quarta-feira, janeiro 12, 2011

História de Arte Ocidental (1750-2000)





Desenvolvendo-se paralelamente ao cubismo e ao futurismo, ao expressionismo e ao dadaismo, e ao surrealismo também, deles recebendo influxos revolucionários, uma nova situação estética se definiu, entre 1910 e 1917, na arte ocidental que longamente dominaria, mais tarde ou mais cedo: o abstraccionismo.


Atitude mental e sensível cujas raízes se encontram no neolítico como no românico, na arte das estepes ocidentais como nos entrelaçamentos das iluminuras irlandesas da Idade Média e nas preocupações rítmicas do Renascimento, sob lição pitagórica, ela concretiza um espírito de abstracção que ao espírito de figuração oferece compensação, senão alternância histórica, respondendo a necessidades e índices culturais que no inicio de Novecentos eclodiram, em mutação, a favor duma extrema evolução dos discursos estéticos contemporâneos – e já do impressionismo em que vimos dividir-se, senão negar-se fundamentalmente, o naturalismo figurativo anterior.


A reflexão sobre as cores de Goethe (Zur Farbenlehre, 1810) mal recebida na altura, pelo seu sentido psicológico contra as teorias físicas de Newton, a teoria da visualidade pura de K. Fiedler (falecido em 1895, com escritos só coligidos em 1914: Shriften uber Kunst), adoptada por H. Hilderbrand (Problem der Form, 1893), com recuperação do sentido “formal” não isento de critério classizante, e a tese W. Worringer sobre Abstraktion und Einfuhlung, prepararam nos meios culturais germânicos, em Munique especialmente (mas não nos franceses, que ignoraram tais obras), uma consciência dos problemas postos por uma criação artística “tautogórica” (Schlegel) – isto é, só a si própria referida, em oposição às diligências “alegóricas” de toda a formulação figurativa. Ou uma consciência do infinito oposta à dum finito que a representação naturalista implica. A abstracção seria, assim, uma “antifiguração” (C. P. Brue, 1955) que se basta a si própria sem delimitação exterior.


A tais especulações estéticas e filosóficas há que juntar, na Alemanha, também, no quadro das teorizações psicologísticas da chamada escola de Berlim, cerca de 1912, a influência da “Gestaltheorie” (teoria da forma-estrutura) com trabalhos de M. Wertheimer, K. Koffka e W. Kohler (Gestaltpsychology, publicado nos Estados Unidos em 1929) que, opostos à psicologia analítica, definem comportamentos do conjunto, em correspondências organizadas e interdependentes de elementos constitutivos, que logo têm expressão formal e formalizante, no campo da estética.


Se Cêzanne, em 1904, referia modelos geométricos no tratamento codificável da natureza, e se M. Denis, já em 1890, lembrara que um quadro é, prioritariamente, “uma superfície plana coberta de cores”, nisso apontando a situação abstracta fundamental da pintura para Worringer, a “abstracção” traduzia o desejo de separação da natureza hostil, e não de “comunhão”, num isolamento angustioso ou alterado, que, intelectual ou sensitivamente, se defendia, como alheio ao mundo quotidiano; mas ela tendia também a “aceder a formas arquetípicas subjacentes às variações fortuitas que apresenta o mundo actual (H. Read, 1955), de modo a imprimir a este um sentido, através duma acção pedagógica. A demanda metafísica assim processada leva, finalmente, no seio de uma crise mitológica, do mundo ocidental, a uma “ultramitologia” (J. –A. França, 1959) de perfeita expressão geométrica, por um dos dois grandes caminhos em que a arte abstracta se definia.


O outro situa-se numa, exacerbação sentimental – e a sua raiz expressionista (ou surrealista) corresponde à raiz cubista (ou cubo-futurista) do primeiro.


As designações, descritivas ou polémicas, que o abstraccionismo recebeu, traduzem ora a sua própria radicação, ora um faseamento das diligências estéticas que o percorreram ou formularam. O “expressionismo abstracto” ou a “abstracção lírica” marcam a primeira situação até às fronteiras do “informalismo” (M. Tapié, 1951) ou de “action painting” (“pintura da acção” ou “pintura gestual”) e “gestualismo”, H. Rosenberg, 1952) ou do “tachisme” (de “tache”, mancha, C. Estienne, 1954). Mas teóricas, em situações ou movimentos particularistas de abstraccionismo geométrico de radicação cubista, são as designações russas de “construtivismo” e “suprematismo”, ou as holandesas de “neoplasticismo” e “elementarismo” – mas a estas se juntou um novo conceito de “concretismo” (T. V. Doesbourg, 1951), que pretendeu opor-se ao abstraccionismo, considerando “ultrapassado o período de pesquisa e de experiencia especulativas”. Para G. Mathieu (1951), estas situações (também ditas de “abstracção fria”, por oposição aos adornos expressionistas) cabem na designação genérica de “aformalismo”. Mais tarde, cerca de 1960, uma arte baseada em efeitos ópticos tomará a designação americana de “op’art”, enquanto diligências mecânicas levaram à “arte cinética”, uma e outra em âmbito geométrico ou formalista.


A classificação de “não-figurativo”, mais vaga, procurou opor-se ao abstraccionismo de tipo geométrico, ignorando as “figuras” de geometria deste e só pensando nas da natureza da qual consideravam não procedentes as próprias experiencias. No imediato pós-guerra, porém, uma nova “escola de Paris” adoptou esta designação, nela aceitando uma radicação impressionista, por via da emoção retida do objecto natural inicial. “Não objectivo”, por seu lado, foi etiqueta proposta por H. Rebay, nos Estados Unidos, nos anos 40, numa recuperação que não teve fortuna.


Nos dois troncos genealógicos do abstraccionismo vemos assim, definirem-se duas situações, de expressão sentimental uma e de expressão mental ou geométrica a outra, com prioridade daquela, assumida logo em 1910 e até 1920 por Kandinsky, após longa experiencia expressionista figurativa, enquanto a segunda se exemplifica em Malevitch em 1913-14 e em Mondrian, em 1917 – ambos vinda do cubismo para o suprematismo ou para o neoplasticismo, respectivamente.


A maior ou mais carismática importância histórica de Mondrian vem da exemplaridade lógica da sua diligência tanto quanto da sua persistência, numa possibilidade de acção de que Malevitch não pode beneficiar na União Soviética estalineana. Ao encaminhamento lógico de ambos opôs-se o acaso que se encontra na base do abstraccionismo de Kandinsky, incapaz de ler figurativamente uma “Meda” de Monet, em 1895, e, surpreendido por uma sua própria composição subitamente vista ao invés, encostada a uma parede de ateliê, em 1908.


Mas além das duas correntes ou canais maiores do abstraccionismo, importa registar, com incidência pontual (embora outras relações de leitura devem ser feitas, em variados artistas), a duma inspiração musical interpretativa em termos visuais dum universo de sons, por afinidade rítmica. Em 1942 o checo F. Kupka (1871-1957) expõe em Paris (onde se instalara em 1895) uma tela intitulada “Discos de Newton” com, por subtítulo, “Amorfa, fuga em duas cores” (Praga), provavelmente de 1910. Percorrera então o pintor um longo caminho do simbolismo ao fauvismo e ao expressionismo, com influências luministas e dinâmica, depois de ter ilustrador de acerbo humorismo (“L’Assiette au Beurre”) e frequentado também o grupo da “Secção de ouro”. A série dos seus “Planos verticais”, em 1912-13 (M. A. M., Paris, etc.), traduz igualmente uma planificação musealista já detectável em “Teclas de piano – o lago” de 1909 (Praga) com a sua listagem vertical de “planos de cor”. Nos anos 30, Kupka inspirar-se-ia do Jazz (“Jazz-hot nº1”, 1935, M. A. M., Paris), numa obra irregular de várias curiosidades que trocaram as ciências cósmicas como a música e originaram o ensaio Creations dans les arts plastiques (1923), numa situação de pioneiro isolado. Numa idêntica inspiração musical pode inscrever-se o pintor e compositor lituano M. K. Ciurhouris, falecido em 1911, trabalhando em S. Petersburgo desde 1906, de que assinalam composições abstractas desde 1904, com arabescos de formas geométricas que nas “Sonatas das estrelas, alegro e andante” (1908, Kaunar, Lituânia) assumiram uma diluída figuração simbólica, já referida. O russo S. Charchouse, por seu lado, e vindo de experiências “dada”, inspirou-se também em Bach ou Bethoven, para composições de fino monocronismo, numa pintura para que o simbolismo espreita.

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