895, com escritos só coligidos em 1914: Shriften uber Kunst), adoptada por H. Hilderbrand (Problem der Form, 1893), com recuperação do sentido “formal” não isento de critério classizante, e a tese W. Worringer sobre Abstraktion und Einfuhlung, prepararam nos meios culturais germânicos, em Munique especialmente (mas não nos franceses, que ignoraram tais obras), uma consciência dos problemas postos por uma criação artística “tautogórica” (Schlegel) – isto é, só a si própria referida, em oposição às diligências “alegóricas” de toda a formulação figurativa. Ou uma consciência do infinito oposta à dum finito que a representação naturalista implica. A abstracção seria, assim, uma “antifiguração” (C. P. Brue, 1955) que se basta a si própria sem delimitação exterior.


A tais especulações estéticas e filosóficas há que juntar, na Alemanha, também, no quadro das teorizações psicologísticas da chamada escola de Berlim, cerca de 1912, a influência da “Gestaltheorie” (teoria da forma-estrutura) com trabalhos de M. Wertheimer, K. Koffka e W. Kohler (Gestaltpsychology, publicado nos Estados Unidos em 1929) que, opostos à psicologia analítica, definem comportamentos do conjunto, em correspondências organizadas e interdependentes de elementos constitutivos, que logo têm expressão formal e formalizante, no campo da estética.


Se Cêzanne, em 1904, referia modelos geométricos no tratamento codificável da natureza, e se M. Denis, já em 1890, lembrara que um quadro é, prioritariamente, “uma superfície plana coberta de cores”, nisso apontando a situação abstracta fundamental da pintura para Worringer, a “abstracção” traduzia o desejo de separação da natureza hostil, e não de “comunhão”, num isolamento angustioso ou alterado, que, intelectual ou sensitivamente, se defendia, como alheio ao mundo quotidiano; mas ela tendia também a “aceder a formas arquetípicas subjacentes às variações fortuitas que apresenta o mundo actual (H. Read, 1955), de modo a imprimir a este um sentido, através duma acção pedagógica. A demanda metafísica assim processada leva, finalmente, no seio de uma crise mitológica, do mundo ocidental, a uma “ultramitologia” (J. –A. França, 1959) de perfeita expressão geométrica, por um dos dois grandes caminhos em que a arte abstracta se definia.


O outro situa-se numa, exacerbação sentimental – e a sua raiz expressionista (ou surrealista) corresponde à raiz cubista (ou cubo-futurista) do primeiro.


As designações, descritivas ou polémicas, que o abstraccionismo recebeu, traduzem ora a sua própria radicação, ora um faseamento das diligências estéticas que o percorreram ou formularam. O “expressionismo abstracto” ou a “abstracção lírica” marcam a primeira situação até às fronteiras do “informalismo” (M. Tapié, 1951) ou de “action painting” (“pintura da acção” ou “pintura gestual”) e “gestualismo”, H. Rosenberg, 1952) ou do “tachisme” (de “tache”, mancha, C. Estienne, 1954). Mas teóricas, em situações ou movimentos particularistas de abstraccionismo geométrico de radicação cubista, são as designações russas de “construtivismo” e “suprematismo”, ou as holandesas de “neoplasticismo” e “elementarismo” – mas a estas se juntou um novo conceito de “concretismo” (T. V. Doesbourg, 1951), que pretendeu opor-se ao abstraccionismo, considerando “ultrapassado o período de pesquisa e de experiencia especulativas”. Para G. Mathieu (1951), estas situações (também ditas de “abstracção fria”, por oposição aos adornos expressionistas) cabem na designação genérica de “aformalismo”. Mais tarde, cerca de 1960, uma arte baseada em efeitos ópticos tomará a designação americana de “op’art”, enquanto diligências mecânicas levaram à “arte cinética”, uma e outra em âmbito geométrico ou formalista.


A classificação de “não-figurativo”, mais vaga, procurou opor-se ao abstraccionismo de tipo geométrico, ignorando as “figuras” de geometria deste e só pensando nas da natureza da qual consideravam não procedentes as próprias experiencias. No imediato pós-guerra, porém, uma nova “escola de Paris” adoptou esta designação, nela aceitando uma radicação impressionista, por via da emoção retida do objecto natural inicial. “Não objectivo”, por seu lado, foi etiqueta proposta por H. Rebay, nos Estados Unidos, nos anos 40, numa recuperação que não teve fortuna.


Nos dois troncos genealógicos do abstraccionismo vemos assim, definirem-se duas situações, de expressão sentimental uma e de expressão mental ou geométrica a outra, com prioridade daquela, assumida logo em 1910 e até 1920 por Kandinsky, após longa experiencia expressionista figurativa, enquanto a segunda se exemplifica em Malevitch em 1913-14 e em Mondrian, em 1917 – ambos vinda do cubismo para o suprematismo ou para o neoplasticismo, respectivamente.


A maior ou mais carismática importância histórica de Mondrian vem da exemplaridade lógica da sua diligência tanto quanto da sua persistência, numa possibilidade de acção de que Malevitch não pode beneficiar na União Soviética estalineana. Ao encaminhamento lógico de ambos opôs-se o acaso que se encontra na base do abstraccionismo de Kandinsky, incapaz de ler figurativamente uma “Meda” de Monet, em 1895, e, surpreendido por uma sua própria composição subitamente vista ao invés, encostada a uma parede de ateliê, em 1908.


Mas além das duas correntes ou canais maiores do abstraccionismo, importa registar, com incidência pontual (embora outras relações de leitura devem ser feitas, em variados artistas), a duma inspiração musical interpretativa em termos visuais dum universo de sons, por afinidade rítmica. Em 1942 o checo F. Kupka (1871-1957) expõe em Paris (onde se instalara em 1895) uma tela intitulada “Discos de Newton” com, por subtítulo, “Amorfa, fuga em duas cores” (Praga), provavelmente de 1910. Percorrera então o pintor um longo caminho do simbolismo ao fauvismo e ao expressionismo, com influências luministas e dinâmica, depois de ter ilustrador de acerbo humorismo (“L’Assiette au Beurre”) e frequentado também o grupo da “Secção de ouro”. A série dos seus “Planos verticais”, em 1912-13 (M. A. M., Paris, etc.), traduz igualmente uma planificação musealista já detectável em “Teclas de piano – o lago” de 1909 (Praga) com a sua listagem vertical de “planos de cor”. Nos anos 30, Kupka inspirar-se-ia do Jazz (“Jazz-hot nº1”, 1935, M. A. M., Paris), numa obra irregular de várias curiosidades que trocaram as ciências cósmicas como a música e originaram o ensaio Creations dans les arts plastiques (1923), numa situação de pioneiro isolado. Numa idêntica inspiração musical pode inscrever-se o pintor e compositor lituano M. K. Ciurhouris, falecido em 1911, trabalhando em S. Petersburgo desde 1906, de que assinalam composições abstractas desde 1904, com arabescos de formas geométricas que nas “Sonatas das estrelas, alegro e andante” (1908, Kaunar, Lituânia) assumiram uma diluída figuração simbólica, já referida. O russo S. Charchouse, por seu lado, e vindo de experiências “dada”, inspirou-se também em Bach ou Bethoven, para composições de fino monocronismo, numa pintura para que o simbolismo espreita.

quinta-feira, dezembro 09, 2010

A Flor e o Cristal: Ensaios sobre arte e arquitectura moderna

A flor e o cristal são dois velhos motivos da iconografia romântica. Novalis deles se aproximou em seus aforismos de estética. A flor, órgão vegetal de reprodução, reúne nos símbolos sensíveis da sedução, do amor e da recriação da vida. No cristal, a matéria sensível concilia-se espontaneamente com a pureza formal, cuja ordem espiritual, geométrica ou matemática, percebemos antes mesmo de conhecer de conhecer objectivamente suas leis. A vida e o espiritual se confundem nesta dupla metáfora, como um ideal estético e, ao mesmo tempo, cultural. Mas, como no romantismo, também na arte moderna – e, de maneira particular, na pintura, na lírica e na arquitectura do expressionismo europeu –, esses símbolos poéticos articulam artisticamente uma esperança social, em meio a uma crise da civilização da qual se dizia, então, que só o final do milénio seria capaz de compreender todo o alcance. A metáfora do cristalino atravessou a estética do modernismo até o cubismo como um fio de ouro secreto, de profundas repercussões, tanto nas questões de conteúdo artístico, como em seus problemas formais.

Mondrian e a filosofia

Quando a arte reivindica programaticamente o princípio de pureza, exactidão e frieza, abstracção e formalização lógicas, habilidade e precisão, limpeza e clareza, seu fazer já não se distingue, então da actividade e da racionalidade técnicas que regem cegamente o progresso acumulativo da sociedade moderna. A estética cartesiana é uma estética instrumental.

Mas a pretensão da arte abstracta não se detém nesse ponto, na mera estilização da razão instrumental como objecto susceptível de beleza artística. É inerente ao próprio postulado da abstracção formal na arte uma aspiração ao universal. A abstracção estética nunca se efectuou, na realidade, a não ser em função dessa universalidade. Assim, o princípio da racionalização formalizadora e técnica da actividade artística enforma também um valor cultural totalizador.

É esse o caso de Piet Mondrian. A abstracção que define a nova arte – o neoplasticismo – se condensa, em sua obra, como princípio geral de uma humanidade nova.

A trivialidade e a imediatez das categorias que Mondrian emprega em seu programa estético são tão atraentes quanto o espantoso pathos que encerra. “Tanto a filosofia como a arte – escreve – são expressões do universal.” Mondrian suprime o conteúdo de verdade da obra de arte, a qual é sempre mediada por uma experiencia individual do real, e instaura em seu lugar uma universalidade pura, do universal e inamovível, da harmonia original e da essência do homem. O pressuposto de uma totalizadora e totalitária, que Mondrian considera ponto pacífico, serve-lhe para legitimar uma missão terrorista da arte. Desse modo, a actividade artística é reduzida a uma receita de cozinha, cujo segredo, na realidade, está na ignorância e ausência de uma verdadeira experiencia estética. Mas não é precisamente o despedaçamento da arte que torna a obra de Mondrian temível, e sim o desprezo e a violência à existência empírica do indivíduo e da sociedade, que, em sua obra, apenas se anunciam e se vestem de uma linguagem formal.

O abstracto universal, que o neoplasticismo postula, é, todavia, um princípio chocho, trivial e vazio, considerado em sua positividade. Já que não transmite, nem pode transmitir, a experiencia real que o tivesse produzido, nem tampouco a história empírica que o percorre, seu conceito de abstracção se converte numa falácia. A abstracção estética de Mondrian só adquire um sentido material e concreto onde coloca em evidência o que as linhas, planos, pontos, cores e formas reprimem, descartam e encadeiam. A declaração da formalização abstracta revela-se, sob esse aspecto, como princípio da violência material esteticamente estilizada. O terrorismo de semelhante missão artístico cultural manifesta-se, em primeiro lugar, na agressividade da linguagem que Mondrian emprega em seus programas estéticos. Assim, o conceito de abstracção do neoplasticismo significa “supressão do trágico”, “superação da nostalgia e da alegria, do fascínio e da dor”; significa, também, “subjugação do feminino e do material, tanto na vida quanto na sociedade”; enfim, “a destruição da corporeidade”, a “ aniquilação do individual”, a “violação dos meios formais”. Mondrian pretende manejar o pincel do mesmo modo que o censor as tesouras: como instrumento de depuração e limpeza. No fundo, sob o extremo racionalismo lógico desse verdugo da arte contemporânea, oculta-se um imperativo moral de resignação e ascese. O mondrianismo, em que pese a novidade que pretende significar na história moderna, pode estar certo de que os princípios tradicionais da repressiva ética cristã proporcionam-lhe sólidas bases.

A agressão verbal é o modo pelo qual veicula este impulso repressor. Essa violência é responsável pela aniquilação do particular e do empírico que a pintura abstracta de Mondrian efectua. A estética do absoluto anuncia, na obra teórica e plástica de Mondrian, um mundo novo: o universo de uma harmonia acabada e de um poder total.

Angustia e abstracção

Temos o grande grito que atravessa a natureza, o grito do desespero.
Edward Munch
Em 1914, Paul Klee escrevia em seu diário: Quanto mais assustador é o mundo (como em nossos dias, precisamente), mais abstracta a arte, enquanto que um mundo feliz cria uma arte terrena.

Apenas algumas linhas adiante, encontramos um comentário nada assombroso para a figura de interioridade que a obra de Paul Klee encarna: “A guerra – escreve ele – eu a tenho vivido faz muito dentro de mim mesmo. Daí eu já não ser afectado interiormente”.

Duas citações que põem em evidência algo mais que uma perspectiva pessimista da realidade. É verdade que dão-nos conta da visão de espanto e da aguda sensibilidade ao terror e à dor. Mas, ao mesmo tempo, são testemunho da resolução inquebrantável de resistir a isso, de tornar-se inexpugnável à destruição histórica que, então como agora, ameaçaram a Europa.

Resistência e afirmação diante do desastre. Mas como, por que caminhos, a que preço?

Sigamos o fio desse diário de Klee. Encontramos várias vezes nele o tema da destruição que converte essa obra em páginas daquela Primeira Guerra Mundial, páginas todavia distintas, porque não foram escritas a sangue e a fogo, mas que revelam a mesma aniquilação da cultura europeia.

“Para sair das minhas ruínas, tive que voar”, acrescenta Klee no mesmo contexto. Uma frase que evoca e nos faz pensar em sua incessante de uma expressão sorridente ou, pelo menos, não patética da dor e da tristeza, ou em sua tendência ao etéreo, em sua inclinação pelos anjos e pelas figuras que voam ou se afastam.

“Pensei que fosse morrer – diz também Klee – guerra e morte. Mas será que posso morrer, eu, cristal?” E na linha seguinte, repete-se a invocação mágica e salvadora: “Eu, cristal”.
Temos aí uma paisagem dilaceradora de ruínas, guerra e morte. E, diante delas, o voo em direcção ao espiritual e ao ideal nórdico de uma existência cristalina e transparente.

Por que esquecemos sempre, ao falar de abstracção ou de arte abstracta, esse outro lado, obscuro, irracional e infernal, que, no entanto, impulsiona-as?

Voltemos um instante às páginas dessa obra.

O coração que bateu por este mundo – prossegue Klee – foi-me ferido mortalmente. É como se já apenas as recordações me ligassem a “estas coisas”. Acaso nascerá a partir de mim o tipo cristalino? Abandona-se o âmbito do aquém e constrói-se, em compensação, um mundo além, que possa ser todo afirmação. Abstracção.

Visão do espanto, pressentimento do caos e do apocalipse. Tudo está aí. È o fim. Mas, depois, invocação de uma nova ordem, afirmação de um reino de beleza, embora à custa de uma transcendência; depois, enfim, o anseio, pictoricamente realizado, da utopia do cristalino.

Podemos considerar como novo o conflito entre o caos, o apocalipse e a dor, e a invocação do cristalino, do transparente e de uma ordem geométrico-matemática, que essas frases de Klee sugerem? Na verdade, não. O ideal de uma espiritualidade cristalina encontra-se, muito antes, no pensamento místico. Muito perto de nós, Santa Teresa d’Ávila expõe, em seu Caminho da perfeição, uma temática idêntica:

“Vivendo eu tão grandes males, pareceu-me que isso é mister, como quando os inimigos em tempo de guerra correram toda a terra e, vendo-se o senhor dela perdido, ele se recolhe a uma cidade que manda fortificar.”

Também aqui, o caminho da perfeição espiritual começa pela conjuração da angústia e da destruição. A ameaça de morte encontra-se às portas da nova ordem que reina nas moradas, na fortaleza da alma crente. E, nas Moradas precisamente, essa identidade do eu, que assume a união mística da alma com Deus, aparece com todo o esplendor radiante de uma cidade celeste: é a fortaleza de cristal, transparência, geometria e espiritualidade. Não diz Santa Teresa, nas primeiras linhas dessa obra, que a alma é “como um castelo todo de diamante e mui claro cristal”?

Mas também na tradição do pensamento filosófico se assume esse ideal cristalino. Devemos recordar, sobretudo, que a estética platónica fundava-se na ordem das formas geométricas (Filebo), mas, já na modernidade, são irrecusáveis os nomes do racionalismo, como Descartes e Spinoza. Este último talvez proporcione o exemplo mais diáfano da conjuração do caótico, do demoníaco e do mal, precisamente sob o signo da geometria, sob o rigor do more geométrico.

Parecerá certamente surpreendente – diz a Ética, de Spinoza – que eu me proponha tratar dos vícios dos homens e das suas doenças à maneira geométrica e que deseje demonstrar, por meio de um raciocínio rigoroso, o que não cessam de proclamar contrário à razão, vão, absurdo e digno de horror.

Não se trata, portanto, apenas do facto de que o princípio da abstracção e da geometrização conta com um passado glorioso, por exemplo, aquele que, na arqueologia, remonta à decoração no alto Egipto ou à cerâmica neolítica. A questão está, antes, num lugar bem definido da nossa cultura, que contrapõe o ideal do cristalino e de uma ordem racional à ideia do caos ou da destruição.

Antes de examinar com maior detalhe essa dualidade de princípios – a angustia e a abstracção – podemos reler as páginas de um dos pioneiros da arte não objectiva e abstracta: V. Kandinsky. O delicado panorama cultural que descreve sua conhecida obra Do espiritual na arte pode prestar-nos algum auxílio.

Kandinsky sempre evoca a exteriorização plástica de um espiritualismo hermético. Os signos sensíveis que nos mostram suas obras aludem a um universo ideal que de imediato, parece-nos fechado, incompreensível. O princípio da abstracção parece sustentar um mundo próprio e interior nesses quadros, cujo acesso dir-se-ia proibido. Que há detrás dessas figuras geométricas simples, sob essas combinações difíceis de cores, realizadas, porém, com uma decisão aparentemente categórica? Que se deve ler ou sentir diante das combinações estritas e rígidas de cores e formas geométricas, ou de formas geométricas entre si? Arnold Gehlen considera que a análise Kandinskiana da interioridade, seus signos e seus ritmos musicais são simplesmente inextrincáveis. “Kandinsky é incompreensível” – escreve esse autor, directa e provocantemente. Grohmann diz ele: pintor absoluto. Os qualificativos, se não exactos, ao menos são sugestivos: hermético, absoluto, dogmático, metafísico.

No entanto, caberia outra possibilidade, outro caminho: não seria mais adequado perguntar-se ante que circunstâncias ou que contexto se ergue a defesa Kandinskiana do espiritual na arte, sua apologia de uma “necessidade interior”, sua busca fanática de uma harmonia matemática das formas e das cores? O próprio Kandinsky veste de bom grado a figura de artista profético e visionário. Que teme, porém, sua visão de um mundo de formas puras e de ideias abstractas e absolutas?

Nas primeiras páginas de Do espiritual na arte, esse pintor expõe um panorama cultural de seu tempo com uma curiosa metáfora:

…como numa grande cidade firmemente construída segundo as regras matemáticas e arquitectónicas, que, de repente, fosse sacudida por uma força incomensurável. Uma parte do espesso muro se desmoronou como um baralho. Uma torre, que se erguia até ao céu, gigantesca, construída sobre muitos pilares espirituais, delicados e imortais, jaz em ruínas. O velho cemitério esquecido estremece. Velhas tumbas abandonadas se abrem e espíritos esquecidos saem delas. No sol, construído com tanta arte, aparecem manchas e tudo fica escuro.

Estranha metáfora? A cidade destruída, os muros que caem, as ruínas, as altas torres derrubadas, as trevas e a ressurreição dos mortos. Na realidade, ninguém poderia jurar que Kandinsky é espiritual na arte evocam, quase involuntariamente, aspectos dos cultos órficos ou, pelo menos, a tradição do platonismo. Já aludi ao carácter iniciático contido em toda a sua teoria da arte e das cores, mas outros autores reconstruíram a experiência artística de Kandinsky nos termos de um processo extático:

Não eram raras as vezes em que Kandinsky tinha êxtases que o transportavam “além do espaço e do tempo” – comentava, nesse sentido, Johannes Eichner. – O rapaz procurava a redenção da opressora inquietude que sentia diante das portas da vida num mundo de signos em que ele “já não sentia a si mesmo”. Quando, posteriormente, converteu-se em artista, tratava também de despertar a mesma a mesma superação do eu nos espectadores de seus quadros.

A concepção da experiencia artística como êxtase procede do próprio Kandinsky, em sua obra Ruckblicke (Retrospectos). O que Eichner acrescenta a essa posição mística é somente a contraposição entre a supressão da consciência individual, por um lado, e, por outro, a identidade contemplativa do “interior” e do “exterior” no quadro, com momentos que, entretanto, já conhecemos: o “ocultamento do eu”, a superação da “inquietude opressora da vida” ou o carácter “perturbador” da realidade imediata.

Em outro contexto cultural, o da literatura, as coisas não parecem ser muito diferentes. Também aqui se fala da crise e da angústia de nosso tempo e da necessidade de sua conjuração espiritual num universo de essências eternas e puras. Limitar-me-ei, porém, a dois exemplos, o de Hermann Hesse e o de Hermann Broch.

Hesse escreveu, por volta de 1922, uma trilogia de ensaios que tinham o título significativo de Blick ins Chaos (uma olhada no caos). A constelação que Hesse descreve é idêntica. Da mesma maneira que os programas artísticos da vanguarda, esse livrinho foi escrito sob o signo da catástrofe e da compulsão do fim da Europa. O primeiro de seus ensaios, dedicado à obra de Dostoiévski, termina com as seguintes palavras:

Já meia Europa, pelo menos a metade oriental da Europa, acha-se a caminho do caos; caminha ébria e presa de um frenesi sagrado pelo abismo, e canta, canta hinos de embriaguez, como os que cantou, uma vez, Dimitri Karamazov. E o burguês ri de nervoso com essas canções, e o santo e o vidente ouvem-nas com lágrimas nos olhos.

O topos literário repete-se nessa citação: fim da Europa e caos; o artista estilizado na figura do santo e do vidente. O mesmo que na obra de Kandinsky. A visão do caos serve de legitimação para as exigências de uma ordem espiritual abstracta. Hesse também inscreve em sua bandeira o princípio de uma necessidade ou de uma ordem espiritual e interior. “Nada é exterior, nada é interior, pois todo o exterior também é interioridade” – é seu grito romântico de guerra.

A complexa obra de Broch ilustra esse mesmo contexto precisamente através do seu romance mais importante, Tod des Vergil (A morte de Vergílio), que é uma alegoria do fim da Europa através da descrição das últimas horas de agonia do seu primeiro poeta. Esse longo romance é, também, uma paisagem de confusão e aturdimento, de espanto e de decrepitude. No entanto, uma nova Babel da harmonia se ergue acima do caos, sob a forma de um Eu absoluto, de irisações platónicas e místicas: isto é, uma vez, mais, na figura cristalina de uma identidade absoluta.

Quer dizer, pois, como ponto final dessa problemática cultural de nosso tempo?

Esse problema pode ser resumido numa só frase: a estética da “construção sobre uma base espiritual pura” não desconhece a dor e o desespero, nem tampouco a destruição e o caos; e os princípios do equilíbrio dogmático físico-matemático das cores ou das formas postulados por Mondrian, Kandinsky Itten ou Klee, passaram anteriormente, apenas sem confessá-lo, pelas visões de decadência de Maeterlinck ou pelos monstros impiedosos de Ensor, George Grosz ou Kubin. A abstracção afunda suas raízes no solo da destruição, da qual pretende escapar como seu contrário, como porta-voz excelso de uma nova positividade. Poderíamos parafrasear, nesse sentido, o título de um romance de Kubin: A outra parte. A arte abstracta da modernidade sabe dessa “outra parte” – a realidade histórica e individual da angústia –, mas comporta-se como quem nega e pretende transcender e superar.

O tema de que tratamos tampouco é novo na reflexão sobre a arte contemporânea, embora a partir da Segunda Guerra Mundial o nexo entre abstracção e angústia tenha sido esquecido em benefício de uma arte abstracta e de uma vanguarda que, à imagem do mundo tecnológico do que pretendeu ser a legitimação artística e a expressão ornamental, existia, vivia e se desenvolvia por e para si, como abstracção pela abstracção.

A relação entre angústia e abstracção foi aludida precisamente durante aqueles mesmos anos em que nasceu a arte abstracta e se configuraram seus princípios programáticos, entre 1906 e 1914, pelo filósofo alemão Wilhem Worringer, embora de um ponto de vista bastante alheio ao que vim esboçando nestas páginas.

Podemos considerar Worringer, em primeiro lugar, como um pioneiro da abstracção, embora no campo específico da reflexão filosófica e histórico-cultural. Sua primeira obra, Abstraktion unt Einfuhlung, publicada em 1908, adianta-se, sob muitos aspectos, às teses formuladas mais tarde por Mondrian, Kandinsky, Severini, Klee ou Malevitch, apesar de não referi-las, como esses últimos, à realidade mais actual das tendências artísticas, mas sim à história da arte e à arqueologia. O lugar de Worringer no pensamento contemporâneo deve ser considerado como ao lado dos primeiros quadros cubistas e dos inícios da arte não objectiva.

É importante tratar a obra de Worringer em relação à arte abstracta por sua formulação do cristalino como categoria geral subjacente a essa concepção estilística e em virtude da sua análise da abstracção formal na arte, da geometrização e da repressão da representação espacial como momentos constitutivos e fundamentais desse ideal cristalino. Tudo isso é sugestivo e actual, mais do que parecia ver o próprio Worringer ao escrever aquela obra; e esses conceitos são susceptíveis de aplicação À realidade histórica e evolutiva da arte abstracta, por exemplo, da obra de Mondrian ou Malevitch. Mas sua análise interessa, no contexto desse ensaio, por um motivo diferente, que não desempenha, porém, em sua obra, um papel central: o problema da angústia.

Citarei um trecho representativo, a esse propósito:

Quais são as premissas psíquicas do impulso da abstracção? – Pergunta-se Worringer. Sua resposta já nos é familiar, depois de termos lido os textos precedentes, de Kandinsky ou de Klee. – Essas premissas, é preciso buscá-las no sentimento cósmico dos povos (primitivos), em sua atitude psíquica diante do universo. Assim como Tibulo dizia “primum in mundo fecit deus timor”, podemos afirmar, também, que esse mesmo sentimento de angústia se encontra na raiz da criação artística. As possibilidades de satisfação que (os povos primitivos) buscavam na arte não consistiam num abandonar-se às coisas do mundo exterior e gozá-las, mas em subtrair a coisa particular do mundo exterior à sua arbitrariedade e aparente causalidade, em eternizá-las na medida em que aproximavam-nas das formas abstractas e em encontrar, assim, uma quietude em meio ao fluxo de aparências. A linha simples e o desenvolvimento regido por leis geométricas deviam proporcionar as possibilidades mais elevadas de satisfação para aquele homem atemorizado diante da falta de claridade e de confusão dos fenómenos.

A tese de Worringer é simples: diante da angústia ocasionada por uma natureza ameaçadora, o prazer estético de geometrização e do cristalino. E parece ilustrar, de uma perspectiva antropológica, os trechos citados de Klee, Kandinsky ou Hesse. Contra o medo, a abstracção.

Naturalmente, como teoria antropológica – e assim a apresenta Worringer –, essa concepção é ridícula; como explicação psicológica das origens da arte é igualmente tola. Em contrapartida, no contexto aqui considerado, da arte abstracta e sua circunstância histórica, essa angústia é plausível, contando que seja considerada como uma simples projecção de um nexo actual no terreno da arqueologia e da história da arte.

Só me deterei mais um instante para considerar esse dualismo no movimento artístico do Stijl holandês. Limitar-me-ei a citar um trecho significativo, nesse sentido, de um ensaio, importante aliás, publicado em 1922 por Theo van Doesburg, sob o título de “A vontade de estilo”:

Se dirigirmos nossa atenção para a imagem geral da nossa vida actual partindo de pontos de vista próprios, chegaremos à conclusão de que essa imagem é portadora de um carácter caótico, e não podemos estranhar que os que se sentem descontentes nesse caos aparente querem fugir do mundo ou perder-se em abstracções espirituais.

Abstracção contra o apocalipse, construção de uma ordem cristalina contra a realidade caótica, na sociedade ou no pensamento. Exemplos: Klee, Kandinsky, Feininger e Gropius, Hesse e Broch, Van Doesburg, Mendelson, Taut e tantos outros. Não se trata de atitude individual, idiossincrática: é antes, um elemento geral que pertence à atmosfera espiritual da época.

Todavia, ao expor o tema desse dualismo, coloca-se uma pergunta imediata. Uma vez cumprido o postulado da abstracção, uma vez realizado o mundo espiritual e harmonioso na esfera da arte, que resulta daquele mundo real dos conflitos, da morte: o caos ou a angústia? Esses momentos são realmente suprimidos e superados, na nova estética do universal e do espiritual e na utopia socialmente efectiva que, desde Mondrian e Le Corbusier, fundava-se nessa estética da abstracção?

Tentarei formular a mesma questão com outras palavras. Até agora, foi considerada a arte abstracta fora do contexto histórico da destruição e da angústia (da guerra, da problemática do fim da Europa e da sua cultura, da consciência de dissolução de uma época). É o que poderia chamar-se de uma reconstrução abstracta da abstracção artística. Mas, considerada do ponto de vista aqui exposto, a arte abstracta constitui fundamentalmente uma forma específica, entre muitas outras que também foram possíveis, de elaboração individual e social do problema da angústia. Uma forma específica e não única, porém, aquela elaboração dessa questão que estava destinada a ter maiores consequências no decurso do progresso das sociedades capitalistas europeias. Pois bem, essa elaboração artística conseguiu dominar e superar realmente o problema histórico da angústia? A arte abstracta e a utopia social a ela ligada se sobrepuseram aos conflitos e tensões da crise europeia, de cuja dilaceração nascia? O princípio da abstracção conseguiu superar a dor?

Eis uma pergunta simples, quase ingénua, cuja formulação, não obstante, me parece extraordinariamente delicada a incómoda. Por uma razão muito clara: que a angústia individual e social deva ser superada e suprimida, não é coisa que, para nossa cultura, por mais paradoxal que isso pareça, seja óbvia. Muito pelo contrário: no medo, precisamente (o medo do castigo, do senhor, do poder, o medo da destruição), fundou-se nosso reino. Em nome da angústia, os poderes tornaram-se grandes e conquistaram impérios. Desde Hegel até Heidegger ou Sartre, a filosofia moderna legitimou, por isso, a angústia como princípio criador. Graças à angústia, foi possível erigir uma imensa cultura espiritual – afirma Kierkegaard, o apologista máximo do medo e da morte. A própria morte, como astúcia do triunfo histórico da razão, não é o mistério secreto oculto pela Fenomenologia do espírito, de Hegel?

Se a morte e o medo são dois princípios constitutivos da cultura, a história da arte abstracta, seu caminho da angústia ante o caos à invocação de uma ordem universal, não seria nada mais que a reiteração dessa eterna litania. Mas que seja realmente essa repetição, é um tema que deixarei em aberto aqui. Pois o que se trata é saber até que ponto aquela angústia foi superada. O que, sublinho mais uma vez, supõe um ponto de vista crítico, tanto diante de uma filosofia que legitimou o império da razão em nome da morte, como diante de uma sociedade que se reproduz infinitamente através da perpetuação do medo, da guerra e da destruição.

Talvez a obra de Klee permita dar um passo adiante em nossa argumentação. Vimos, nas citações anteriores de seu diário, o papel substantivo e explícito desempenhado pela angústia na constituição de uma arte abstracta. Mas a angústia, como as experiencias, a elas ligadas, do caos, da morte, do mal, do misterioso e obscuro, ou do invisível, não são banidas nem suprimidas em sua obra, senão conservadas precisamente em sua tensão e contraposição com o geométrico-construtivo e cristalino. O que klee escreve sobre o caos, em particular (“Eu começo, como é lógico, pelo caos, pois é o mais natural. Nele, sinto-me tranquilo, já que, no início, eu mesmo posso ser caos”); também poderia dizer-se de qualquer elemento artístico dentro de sua concepção decididamente dual do mundo. O princípio do cristalino mantém uma luta com o irracional, o desconhecido, e com a morte, mas sem que nenhum dos dois consiga prevalecer absolutamente sobre o seu contrário.

O caso de um quadro pode proporcionar-nos uma explicação mais precisa desse facto. Trata-se de uma obra deliciosa. Mas sua composição é simples, em aparência, como em muitos quadros de Klee. Há, como base, uma firme trama quadricular, uma estrutura geométrica firmemente construída. Sobre essa estrutura, Klee realiza tensões tonais e luminosas. O resultado é uma obra estritamente construtiva e abstracta: quadrados, cores complementares, tensão finalmente calculada entre claros e escuros. Termina aqui a descrição desse quadro? Absolutamente.

Sua tonalidade geral é escura: o quadro descreve um universo crepuscular. Adivinhamos uma paisagem, um monte, árvores: as paisagens da melancolia e da solidão. Na banda central da composição, Klee abre uma zona apagada. Nela reina uma escuridão ainda maior. Gera-se um silêncio. E, em meio a esse apagado, surge a claridade nítida da lua. É o mundo lírico da noite. Klee intitula, por conseguinte, o quadro de Saída da lua.

Esse quadro, escolhido ao acaso, deixa patente a coexistência do abstracto-construtivo e do princípio cristalino, com o reino da noite e todas as associações poéticas ligadas a ele, com a experiência individual e lírica. Diria mais, porém, acerca dessa relação: o construtivo permite precisamente fixar o lírico, dar firmeza à expressão da dor. O que significa que, em Klee, o princípio da abstracção não suprime o seu oposto, mas permite elaborá-lo, dominá-lo.

No outro extremo dessa problemática dualista, uma obra como a de Mondrian apresenta o facto consumado e imediato da abstracção, o que, em outro contexto, chamei de abstracção da abstracção. Os quadros neoplasticistas afirmam sem reticências uma nova ordem universal, fazendo tábua rasa da menor recordação daquela experiência original do caos. Pois bem, podemos falar aqui da elaboração do caos, de confrontação artística com ele, de luta, tensão? Dificilmente. A realidade da angústia foi deslocada, foi literalmente banida da expressão artística. Aqui não há elaboração da angústia, mas sim sua mais nítida e estrita repressão.

Uma nova questão nos espera ao chegarmos a este ponto. A realidade ruim de que o artista abstracto queria livrar-se, precisamente por meio da abstracção, não foi suprimida realmente por ter sido deslocada e reprimida da realidade artística “obra de arte”. No entanto, onde terá ido parar? A arte abstracta não a superou, mas, antes, desentendeu-se com ela.

Chegamos, assim, ao término das vanguardas, mas não à nossa última palavra. Pois, entretanto, o sonho que habitava o coração da arte abstracta tornou-se realidade. Nosso mundo já é o universo daquela segunda natureza abstracta e absoluta, que a pintura e a arquitectura de vanguarda reivindicaram como nova idade de ouro. Já tivemos em cidades de torres cristalinas e de catedrais brancas e transparentes, encerrados entre paredes lisas e espaços geométricos puros, submetidos à estética da frieza, da exactidão e da esterilidade.

A reflexão crítica sobre a arte moderna deve proceder a partir de agora com a delicada paciência dos restauradores, que têm de separar de um fresco magnífico a fina capa de estuque ou a película de outra pintura que o recobre. Assim, por trás da construção cristalina de um Mondrian ou de um Tatlin, terá de descobrir, não a felicidade Diamantina de uma ordem geométrica acabada, mas a figura da solidão e da morte que inspiravam essa arte, que só encontramos em toda a sua horrível potência nas obras de Schab, no Tríptico da guerra, de Otto Dix, ou nas visões de Hofer.

Talvez seja preciso recordar, como exemplo paradigmático, que um óleo como o Montagne Sante Victoire, de Cézanne, isto é, a representação já clássica, para nós, da natureza como uma ordem abstracta, construtiva e cristalina, é contemporâneo e reflecte a mesma realidade espiritual do Grito, de Edward Munch, em que uma das paisagens mais doces de toda a Europa, a dos fiordes, arde e se agita convulsivamente como um inferno, ao grito da angústia.

Em segundo lugar, esse caminho de recuperação da realidade empírica, tanto histórica como individual, que a arte abstracta havia deslocado, não deve informar apenas a tarefa reconstrutiva da reflexão crítica. Ele é também uma possibilidade aberta para a reflexão artística de nosso tempo.