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domingo, janeiro 16, 2011

Wassily Kandinsky (1866-1944)

O simultaneismo dos discos abstractos de Delaunay, em 1912 (e o “sincronismo” dos seus discípulos), as composições de variada raiz cubista e futurista de Picabia em 1912-13, a prática das “linhas-força” dos futuristas e dos seus “estados de alma”, em Boccioni, Balla e Severini, fornecem outras tantas situações estéticas, que o abstraccionismo integrará, como conclusão historicamente necessária. E se, “no fundo, o movimento cubista foi e desejou-se num encaminhamento para a abstracção” (L. Degand, 1953), o mesmo poderá pensar-se do experimentalismo, de Van Gogh para Kandinsky. W. Kandinsky (1866-1944), jurista de formação na sua Rússia natal, cedo foi atraído pela arte folclórica que o fez “entrar na pintura” e, em 1896, partiu para Munique onde a Arte nova o atraiu no grupo “Phalanx” que fundou (1901-04) e no âmbito do qual criou a sua própria escola, numa prática pictural lembrada de cores de Moscovo em paisagens e “pinturas românticas”, algo simbolistas (“Lanceiro na paisagem”, 1906; “Pânico”, 1907). Foi pela via da paisagem que, improvisando, Kandinsky activou a sua paleta por influência fauve e expressionista, vinda de Jawlensky, seu companheiro em Murnan onde se instalou em 1908, e com o qual abandonou em breve, para fundar “Der Blane Reiter”, com F. Mara, em 1911. Foi nesse quadro que a pintura de Kandinsky evoluiu para o abstracto, através duma sempre maior indefinição formal e duma sonoridade no colorido (“Paisagem com torre sineira”, 1909, M. A. M., Paris; “Improvisação sobre acaju”, 1910, M. A. M., Paris).

A influência de Kandinsky foi determinante para a evolução da pintura alemã em Munique: o seu ensaio Uber das Geistige in der Kunst (“Sobre o espiritual na arte”, escrito em 1910) definiu uma nova situação estética que a antroposofia de R. Steiner marcou. A obra de arte é um “ser vivo”, com uma “vida interior” vinda duma “necessidade interior da alma” expressa através do significado simbólico das formas e das cores e comunicando a chegada do “Reino do Espírito” na “época da grande espiritualidade”. Por estas afirmações, o autor preparou uma possibilidade nova na criação artística que uma primeira aguarela abstracta, composição de manchas e de finas caligrafias (M. A. M., Paris), propôs em 1910 – não sem que, nesse ano, e até 1913, em “Improvisações” e “Composições”, a referência figurativa-paisagistica continuasse alternadamente presente. Em “Com o arco negro” (1912, M. A. M., Paris), no seu grande choque de formas, donde “caoticamente nasce o cosmo”, Kandinsky realizou uma obra definitiva que, em 1914, “Quadro com uma Mancha Vermelha” (M. A. M., Paris), “Fuga” (Museu Guggenheim, Nova Iorque), e os quatro painéis feitos para um coleccionador de Nova Iorque (“Composições” que já foram designadas pelos nomes de quatro estações, 1914, M. A. M., Nova Iorque e Museu Guggenheim, nº 1) completam, no seu vigoroso e eufórico conflito de formas coloridas. Nesse mesmo ano, com a guerra, Kandinsky abandonou Munique por Moscovo, deixando ali a sua antiga aluna e companheira G. Munter (doação ao Museu Municipal de Munique), cuja arte influenciou, juntamente com Jawlensky. Um novo período da sua produção ali se realizou, pouco fecundo dadas as dificuldades da guerra e ocupações oficiais que depois teve, como professor, fundador dum malogrado Instituto de Cultura Artística (1919) e duma Academia das Ciências Artísticas, em 1921, ano em que deixou a Rússia pela Alemanha. A participação de Kandinsky na política artística soviética não foi, porém, entusiástica, mais por temperamento de isolado, que o manteve à margem dos grupos duma vanguarda empenhada, e, numa Berlim revolucionária e Dada, a sua actividade foi reduzida também. A “Bauhaus”, apareceu-lhe então como uma solução e fez-se convidar para ali assumir um ensino, a par de Klee que já lá se encontrava. Desde 1921, porém o pintor realizou quadros onde formas geométricas rigorosas se articulavam com outras, de caligrafia livre e manchas (“Fundo Branco”, 1920, Leninegrado; “Mancha vermelha II”, 1921, Basileia; “Xadrez”, 1921, Museu Guggenheim, Nova Iorque), no que já se pretendeu ver marca construtivista, em certa medida aceitável, mas da qual a arte de Kandinsky se defendia pela recusa do seu princípio mecanicista (cf. W. Grohmann, 1958). Tratava-se, antes, de uma investigação sobre a relação entre as figuras e o fundo, situada além do romantismo do período muniquense. E por essa via a obra do pintor havia de seguir, nos anos subsequentes.

A codificação duma “nova estética que só podia marcar quando os signos se tornassem símbolos”, agora sob formas geométricas puras, de círculos, linhas rectas cruzadas e curvas serpentinas bem distintas umas das outras num espaço de colorido doseado, traduzia o renovado empenho de Kandinsky na observação das formas nas suas relações estruturais ou nas suas “leis de tensão”. Um novo ensaio, Punk und Linie Zu Flache”, publicado em 1926, já sobre notas de 1914, reflecte sobre esses “problemas preliminares, duma ciência da arte”, numa série de apontamentos articulados que serviam ao ensino professado na “Bauhaus” entretanto transferida para Dessau; trata-se, também, duma “continuidade orgânica” do ensaio de 1912. Os quadros então pintados continuam a pôr o problema do espaço através de várias combinações formais, mais rigorosas ou mais maleáveis, a partir das figuras fundamentais usadas, o círculo, o triângulo e o quadrado, num jogo grave ou alegre, entre o “No círculo negro” (1923, col. part., Paris) e a “Tensão calma” (1924, M. A. M., Paris), “Alguns círculos” (1926, Museu Guggenheim, Nova Iorque) e “Amarelo, vermelho, azul” (1925, M. A. M., Paris).

Em 1923, o nazismo fechou a “Bauhaus” e obrigou Kandinsky a exilar-se em Paris-Neville, onde morreria. “Desenvolvimento em castanho” (1933, M. A. M., Paris) foi o último quadro pintado na Alemanha, triste na sua alusão; “Relações, 1934, col. part. Nova Iorque), com a sua alegria feérica, é já um quadro parisiense, dum novo período em que, no meio de dificuldades consideráveis, pois a sua arte, isolada então, era recebida com reticências e o pintor inovou num sentido de maior “exuberância barroca” (W. Grohmann, 1958), de que “Composição IX” (1936, M. A. M., Paris) é notável exemplo, na profusão das suas figuras dançantes, sobre bandas diagonais de claro colorido, ou “Curva dominante” (1936, Museu Guggheneim, Nova Iorque), ou “Meio acompanhado” (1937, col. part., Paris) em cenas brincadas que, na parte final da sua obra, têm por tema o voo e a ascensão numa simbologia espiritual. “Os últimos quadros são o eco dum mundo transparente e transitório” (W. Grohmann, 1958), que lembram formas primitivas pré-colombianas assim casadas com a memória do próprio folclore russo. O último quadro realizado, “Entusiasmo temperado” (M. A. M., Paris), faz vogar, num fundo rosa, estranhas formas biológicas, um embrião de vida a recomeçar.

O “fim da teoria” que Kandinsky expôs no seu ensaio de 1926 era, na verdade da sua pintura, “1. Encontrar a vida, 2. Tornar perceptíveis as suas pulsações, 3. Estabelecer as leis que regem a vida”. Esta organicidade apresentou uma fase romântica, fonte de expressionismo abstracto, até perto de 1920, e na fase de equilíbrio numa sabedoria constante e jamais desmentida que, nos seus pontos de contacto com a arte de Klee, não abdica duma convenção espiritualista como não esquece a arte popular do seu país, primeiro convite recebido para a aventura de pintar.