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sexta-feira, março 04, 2011

Abstraccionismo na Europa

Por toda a Europa e América o abstraccionismo geométrico teve eco mais ou menos convicto, mais ou menos criativo e original, a partir dos dois focos, russo e holandês, com Paris como placa giratória na maioria dos casos.

Na Alemanha, onde em 1926, se construiu o grupo “Die Abstrakten”, o construtivismo de F. Vordemburg-Gidewart ou de W. Dexel ou o suprematismo de Buchholz (e o neoplasticismo de A. Fleishmann, na geração dos anos 20 a que O. Freudlich trouxe a lição de Delaunay, e J. Leppien, aluno da “Bauhaus” (instalado em França desde 1933), pouco mais tarde, compuseram um leque de situações que na Suíça se representaram com S. Taeuber-Arp (1889-1943), mulher de Arp, e C. Gresar, colaboradora de M. V. de Roehe, nas mesmas gerações S. Taeuber-Arp, decoradora da “Aubette” de Estrasburgo, representa, no abstraccionismo, uma posição estética e prática de puro formalismo, no vocabulário adoptado, vendo “nas relações entre as cores e as formas uma fonte inesgotável de possibilidades plásticas (M. Staber, 1970), alheias a qualquer pressuposto espiritualista, M. Bill, arquitecto, pintor e escultor, aluno da “Bauhaus” e director (1951-56) da Escola Superior da Forma (Gestaltung) em Ulm, já director da revista “Abstrakt-Konkret” 1944, marcou nos anos seguintes, uma nova posição formalista que exerceu influências em Itália e na Argentina. Ainda na Suíça, os grupos “33” (do ano da sua formação) e “Die Allianz” (1938, com Bill, o construtivista L. Leuppi, R. P. Lohse, interessada em estética “modular” ou “serial”), tiveram papel importante na afirmação do formalismo, adoptando a designação de “concretismo”.

Em Inglaterra, onde o grupo “Seven and Five” (Sete e Cinco”), que nascera “fauve” em 1920, marcou posição abstracta em 1935, numa preferência então partilhada pelo grupo “Unit One” (“Unidade um”), o grupo “Axis” (1933-37) recebeu influência parisiense de “Abstraction-Creation” antes de assumir opções lineares, com J. Liper e P. Nash, enquanto o grupo “Circle” (1937) ecoava a linha da “Bauhaus” e do construtivismo, com K. Martin, B. Nicholson e N. Gabo, então refugiado no país – uma influente inspiração em que participaram Gropius, Breuer, Moholy-Nagye, mais tarde, Mondrian. Dali sairia, o construtivismo de V. Passmore, que se situou a par do neoplasticismo, mais original, por via cubista, de B. Nicholson, com as suas composições em relevo de pura geometrização.

Os neoplásticos O. G. Carlsrund e E. Olson, O. Baertling ou R. Mortensen, na Escandinávia, na Holanda, os construtivistas W. V. Leusden, J. J. Schoonhoven, ou A. Denkers, discípulo distante de Mondrian nos anos 60, e P. Struycken, trabalhando já com o computador, na Bélgica, o grupo e revista “7 Arts”, de 1922 1 1929, com V. Servanacks (1897-1965), hesitando entre o surrealismo e uma plástica pura, de inspiração mecânica, J. Peters, K. Eemans, como, mais tarde, L. Peire e G. Bertrand, multiplicaram os aspectos do movimento abstracto.

Na Itália fascista, ele foi sinal de resistência cultural, defendido em Milão desde 1930, pela Galeria il Milione do crítico E. Persico, que já encontramos com A. Soldati, O. Liccini, M. Reggiani, M. Radice, M. Rho, os precursores L. Veronesi, L. Fontane, B. Munari, vindos de várias origens, naturalmente futuristas ou neoplásticos, ou da “Bauhaus”, indirectamente. Ali o abstraccionismo geométrico teve maior amplitude no pós-guerra, com o movimento romano “forma I” (1947) e o movimento milanês “Abstratto-Concretto” (1948), de Soldati; Munari e G. Dorples, crítico e notável teórico também, que durou até 1958.

Em Portugal e em Espanha após as experiencias sem seguimento de Amadeo Sousa Cardos, a partir do cubismo e de Delauny, em 1913, e a acção de Torres-Garcia em Madrid em 1925, o movimento foi mais tardio. F. Lanhas, em 1944, em Portugal (Porto), anunciou a nova situação, enriquecida, nos anos 50, pela exploração neoplástica de J. Rodrigo, pela intervenção codificada de Almada Negreiros (1957) e pelos “Espacimilitados” de Nadir Afonso (1957), que propõem uma continuidade de articulação formal, além dos limites da tela. Em Espanha, o abstraccionismo contou com as obras de J. Oiteza, e manifestou-se em 1957, no grupo cordovês “Equipo 57”, sob influência de Mortensen, dado a pesquisas gestalticas, e existiu no construtivismo animado de P. Palazuelo, com G. Ruela e com cinetismo de E. Sempere.

quarta-feira, fevereiro 02, 2011

Victor Vasarely (1908-97)



Vasarely, abstracto em 1952, levou as suas pesquisas formalistas de intenção dogmática no seu “alfabeto plástico”, com “protótipos de partida”, tratados em “240 tonalidades”, a efeitos ópticos com ilusório dinamismo interno. A programada integração arquitectural da sua obra (decoração mural da Universidade de Caracas, 1955; pinturas da estação de Montparnasse, Paris, 1971) justificou a vasta e popularizada expansão que uma preferência mundana e comercial garantiu.

Vasarely iniciou uma corrente dita de “arte óptica” (ou “Op Art”) que, em certa medida, provocou e promoveu em finais de 50. Se experiencias de ilusionismo óptico já tinham sido feitas no ensino da “Bauhaus”, foi a evolução do discurso abstracto que finalmente as justificou e popularizou em Paris e particularmente entre jovens artistas sul-americanos, como F. Sobrinho, J. Le Pare, C. Cruz-Diez, e, mais profundamente, J. Soto. Dos efeitos ópticos aos efeitos cinéticos por eles provocados, a passagem foi imediata e a exposição “Movimento”, em Paris, esclareceu-a. Assim, uma “arte cinética”, puramente visual (J. Agam) ou mecanizada (que se diria “Mec Art” com manifesto em 1964, então no domínio espacial da escultura), desenvolveu-se paralelamente pelos anos 60 fora, em termos geométricos de função sistemática e com intervenção possível de computadores, como veremos – representando então, na Europa e na América, como “abstracção determinada” (F. Caroli, 1976), um renascimento formalista.


As propostas da “Op Art” em grande parte radicam-se no espírito da “Bauhaus”. Já conhecemos o papel desta na arquitectura racionalista do presente período. Se a arquitectura era o seu alvo fundamental, o ensino desta escola moderna e criativa cobriu, em “comunicação”, todos os planos das artes visuais, nos sectores gráfico, tipográfico, fotográfico, no desenho de interiores e seus móveis e objectos, na realização de escultura e de pintura – onde Klee e Kandinsky foram autores principais.


Mas o ensino destes integrava-se colectivamente no princípio de interdependência ou de unidade, racional e sensível, filosófica e social, e de outras intervenções se destacam, com outros mestres, e em redacção com o construtivismo, o suprematismo e o neoplasticismo.

Abstraccionismo geométrico Francês

Mas o abstraccionismo geométrico francês tem raízes nas preocupações matemáticas dos cubistas da “Secção de ouro” (1912) e do “purismo” e deve contar, como precursor, os trabalhos, estritamente formalistas, de E. Gasset que, após ter influenciado a “Arte Nova” com as suas estilizações florais (1896-99), publicou, em 1907, o seu “Méthode de composition ornemental” onde se encontram numerosas matrizes de composições geométricas (cf. Gladys C. Fabre, 1977). Precursor também, praticamente desconhecido, foi, desde 1919-20, o amigo de Kupka, Gallien, formado em Grenoble, e alheio a Paris, com os seus quadros geométricos a preto e branco.

Já em 1917, porém A Herbin (1882-1960), vindo do cubismo, concebeu as suas primeiras composições abstractas que renovaria em 1940, numa “visão espiritual do universo” apoiada no seu “alfabeto plástico” codificado rigorosamente em cores puras e figuras elementares e definido em L’Art non figuratif non objectif (1949) J. Gorin (1899-1981), vindo do ensino de Gleizer e influenciado por Mondrian, realizou relevos neoplásticos desde 1926, com inteira liberdade espacial nos anos 50. J. Hélion teve também uma importante fase neoplástica entre 1929 e 1939, desde 1935 adaptada a figuras abstractas modeladas. M. Cahn e A. Nemours, discípulos de Léger, vieram também ao abstraccionismo geométrico, como J. Crotti, F. del Marle, L. Zack, numa fase da sua carreira, ou G. Folmer, todos nascidos antes de 1900. A aparição dos nomes Léger e de Gleizer, no ensino de pintores abstractos, sublinha a ligação do cubismo – e a vocação abstracta deste.

O italiano A. Magnelli (1888-1971), alternou cubismo e abstraccionismo geométrico até se decidir por esta expressão com a qual realizou, desde os anos 40, uma obra de grande coerência e fascínio poético. Ele foi com Herbin, mais isolado nas suas propostas, e contando com o húngaro Vasarely, o dinamarquês R. Mortensen e J. Deyrolle, no grupo Denise René, a principal figura desta corrente na Paris do pós-guerra – que viu constituir-se, com E. Pillet (Idéogrammes, 1954) e J. Dewasne, um “Atelier d’Art Abstract” (1950-52), que teve importante papel, sobretudo entre jovens artistas latino-americanos.

As polémicas acesas nos anos 1945-47, em torno desta corrente estética, reclamavam-se então – mas em 1950 perpetuava-se já se a “arte abstracta era um academismo” (C. Estienne).

Academismo na verdade rompido pelas propostas polémicas de Y. Klein (1928-62) de uma pintura monocromática (1955) cujo “azul” ficou famoso – primeiro passo para comportamentos artísticos heterodoxos dum novo realismo em breve explodido.

quinta-feira, janeiro 27, 2011

Piet Mondrian (1872 – 1944)

Fora destas atmosferas efusivas, um pintor holandês vivendo isoladamente em Paris entre as duas grandes guerras, P. Mondrian, foi realizando uma obra que construiu a resposta formalista ao expressionismo de Kandinsky em nome da teoria do “Neoplasticismo” que apresentou em 1920, em Paris, dedicando-a “aos homens futuros”, na certeza de que “o modo de ver puramente plástico devia constituir uma nova sociedade, tal como criara uma nova representação na arte: uma sociedade que pusesse em equilíbrio dois elementos equivalentes, material e espiritual (1918). Essa seria a preocupação fundamental do pintor na elaboração da fase mais significativa da sua obra.

Após uma prática naturalista cedo marcada pelo expressionismo (“Moinho de vento em pleno Sol”, 1908, Haia) e pelo simbolismo (“Evolução” tríptico, 1911), Mondrian abordou o cubismo em 1912, em Paris, em obras algo confusas (“Natureza morta com pote de gengibre – I, II e III”, Haia; “Nu”, idem; “Paisagem com árvores”, idem). Entretanto porém, e desde 1909, o pintor prosseguiu uma experiencia de tipo analítico e metamórfico, nas pinturas sucessivas duma árvore que se ia decompondo nas suas linhas essenciais, para além do naturalismo das primeiras imagens. Entre a primeira árvore desenhada, a “Árvore vermelha” (1909-10, Haia), a “Árvore azul” (1909-10, col. part.) e a “Árvore cinzenta” (1911, Haia), essa decomposição analítica processou-se de modo a que, tratado o fundo com integração da própria figura de “Árvore” (1911, col. part. Nova Iorque), se prepararam as abstractizações de 1912-13 (“Macieira em flor”, Haia; “Composição oval”, desenho, col. part. Nova Iorque; ou de “Composição nº 3 – Árvores”, Haia). Falando desta última pintura Apolinaire (1913) disse que “Mondrian, saído dos cubistas, não os imitava, as suas árvores revelavam uma cerebralidade sensível” e que “o seu cubismo seguia uma via diferente, da de Picasso e Braque”. A “Composição nº 7” (1913), Museu Guggenheim, Nova Iorque) libertou-se já inteiramente de toda a referência natural. Uma nova linguagem pictural processou-se assim, com algumas hesitações, porém, duas composições ovais dessa orientação, em 1913 e 1914, comportam ainda alusões representativas completando os títulos: “Composição em oval – árvores” ou “Andaimes” (Amesterdão e Haia), embora a referencia seja ilegível; em 1914, “Composição em oval – quadro III” (Amesterdão) pelo contrário, lembra uma articulação de fachadas ou elementos de construção. Mas nesse ano e no seguinte, Mondrian dedicou-se a estudos do mar, em “marinhas” meramente sugestivas, ainda em linhas onduladas (col. part. Nova Iorque) ou já numa rede de pequenas linhas horizontais e verticais (col. P. Guggenheim, Veneza), série designada por “mais-menos”, por semelhança com sinais aritméticos, no qual pode intervir a referência e um molhe de Scheveningre como signo suplementar (“Molhe e oceano”, Haia e Museu K. Muller, Oterlo). O pintor sentia, porém, “que trabalhava ainda como um impressionista, exprimindo uma sensação particular e não a realidade tal como é” (P. Mondrian, 1942).

A partir de 1917, este fim foi procurado em “Composições com planos de cores nº 3” e “B” (Haia e Eindhoven) que, numa prática contrária ao cubismo, visavam “chegar à destruição do volume pelo uso de planos” (P. Mondrian, 1944-45); no segundo quadro, a influência do suprematismo é claramente legível. Nesse mesmo ano, Mondrian foi um dos fundadores da revista “De Stijl” (pb. Até 1928), onde colaboraria até 1924, data de discordância com outro fundador da publicação, T. V. Doesbourg; os seus artigos constituem o corpo teórico principal das suas ideias, ou seja do neoplasticismo que, em 1919, já em Paris se definia em picturalmente em quadros de superfície dividida por linhas ortogonais (“Planos de cores com linhas cinzentas” col. M. Bill, Zurique), formula que se foi aperfeiçoando, na reticulação mais livre de composição e na cor rigorosamente reduzida às três primárias em que a teoria assenta, até à “Composição I com vermelho, amarelo e azul” (Haia) e ao “Quadrado I” (Museu W. Richartz, Colónia) que marcam, em 1921, o ponto de consciencialização da obra. Entretanto (1920) aparecera o ensaio-programa do pintor, como princípio geral da equivalência plástica, interessando todas as artes (textos sobre arquitectura, música e teatro). Essa generalização (e porque “a arte era um substituto por ser insuficiente a beleza da vida”, 1942) estendia-a Mondrian cuja “nova imagem” assim propunha, em beleza, verdade (“o belo enquanto verdade”) e alheia a toda a tragédia. Ideias do teósofo H. J. Schoenmackers, frequentado e lido em (1931) que a sua teoria “não saiu de reflexões filosóficas”. Mas, se a “nova imagem do mundo” (título de uma obra do teósofo, em 1915) devia, segundo este, “atingir uma precisão controlável, uma consciente penetração da realidade, uma beleza exacta”, é possível ver aí a raiz do pensamento de Mondrian. A “plástica pura” (ou “neoplástica”, em oposição à “morfoplástica”, naturalista), fundada “apenas nas relações, mediante a linha e a cor” e “continuando o cubismo e o purismo”, “exprime o ritmo da vida” em formas não limitadas, realizando um “super-realismo” (1930-31). Exprimir a harmonia pela equivalência (e não “igualdade”) das relações das linhas, das cores e dos planos, mas isto do modo mais explícito e mais intenso (1932-34) era o fim de Mondrian, e isso seria alcançado não “por cálculo” (como declarava também, 1931), mas pelo estabelecimento do “equilíbrio dinâmico” com as suas leis que se cumprem na “destruição da forma particular” (1937). “A arte abstracta era o reflexo do aspecto universal da realidade” e com ela se formulava”um novo realismo” (1943). No ano da sua morte, Mondrian declarava-se “perto dos surrealistas em espírito, excepto pela parte literária, mais do que quaisquer outros pintores”.

Em Paris, no meio de grandes dificuldades materiais, depois refugiado em Londres, 1938, e em Nova Iorque, onde morreria, Mondrian conduziu uma obra de perfeita coerência na variadíssima repetição do seu sistema ortogonal, mesmo em composições jogando com a colocação da tela quadrada sobre um dos ângulos. Em 1937, sensível à situação trágica do mundo, ele assumia maior gravidade no seu insistente jogo de linhas negras quadriculando a composição; na América, porém, já em 1942, um último período definiu-se numa inesperada alegria, e foram as séries da “Cidade de Nova Iorque” (col. part. Nova Iorque) e de “Broadway” e “Victory Boogie-Woogie” (M. A. M. e col. part. Nova Iorque), em que a monumentalidade de toda a obra anterior (apercebida então pelo pintor como “desenho a óleo”) deu lugar a um ritmo sincopado em que as linhas de participação passaram subitamente a ser coloridas. “A arte maravilhosamente determinada e cheia de vitalidade, exprime-se na música e na dança do verdadeiro jazz, do swing, do boogie-woogie”. Para Mondrian septuagenário, isso representava a “libertação da opressão na arte e na vida” (1941), no programa comum que o neoplasticismo assumiu com discreto extremismo.

Nenhum contacto entre os dois movimentos, do neoplasticismo e do suprematismo, buscassem ambos o real último e a última perfeição. Em Paris, Mondrian participou silenciosamente nos grupos que se criaram, já em 30, sem neles acreditar, depois da experiência de “De Stijl” de que se afastara em 1924. Ali B. V. de Leck, G. Vantongerloo, o decorador V. Huszar, mais tarde C. Donela, com os seus baixos-relevos, seguiram em princípio as suas teorias que os arquitectos J. J. Oud e G. T. Rietveld levaram a situações de outra prática, T. V. Doesbourg, propagandista no estrangeiro das ideias neoplásticas, mas também do dadaismo na Holanda em 1925 proclamou em “De Stijl” o “Elementarismo” que admitiu a oblíqua nas composições ortogonais definidas por Mondrian e, cinco anos depois, tentaria organizar, em Paris, o movimento e a publicação (um número) de “Art Concret” (“um quadrado, um circulo, uma cor são elementos concretos”), em companhia de J. Hélion e do sueco O. G. Carlsrund, antigo discípulo de Léger – em oposição ao movimento e revista (três números) “Cercle et Carré” que, por iniciativa do uruguaio J. Torres-Garcia e de M. Seuphor, e sob o princípio da “estrutura e abstracção”, pretendia combater o surrealismo e “emergir das ruínas do cubismo” (M. Seuphor, 1971). Novo grupo lhe sucedeu, com o seu boletim (seis números), da “Abstraction-Creation”, em 1931-36, reunindo todas as correntes não figurativas, e incluindo na sua direcção, antigos cubistas como Gleizes e Valmier, o dadaista Arp, o neoplasticista Vantongerloo, Kupka e A. Herbin e J. Hélion, 46 expositores no “Cercle et Carré” (Mondrian e Kandinsky), Léger e Ozenfant, Le Corbusier, Arp e Schwittenz, Russolo e Prampolini, A Exter e Pevsner e, entre os recrutas, J.M. Gorin e M. Cahn), numa centena de membros mais exposições de “Abstraction-Creation” dos Delanuay e de Villon a Mondrian e Kandinsky, de Gonzalez a Arp, Brancusi e Calder, Gabo e Pevsner) comprovavam o papel de Paris nestes anos do formalismo geométrico, acrescentando-se ainda, em França, a decoração do centro de espectáculos “L’Aubette”, em Estrasburgo (1926-28), realizada por V. Doesbourg, Arp e Sophie Taeuber (destruída, desenhos Museu de Estrasburgo); as exposições mesmo ecléticas, de “L’Art d’Aujourd’hui” em 1925, ou do salão “1940”, em 1931 e 1932, a exposição “Realités Nouvelles”, em 1937, organizada pela viúva de V. Doesbourg com F. Sidès, donde saíra um grupo da mesma designação e, em 1938, a da “Renaissance Plastique”. Do primeiro viria também o nome do salão que, iniciado em 1946 foi, com a revista “L’Art d’Aujoud’hui” (de A. Bloc, com colaboração do crítico L. Degand – 1949-54) e a fidelidade constante da Galeria Denise René, desde 1946, um dos três suportes maiores desse movimento estético no pós-guerra parisiense que o prémio Kandinsky apoiou em 1946). Durante este período, como já no ecletismo de “Abstraction-Creation”, haverá que distinguir, tal abstraccionismo num panorama mais geralmente não figurativo que foi o da chamada “nova escola de Paris”, e considerando ainda uma oposição “lírica” como veremos.

quinta-feira, janeiro 20, 2011

Abstracção na Polónia

Na vizinha Polónia, onde vimos agitarem-se correntes de vanguarda, expressionistas e “formistas”, construtivismo levou à criação do grupo “Blok” (1924-26), animado por M. Szezuka que evoluiu do suprematismo para o construtivismo de empenho comunista. O grupo da revista “Praesens” (que, com o seu “Unismo”, retomaria a linha malevitcheana purificada), daria, em 1929, no grupo “A.R.” (“artistas revolucionários”), com H. Stazewski e a escultora K. Kobro, uma nova forma produtivista, enquanto H. Berlewi se dedicava, numa linha “Mecano-factura”, ao estudo de vibrações ópticas. De toda esta agitação resultou, em 1931, a criação do primeiro museu de arte abstracta e de vanguarda da Europa, em Lodz, que pôde perdurar.

Abstracção na U.R.S.S.

Anos de efervescência foram esses, no quadro da revolução soviética em instalação por herança politizada dum fermento anterior, que observamos – como já observamos a sua incidência na arquitectura. O Departamento de Artes Plásticas do Comissariado do Povo para a Educação, o IZO, animado por Lucacharsky, os ateliês livres, Svonsas, que substituíram a Academia de S. Petersburgo, em 1918, e onde Malevitch professou, como no UNOVIS de Vitebok, os Institutos de Cultura Artística, ali em Moscovo, o Inkhuk, onde Kandinsky ensinava em 1920, dali passando À “Bauhaus”, uma vez vencida a sua tendência, e onde o suprematismo e o construtivismo eram doutrinas necessárias, o Vikhutein, Instituto Técnico de Moscovo, dominado por Tatline que ali, assaz monotonamente fez numerosos discípulos, entre os quais os irmãos G. e V. Stenberg e K. Medunetsky – foram outros tantos organismos activos duma propaganda artística, ou duma “agit-prop” em que o teatro, com seus cenários, teve importante papel, como o cartaz e as mais artes gráficas, em formulações abstractas que, de outro modo ainda, desceram à rua, em decorações festivas, ou em comboios (e em barcos) de propaganda que atravessaram o país imenso. Em 1922, uma exposição da vanguarda soviética, em Berlim, foi, em certa medida, o canto do cisne de tanta acção.

Na realidade a U.R.S.S., além da sua imediata agitação, o abstraccionismo não foi mais do que um acidente, entre a tradição naturalista mais ou menos modernizada num neoplasticismo popular e nacionalista, e a sua recuperação, já em 1920, por académicos aderentes à nova situação política, que acabaram por aniquilar, em breve, a vanguarda revolucionária.

Vladimir Vitatline (1885-1953)

Em 1919, Vitatline (1885-1953) declarou que o suprematismo era “a soma de todos os erros do passado”, nisso manifestando a sua oposição pessoal e ideológica a Malevitch. Discípulo de Larianov, marcado por um expressionismo estruturado e cujo colorido não foi alheio o interesse pelos ícones tradicionais. Tatline teve uma juventude aventureira que o levou a Paris em 1913, ali admirando as construções em relevo de Picasso, base dos seus próprios “contra-relevos” que, com experiencias de materiais e aplicações nos ângulos das salas, modificando-lhe a espacialidade, criaram o movimento construtivista, em 1927 enriquecido pela novidade fantasista duma máquina voadora orgânica, o “Latatlin” – mas, sobretudo, em 1919-20, pelo projecto do monumento à III Internacional, construção helicoidal que já conhecemos expressão dum fugaz “Komfuturismo”. Animador artístico, professor, defensor vitorioso do princípio da “arte produção” contra a “arte laboratório” (que o suprematismo representava) um “produtivismo” politizado, proclamado em 1921, com recusa da pintura de cavalete, e que o levou ao artesanato, ao cartaz, à decoração teatral já praticada na juventude (e que foi notável campo de acção do seu movimento, sobretudo graças às encenações de (V. Mayerhold) – nada disso impediu a desgraça de Tatline, ante o realismo oficializado nos anos 30. A seu lado, A. Rodechenko (1881-1956), vindo mais ou menos do futurismo, autor de desenhos geométricos compostos por animados jogos de curvas feitas a compasso, metodicamente (1915-16), e duma pintura “Negro sobre negro”, apresentada polemicamente contra Malevitch, em 1919, praticou construções surpresas, móveis e lineares, de metal, com as quais participou, em 1917, com Tatline e o discípulo deste G. Yakulov, na famosa decoração do Café Pitoresque, animado centro artístico moscovita, nestes anos de fermentação. Reduzido, como Tatline, às artes aplicadas e ao “design”, dedicou-se à fotomontagem e à composição tipográfica. Nesses domínios se destacou El Lissitzky (1890 – 1941), engenheiro e arquitecto, que já conhecemos, discípulo de Malevitch, que passou do suprematismo ao construtivismo, na “História de dois quadrados” (1922) e nos seus “prouns”, construções geométricas no espaço, inicialmente pintadas. Em vasta fotomontagem, realizou a decoração do pavilhão soviética na Exposição Internacional da Imprensa, em Colónia, 1930 – e assim também, já em 1920-24, a famosa “Tribuna de Lenine”, que vimos, representado o ditador ao alto duma imaginária construção de ferro. Em 1926, El Lissitzky compôs a arquitectura interior do “gabinete abstracto” da Exposição Internacional de Dresde, que considerava a sua obra capital. Amigo e colaborador de Schwittors e de Arp, e de V. Doesbourg, relacionado com a “Bauhaus”, como sabemos, coube-lhe estabelecer ligação mais regular entre as correntes russas e o mundo ocidental ao longo dos anos 20.

domingo, janeiro 16, 2011

Kazimir Malevitch (1878-1935)

K. Malevitch (1878-1935), partindo do impressionismo, e do simbolismo e da Arte Nova, de Cézanne, de Derain e de Matisse, pintor de cenas rústicas nacionais, em 1911-12 compôs figuras numa geometrização cilíndrica, cubo-futurista (“Amolador”, 1912-13, Universidade de Yale, E.U.A.), influenciadas por Léger, até aos extremos de abstractização de corpos geométricos de revolução, pintados com cuidada de modelação em 1912-13, ano em que adoptou um cubismo sintáctico a uma imagística “transnacional” (“Zaorum”, como vimos), ou “alógica”, em composições não isentas de humor confundível com o espírito “dada” (“Um Inglês em Moscovo”, 1913-14, Amesterdão, “Eclipse parcial com Mona Lisa”, 1914, col. part. Leninegrado). Mas, em 1915, Malevitch afirmou ter feito as primeiras obras “suprematistas”, baseadas nas formas elementares do quadrado, do círculo e do cruzamento vertical-horizontal de rectângulos. O famoso “Quadrado negro sobre fundo branco” (Museu Tretyakov, Moscovo), exposto em 1915, é a obra emblemática dessa fase, possivelmente marcado nos trabalhos de decoração da ópera futurista “Vitória sobre o sol” (1913), com música de M. Matinchine, tradutor de “Du Cubisme” de Gleizer – que seria, em 1917, o pintor do “realismo no espaço”, em grandes bandas coloridas, interessado em pesquisas psico-fisiológicas sobre a arte visível.

O “suprematismo” como estado supremo duma estética “monumental”, “não objectiva”, fundamentada numa dedução conceptual, radica-se filosoficamente no pensamento do metafísico pós-Kantiano P. D. Ouspenki (“Tercium Organum”, 1911) que, referindo uma “forma superior da existência” e anunciando uma “linguagem do futuro”, independente do mundo real, exercer (talvez através de Matinchine) grande influencia no pintor, igualmente interessado pela “quarta dimensão” (Ouspenki, 1908; relativa ao “continuum espácio-temporal” da matemática de Minkowski, 1908) 9 – e fascinado ainda por uma retórica simbolista a esse pensamento inerente. “Só o que está pronto a perder o tudo realizará novas descobertas (Ouspenki, 1913) aplica-se à diligência de Malevitch para quem o “Quadrado Negro” era “uma superfície-plana viva, agora mesmo nascida” (“Do Cubismo e do Futurismo e Suprematismo, um novo realismo pictural, 1916); ensaio que seria retomado em 1920, como sabemos, em De Cézanne ao Suprematismo, primeira unidade semântica par a construção livre de sistemas de “superfícies-planas” no espaço, em liberdade incondicional de movimento (cf. A. B. Nakov, 1975) – o “zero”, que desde 1915 definiu a sua experiencia pictural, era uma totalidade, igual ao infinito e ao absoluto, à “harmonia, ao ritmo e à beleza” (Espelho Suprematista, 1923), e não o termo dum discurso estético anterior, numa espécie de nilismo (cf. D. Valher, 1967). Disso sempre Malevitch se defendeu, numa obra que foi coerentemente até ao “Quadrado branco sobre fundo branco” (1918, M. A. M., Nova Iorque), após três ou quatro anos de múltiplas composições que passaram ao volume, como naquelas arquitectónicas possíveis, as “planites”. Numerosos textos até Die Gegentandslose Welt (“O mundo sem objecto”, publicado pela Bauhaus, 1927), proclamam ou defendem polemicamente uma doutrina estética e filosófica que o pintor conseguiu ensinar em Vitebsk, contra a vontade de Chagall, e, vencido, no grupo UNOVIS, que criou em 1920-21, e, nos dois anos seguintes, no Instituto de Cultura Artística de Leninegrado – mas que, já atacada em 1919 pelos construtivistas era, por idealismo suposto, contrário à linha estética oficial e dificilmente tolerada, já em 1927. Desde 1930, ano em que foi preso pela polícia política, Malevitch realizou uma pintura figurativa de paisagens e retratos não isentos de amarga ironia – e, em 1935, foi a enterrar num caixão suprematista que ele próprio idealizara, levando pintado, sobre fundo branco, um círculo e um quadrado negro.

Mikhail Larionov (1881-1964)

A vanguarda russa, extremamente variada e polémica, cedo fascinada pelo cubismo adaptado a um cubo-futurismo, como vimos, produziu as primeiras obras abstractas em 1910-11, com M. Larionov (1881-1964) e N. Gontacharova (1881-1962), no movimento do “Lucism” (“raismo” – “rayonisme” em francês), apresentada em 1913 como uma “síntese do cubismo, do futurismo e do orfismo, polémica e paradoxalmente organizada contra a cultura ocidental – embora Apollinaire o defendesse na sua exposição parisiense do ano seguinte. As formas pintadas são “formas espaciais obtidas pelo cruzamento de raios reflectidos de vários objectos”; situadas “fora do tempo e do espaço”, pretendem uma “quarta dimensão” que já encontrara os cubistas mais especulativos. A carreira pictural de Larionov, vindo duma pintura expressionista, popular e anedótica, por nacionalismo ideológico, e passado, como vimos, por profusas e decantadas actividades de vanguarda na fundação dos grupos “Valete de ouros” (1910), “Cauda de burro” (1912) e “O Alvo” (1913), encerrou-se em 1915, ao deixar a Rússia para se integrar, como cenógrafo e figurinista brilhante, na companhia de Diaghilev. Gontacharova, acompanhou-lhe o destino, embora, cerca de 1955, se fizesse lembrar em Paris, refazendo telas “raístas”, de recente inspiração cósmica.

Mas dois outros movimentos abstractos, e violentamente opostos, ocupariam de modo mais significativo a cena russa e depois soviética, desde 1915: o “Suprematismo” de Malevitch (e de A. Leporskaia, V. Ernrolaeva, L. Khidekel, N. M. Suetine, G. Kluzis, I. G. Ghaschuik, I. Kliuns, I. Puni, M. Menkov e da futurista O. Rezanova), com manifesto nesse ano publicado, e o “Construtivismo” de Tatline e de Rodchenko (e de G. Yakulov, J. Anenkov, W. Ermilov, V. Stepanova e dos anteriores cubistas e suprematistas N. Vdaltsova e L. Popova, como de Klium e dos irmãos Vernine arquitectos); e, entre as duas situações (além de A. Exter, vinda do cubo-futurismo), o movimento “proun” de Ed Lisitzky, desde 1919. Ainda neste leque de opções (e partidos) o Manifesto realista de Galv e Prevsner, em 1920, veio apresentar, do lado construtivista, uma proposta que teria mais durável efeito na escultura.

Wassily Kandinsky (1866-1944)

O simultaneismo dos discos abstractos de Delaunay, em 1912 (e o “sincronismo” dos seus discípulos), as composições de variada raiz cubista e futurista de Picabia em 1912-13, a prática das “linhas-força” dos futuristas e dos seus “estados de alma”, em Boccioni, Balla e Severini, fornecem outras tantas situações estéticas, que o abstraccionismo integrará, como conclusão historicamente necessária. E se, “no fundo, o movimento cubista foi e desejou-se num encaminhamento para a abstracção” (L. Degand, 1953), o mesmo poderá pensar-se do experimentalismo, de Van Gogh para Kandinsky. W. Kandinsky (1866-1944), jurista de formação na sua Rússia natal, cedo foi atraído pela arte folclórica que o fez “entrar na pintura” e, em 1896, partiu para Munique onde a Arte nova o atraiu no grupo “Phalanx” que fundou (1901-04) e no âmbito do qual criou a sua própria escola, numa prática pictural lembrada de cores de Moscovo em paisagens e “pinturas românticas”, algo simbolistas (“Lanceiro na paisagem”, 1906; “Pânico”, 1907). Foi pela via da paisagem que, improvisando, Kandinsky activou a sua paleta por influência fauve e expressionista, vinda de Jawlensky, seu companheiro em Murnan onde se instalou em 1908, e com o qual abandonou em breve, para fundar “Der Blane Reiter”, com F. Mara, em 1911. Foi nesse quadro que a pintura de Kandinsky evoluiu para o abstracto, através duma sempre maior indefinição formal e duma sonoridade no colorido (“Paisagem com torre sineira”, 1909, M. A. M., Paris; “Improvisação sobre acaju”, 1910, M. A. M., Paris).

A influência de Kandinsky foi determinante para a evolução da pintura alemã em Munique: o seu ensaio Uber das Geistige in der Kunst (“Sobre o espiritual na arte”, escrito em 1910) definiu uma nova situação estética que a antroposofia de R. Steiner marcou. A obra de arte é um “ser vivo”, com uma “vida interior” vinda duma “necessidade interior da alma” expressa através do significado simbólico das formas e das cores e comunicando a chegada do “Reino do Espírito” na “época da grande espiritualidade”. Por estas afirmações, o autor preparou uma possibilidade nova na criação artística que uma primeira aguarela abstracta, composição de manchas e de finas caligrafias (M. A. M., Paris), propôs em 1910 – não sem que, nesse ano, e até 1913, em “Improvisações” e “Composições”, a referência figurativa-paisagistica continuasse alternadamente presente. Em “Com o arco negro” (1912, M. A. M., Paris), no seu grande choque de formas, donde “caoticamente nasce o cosmo”, Kandinsky realizou uma obra definitiva que, em 1914, “Quadro com uma Mancha Vermelha” (M. A. M., Paris), “Fuga” (Museu Guggenheim, Nova Iorque), e os quatro painéis feitos para um coleccionador de Nova Iorque (“Composições” que já foram designadas pelos nomes de quatro estações, 1914, M. A. M., Nova Iorque e Museu Guggenheim, nº 1) completam, no seu vigoroso e eufórico conflito de formas coloridas. Nesse mesmo ano, com a guerra, Kandinsky abandonou Munique por Moscovo, deixando ali a sua antiga aluna e companheira G. Munter (doação ao Museu Municipal de Munique), cuja arte influenciou, juntamente com Jawlensky. Um novo período da sua produção ali se realizou, pouco fecundo dadas as dificuldades da guerra e ocupações oficiais que depois teve, como professor, fundador dum malogrado Instituto de Cultura Artística (1919) e duma Academia das Ciências Artísticas, em 1921, ano em que deixou a Rússia pela Alemanha. A participação de Kandinsky na política artística soviética não foi, porém, entusiástica, mais por temperamento de isolado, que o manteve à margem dos grupos duma vanguarda empenhada, e, numa Berlim revolucionária e Dada, a sua actividade foi reduzida também. A “Bauhaus”, apareceu-lhe então como uma solução e fez-se convidar para ali assumir um ensino, a par de Klee que já lá se encontrava. Desde 1921, porém o pintor realizou quadros onde formas geométricas rigorosas se articulavam com outras, de caligrafia livre e manchas (“Fundo Branco”, 1920, Leninegrado; “Mancha vermelha II”, 1921, Basileia; “Xadrez”, 1921, Museu Guggenheim, Nova Iorque), no que já se pretendeu ver marca construtivista, em certa medida aceitável, mas da qual a arte de Kandinsky se defendia pela recusa do seu princípio mecanicista (cf. W. Grohmann, 1958). Tratava-se, antes, de uma investigação sobre a relação entre as figuras e o fundo, situada além do romantismo do período muniquense. E por essa via a obra do pintor havia de seguir, nos anos subsequentes.

A codificação duma “nova estética que só podia marcar quando os signos se tornassem símbolos”, agora sob formas geométricas puras, de círculos, linhas rectas cruzadas e curvas serpentinas bem distintas umas das outras num espaço de colorido doseado, traduzia o renovado empenho de Kandinsky na observação das formas nas suas relações estruturais ou nas suas “leis de tensão”. Um novo ensaio, Punk und Linie Zu Flache”, publicado em 1926, já sobre notas de 1914, reflecte sobre esses “problemas preliminares, duma ciência da arte”, numa série de apontamentos articulados que serviam ao ensino professado na “Bauhaus” entretanto transferida para Dessau; trata-se, também, duma “continuidade orgânica” do ensaio de 1912. Os quadros então pintados continuam a pôr o problema do espaço através de várias combinações formais, mais rigorosas ou mais maleáveis, a partir das figuras fundamentais usadas, o círculo, o triângulo e o quadrado, num jogo grave ou alegre, entre o “No círculo negro” (1923, col. part., Paris) e a “Tensão calma” (1924, M. A. M., Paris), “Alguns círculos” (1926, Museu Guggenheim, Nova Iorque) e “Amarelo, vermelho, azul” (1925, M. A. M., Paris).

Em 1923, o nazismo fechou a “Bauhaus” e obrigou Kandinsky a exilar-se em Paris-Neville, onde morreria. “Desenvolvimento em castanho” (1933, M. A. M., Paris) foi o último quadro pintado na Alemanha, triste na sua alusão; “Relações, 1934, col. part. Nova Iorque), com a sua alegria feérica, é já um quadro parisiense, dum novo período em que, no meio de dificuldades consideráveis, pois a sua arte, isolada então, era recebida com reticências e o pintor inovou num sentido de maior “exuberância barroca” (W. Grohmann, 1958), de que “Composição IX” (1936, M. A. M., Paris) é notável exemplo, na profusão das suas figuras dançantes, sobre bandas diagonais de claro colorido, ou “Curva dominante” (1936, Museu Guggheneim, Nova Iorque), ou “Meio acompanhado” (1937, col. part., Paris) em cenas brincadas que, na parte final da sua obra, têm por tema o voo e a ascensão numa simbologia espiritual. “Os últimos quadros são o eco dum mundo transparente e transitório” (W. Grohmann, 1958), que lembram formas primitivas pré-colombianas assim casadas com a memória do próprio folclore russo. O último quadro realizado, “Entusiasmo temperado” (M. A. M., Paris), faz vogar, num fundo rosa, estranhas formas biológicas, um embrião de vida a recomeçar.

O “fim da teoria” que Kandinsky expôs no seu ensaio de 1926 era, na verdade da sua pintura, “1. Encontrar a vida, 2. Tornar perceptíveis as suas pulsações, 3. Estabelecer as leis que regem a vida”. Esta organicidade apresentou uma fase romântica, fonte de expressionismo abstracto, até perto de 1920, e na fase de equilíbrio numa sabedoria constante e jamais desmentida que, nos seus pontos de contacto com a arte de Klee, não abdica duma convenção espiritualista como não esquece a arte popular do seu país, primeiro convite recebido para a aventura de pintar.

quarta-feira, janeiro 12, 2011

História de Arte Ocidental (1750-2000)





Desenvolvendo-se paralelamente ao cubismo e ao futurismo, ao expressionismo e ao dadaismo, e ao surrealismo também, deles recebendo influxos revolucionários, uma nova situação estética se definiu, entre 1910 e 1917, na arte ocidental que longamente dominaria, mais tarde ou mais cedo: o abstraccionismo.


Atitude mental e sensível cujas raízes se encontram no neolítico como no românico, na arte das estepes ocidentais como nos entrelaçamentos das iluminuras irlandesas da Idade Média e nas preocupações rítmicas do Renascimento, sob lição pitagórica, ela concretiza um espírito de abstracção que ao espírito de figuração oferece compensação, senão alternância histórica, respondendo a necessidades e índices culturais que no inicio de Novecentos eclodiram, em mutação, a favor duma extrema evolução dos discursos estéticos contemporâneos – e já do impressionismo em que vimos dividir-se, senão negar-se fundamentalmente, o naturalismo figurativo anterior.


A reflexão sobre as cores de Goethe (Zur Farbenlehre, 1810) mal recebida na altura, pelo seu sentido psicológico contra as teorias físicas de Newton, a teoria da visualidade pura de K. Fiedler (falecido em 1895, com escritos só coligidos em 1914: Shriften uber Kunst), adoptada por H. Hilderbrand (Problem der Form, 1893), com recuperação do sentido “formal” não isento de critério classizante, e a tese W. Worringer sobre Abstraktion und Einfuhlung, prepararam nos meios culturais germânicos, em Munique especialmente (mas não nos franceses, que ignoraram tais obras), uma consciência dos problemas postos por uma criação artística “tautogórica” (Schlegel) – isto é, só a si própria referida, em oposição às diligências “alegóricas” de toda a formulação figurativa. Ou uma consciência do infinito oposta à dum finito que a representação naturalista implica. A abstracção seria, assim, uma “antifiguração” (C. P. Brue, 1955) que se basta a si própria sem delimitação exterior.


A tais especulações estéticas e filosóficas há que juntar, na Alemanha, também, no quadro das teorizações psicologísticas da chamada escola de Berlim, cerca de 1912, a influência da “Gestaltheorie” (teoria da forma-estrutura) com trabalhos de M. Wertheimer, K. Koffka e W. Kohler (Gestaltpsychology, publicado nos Estados Unidos em 1929) que, opostos à psicologia analítica, definem comportamentos do conjunto, em correspondências organizadas e interdependentes de elementos constitutivos, que logo têm expressão formal e formalizante, no campo da estética.


Se Cêzanne, em 1904, referia modelos geométricos no tratamento codificável da natureza, e se M. Denis, já em 1890, lembrara que um quadro é, prioritariamente, “uma superfície plana coberta de cores”, nisso apontando a situação abstracta fundamental da pintura para Worringer, a “abstracção” traduzia o desejo de separação da natureza hostil, e não de “comunhão”, num isolamento angustioso ou alterado, que, intelectual ou sensitivamente, se defendia, como alheio ao mundo quotidiano; mas ela tendia também a “aceder a formas arquetípicas subjacentes às variações fortuitas que apresenta o mundo actual (H. Read, 1955), de modo a imprimir a este um sentido, através duma acção pedagógica. A demanda metafísica assim processada leva, finalmente, no seio de uma crise mitológica, do mundo ocidental, a uma “ultramitologia” (J. –A. França, 1959) de perfeita expressão geométrica, por um dos dois grandes caminhos em que a arte abstracta se definia.


O outro situa-se numa, exacerbação sentimental – e a sua raiz expressionista (ou surrealista) corresponde à raiz cubista (ou cubo-futurista) do primeiro.


As designações, descritivas ou polémicas, que o abstraccionismo recebeu, traduzem ora a sua própria radicação, ora um faseamento das diligências estéticas que o percorreram ou formularam. O “expressionismo abstracto” ou a “abstracção lírica” marcam a primeira situação até às fronteiras do “informalismo” (M. Tapié, 1951) ou de “action painting” (“pintura da acção” ou “pintura gestual”) e “gestualismo”, H. Rosenberg, 1952) ou do “tachisme” (de “tache”, mancha, C. Estienne, 1954). Mas teóricas, em situações ou movimentos particularistas de abstraccionismo geométrico de radicação cubista, são as designações russas de “construtivismo” e “suprematismo”, ou as holandesas de “neoplasticismo” e “elementarismo” – mas a estas se juntou um novo conceito de “concretismo” (T. V. Doesbourg, 1951), que pretendeu opor-se ao abstraccionismo, considerando “ultrapassado o período de pesquisa e de experiencia especulativas”. Para G. Mathieu (1951), estas situações (também ditas de “abstracção fria”, por oposição aos adornos expressionistas) cabem na designação genérica de “aformalismo”. Mais tarde, cerca de 1960, uma arte baseada em efeitos ópticos tomará a designação americana de “op’art”, enquanto diligências mecânicas levaram à “arte cinética”, uma e outra em âmbito geométrico ou formalista.


A classificação de “não-figurativo”, mais vaga, procurou opor-se ao abstraccionismo de tipo geométrico, ignorando as “figuras” de geometria deste e só pensando nas da natureza da qual consideravam não procedentes as próprias experiencias. No imediato pós-guerra, porém, uma nova “escola de Paris” adoptou esta designação, nela aceitando uma radicação impressionista, por via da emoção retida do objecto natural inicial. “Não objectivo”, por seu lado, foi etiqueta proposta por H. Rebay, nos Estados Unidos, nos anos 40, numa recuperação que não teve fortuna.


Nos dois troncos genealógicos do abstraccionismo vemos assim, definirem-se duas situações, de expressão sentimental uma e de expressão mental ou geométrica a outra, com prioridade daquela, assumida logo em 1910 e até 1920 por Kandinsky, após longa experiencia expressionista figurativa, enquanto a segunda se exemplifica em Malevitch em 1913-14 e em Mondrian, em 1917 – ambos vinda do cubismo para o suprematismo ou para o neoplasticismo, respectivamente.


A maior ou mais carismática importância histórica de Mondrian vem da exemplaridade lógica da sua diligência tanto quanto da sua persistência, numa possibilidade de acção de que Malevitch não pode beneficiar na União Soviética estalineana. Ao encaminhamento lógico de ambos opôs-se o acaso que se encontra na base do abstraccionismo de Kandinsky, incapaz de ler figurativamente uma “Meda” de Monet, em 1895, e, surpreendido por uma sua própria composição subitamente vista ao invés, encostada a uma parede de ateliê, em 1908.


Mas além das duas correntes ou canais maiores do abstraccionismo, importa registar, com incidência pontual (embora outras relações de leitura devem ser feitas, em variados artistas), a duma inspiração musical interpretativa em termos visuais dum universo de sons, por afinidade rítmica. Em 1942 o checo F. Kupka (1871-1957) expõe em Paris (onde se instalara em 1895) uma tela intitulada “Discos de Newton” com, por subtítulo, “Amorfa, fuga em duas cores” (Praga), provavelmente de 1910. Percorrera então o pintor um longo caminho do simbolismo ao fauvismo e ao expressionismo, com influências luministas e dinâmica, depois de ter ilustrador de acerbo humorismo (“L’Assiette au Beurre”) e frequentado também o grupo da “Secção de ouro”. A série dos seus “Planos verticais”, em 1912-13 (M. A. M., Paris, etc.), traduz igualmente uma planificação musealista já detectável em “Teclas de piano – o lago” de 1909 (Praga) com a sua listagem vertical de “planos de cor”. Nos anos 30, Kupka inspirar-se-ia do Jazz (“Jazz-hot nº1”, 1935, M. A. M., Paris), numa obra irregular de várias curiosidades que trocaram as ciências cósmicas como a música e originaram o ensaio Creations dans les arts plastiques (1923), numa situação de pioneiro isolado. Numa idêntica inspiração musical pode inscrever-se o pintor e compositor lituano M. K. Ciurhouris, falecido em 1911, trabalhando em S. Petersburgo desde 1906, de que assinalam composições abstractas desde 1904, com arabescos de formas geométricas que nas “Sonatas das estrelas, alegro e andante” (1908, Kaunar, Lituânia) assumiram uma diluída figuração simbólica, já referida. O russo S. Charchouse, por seu lado, e vindo de experiências “dada”, inspirou-se também em Bach ou Bethoven, para composições de fino monocronismo, numa pintura para que o simbolismo espreita.

sexta-feira, março 26, 2010

A Arte em Portugal no Século XX (1911-1961)



Num clima de independência face ao poder ditatorial exercido pelo Regime do Estado Novo, plebiscitado através da Constituição de 1933, a Cidade do Porto, pelo seu distanciamento físico em relação à Capital, respirava alguma liberdade ideológica e artística.


De facto, essa tradição de autonomia cultural vem desde o início do século XX, tendo o Porto visto nascer personalidades verdadeiramente vanguardistas no panorama nacional.


O cenário das Artes Plásticas em Portugal era dominado pelo Secretariado da Propaganda Nacional (SPN), assumido em 1933 por António Ferro, que a partir de 1944 passou a designar-se Secretariado Nacional de Informação (SNI).


Dispensou alguma protecção aos praticantes da Arte Moderna por duas razões: a primeira, porque "a percepção de que o necessário «equilíbrio da maturidade» seria filho da saudável «audácia dos vinte anos» ", e a segunda porque "a «arte viva» muito mais facilmente se prestaria «à divulgação das coisas». Os interesses do poder estariam na base dos apoios dispensados às vanguardas. "


Para o efeito, em 1934, começou por disponibilizar gratuitamente um estúdio e uma galeria, não descriminando nenhuma "escola" ou "tendência" artística. Pretendia assim, "utilizando os vivíssimos traços da modernidade artística", simbolizar o "autoritarismo português como força dinâmica e portadora de futuro".


Os locais dedicados às Artes Plásticas no Porto nos anos 30 foram o Salão Silva Porto na Rua de Cedofeita, na Rua Passos Manuel o Ateneu Comercial do Porto e o Salão Passos Manuel, a Galeria Portugália localizada na Rua de 31 de Janeiro, o Palácio de Cristal e a Bolsa Portuense.


Em 1929, um grupo de jovens estudantes da Escola de Belas Artes, o "Grupo Mais Além", inaugura uma Exposição no Salão Silva Porto, tendo elaborado um manifesto contestando o ensino da Academia, voltando a expor em 1931 e desaparecendo depois. Dele faziam parte, entre outros, Augusto Gomes, Domingos Alvarez, Guilherme Camarinha, Ventura Porfírio, Luís Reis Teixeira, Adalberto Sampaio, Amélia Mesquita, Abel Moura, Mendes da Silva, Laura Costa e Sara Alvim Pena, tendo o encontro surgido na sequência da contestação a uma homenagem a Marques de Oliveira.


A "Primeira Grande Exposição Colonial Portuguesa" ocorreu no Porto, no Palácio de Cristal em 1934, quando o Estado Novo vivia o seu período de euforia e grande pujança, no qual assentavam as bases de um sistema conservador e repressivo. Salazar segurava com firmeza as rédeas do poder, exaltando o slogan -"Deus Pátria e Família: a trilogia da Educação Nacional". Os focos de contestação estavam fragilizados e a glorificação do sonho ultramarino do "Portugal do Minho a Timor", exortado pelo Regime, teve o seu reflexo nesta exposição, que os portuenses aplaudiram, pela sua pertinência cultural, apesar da carga propagandística.


Durante os anos 40, a natureza subjacente às encomendas públicas que foram sucedendo ao trabalho dos artistas, alterou o processo criativo nacional. O grande princípio do Regime era a "afirmação da identidade nacional", e nesse sentido, a evocação do período áureo das descobertas marítimas, para consolidação do Império Colonial Português. O palco principal dessa grande afirmação foi a "Exposição do Mundo Português", de 1940, em Lisboa.


Mais uma vez, o Porto avança com a criação de um movimento de renovação, um grupo de artistas, estudantes e professores da Escola Superior de Belas Artes do Porto, que organizaram um conjunto de exposições a partir de 1943 até 1950, o designado "Grupo dos Independentes". Expuseram nesse grupo, entre outros, Amândio Silva, António Lino, Arlindo Rocha, Fernando Lanhas, Júlio Pomar, Júlio Resende, Victor Palia, Abel Salazar, Américo Braga, António Cruz, Augusto Gomes, Guilherme Camarinha, Henrique Moreira, Nadir Afonso, Manuel Pereira da Silva e Querubim Lapa.


O que os unia era a recusa de tendências académicas, a abertura a todas as correntes, não impondo compromissos estéticos e divulgando novas tendências como o Neo-realismo, o Abstraccionismo Geométrico (figurativo ou não), e o Expressionismo, que aliás se espelham nas obras plásticas presentes nos edifícios da nossa área em estudo.


Essa independência reflecte-se, por exemplo, na obra de Júlio Resende, que partindo de uma vertente neo-realista pelas preocupações sociais manifestadas, vai metamorfoseando a tensão dramática para um lirismo expressionista.


"Havia um comungar de ideias que contrariavam um bocadinho o estado da altura. A nossa independência vinha do facto de cada um ser uma pessoa com ideias suas, próprias e pintando com isso mesmo [...]. A Escola estava de corpo e alma com o nosso movimento. "


Este movimento só faria sentido pela conjuntura formada pelos Directores da Escola Superior de Belas Artes do Porto nos anos 40, onde Dordio Gomes, na Pintura, Barata Feyo, na Escultura, e Carlos Ramos, na Arquitectura, permitiram um novo fôlego, respirando as vanguardas artísticas que se continuavam a afirmar na Europa.


Dordio Gomes, sendo considerado por muitos como o pintor português que melhor sentiu a influência estética de Cézanne, foi o responsável pela criação de um ateliê de pintura a fresco na Escola Superior de Belas Artes do Porto, fruto da experiência das pesquisas realizadas em Itália sobre os fresquitos de Quatrocentos. Realizou um conjunto de obras de pintura a fresco na cidade do Porto, como no Café Rialto em 1944, na Igreja de N. Sr.ª da Conceição, em 1947, na Faculdade de Belas Artes do Porto, em 1952/53, no edifício da Câmara Municipal do Porto, em 1957, e no Palácio da Justiça, em 1959/60. As influências da sua obra e da sua actividade pedagógica, revelam-se no carácter "colorista" que serviu de referência a numerosos discípulos, que procuraram uma maior investigação na área da "Arte Mural", reflectindo essa procura nas diversas obras que se espalham por toda a Cidade.


Em Lisboa, a partir de 1946, o "Movimento de Unidade Democrática" (MUD), organiza a "I Exposição Geral de Artes Plásticas" (EGAP), com a participação de artistas que se opunham claramente ao Regime. Foi um veículo de divulgação do Neo-realismo, numa tentativa de aproximar a Arte do Povo, uma ideia libertadora que aproximou os diferentes artistas, num esforço de cooperação.


Representado na Literatura por autores como Alves Redol, este movimento surgiu nos finais dos anos 30 e defendia a denúncia da realidade social, tendo por base a ideologia de inspiração marxista: a problemática social invadira o mundo da Arte.


Na Pintura, partiu da admiração das pinturas mexicanas de Rivera, Siqueiros, e do brasileiro Portinari sobre o ciclo do café, que se encontravam nos respectivos Pavilhões aquando da Exposição do Mundo Português, em 1940. Com grande capacidade plástica, pretendia-se representar o mundo do trabalho, dos campos e das fábricas, com expressividade e didactismo, num sentido oposto à Arte burguesa.


No pós Segunda Guerra Mundial, começa a notar-se um período de oposição ao Fascismo na Europa, facto que traz consequências para o panorama cultural português, que começa a revelar uma maior dinâmica.


Com a criação, em 1945, do Cineclube do Porto e do Teatro Experimental do Porto, iniciou-se um processo de agitação cultural, que animou a cidade, num País marcado pela vigilância e repressão.


E nessa data que a revista "O Tripeiro" retoma a sua publicação periódica, como um órgão cultural portuense de registo e divulgação de memórias.


Os Jornais começaram a interessar-se pela publicação de suplementos literários e culturais, que noticiavam essa dinâmica cultural. "O Comércio do Porto", dirigido por Costa Barreto, tinha Óscar Lopes como crítico literário. No "Jornal de Notícias", a página cultural era dirigida por Ramos de Almeida, e Alberto Serpa dirigia a página cultural de "O Primeiro de Janeiro".


Um espaço de grande importância foi também a Academia e "Galeria Alvarez", inaugurada em 1954, por onde passavam os professores e estudantes das Belas Artes.


Com a criação de novas infra-estruturas produtoras e divulgadores de actividades culturais, a existência de galerias, cafés e livrarias onde se realizavam tertúlias e colóquios, o Porto regista a proliferação de espaços que propiciaram a divulgação das problemáticas culturais por excelência, com o necessário e atento apoio dos meios de comunicação social.


Verificamos existirem no Porto exemplares que nos permitem descrever a História da Arquitectura em Portugal, durante as décadas de 30 a 50, nas suas tendências Artes Déco, Modernismo Radical, Português Suave, e Estilo Internacional com os "Cinco princípios da Arquitectura Moderna". A Arquitectura confirma-se como uma disciplina cheia de vicissitudes e idiossincrasias, enfatizadas pelos percursos mais coerentes ou mais versáteis dos seus autores.


Sensíveis participantes no diálogo entre as Artes, os Arquitectos recorriam frequentemente à participação dos Artistas Plásticos, cujas intervenções assimilaram o carácter simbólico de cada edifício e a sua forma arquitectónica, resultando em contributos emblemáticos que não mais tiveram paralelo.


FRANÇA, José-Augusto - A Arte em Portugal no Século XX (1911-1961). Lisboa: Livros Horizonte, 2009.