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terça-feira, fevereiro 04, 2014

João Fernandes


João Fernandes refere que em Portugal mais do que colecionadores de arte tem havido compradores de arte. Tradição de colecionismo em Portugal.
È curiosos pensar como em Portugal, nas coleções portuguesas e nas casas portuguesas as artes decorativas são privilegiadas em detrimento da pintura ou escultura. Isto acaba por cair numa cadeia que não estimula os artistas para se desenvolverem, para criarem obras.
Portugal continua a ter artistas e sempre teve. No séc. XX, apesar de as coisas serem extremamente difíceis na história de Portugal, temos gerações de artistas muito interessantes quer no primeiro modernismo, quer com a geração de Amadeu de Sousa Cardoso, do Eduardo Viana, do Almada, que foram contemporâneos do deu tempo, praticamente desde os anos 60 Portugal tem produzido gerações sucessivas de artistas onde encontramos sempre artistas muito interessantes e que muitas vezes não são conhecidos fora de Portugal em função do isolamento do país, da falta de estruturas e da falta de colecionadores também.
A galeria é mais rica por aquilo que compra do que por aquilo que vende.
As coleções do Sr. Abreu que no Porto terá sido uma coleção internacional de grande dimensão, com artistas portugueses e internacionais, e que vendeu a sua coleção a Jorge de Brito, em leilões internacionais e a galerias internacionais poderosas que vieram a Portugal nos anos 70, porque ele estava assustado com o contexto económico e político da época.
Às vezes certas leis do mercado não existem porque o preço da obra de arte é definido duma forma aleatória entre o artista e a galeria, independentemente da compra e venda.
Acho que ao longo dos últimos 5, 6 anos há uma nova geração de pessoas a interessar-se por arte, o aparecimento dessa nova geração corresponde também a um novo fenómeno, a globalização no mercado da arte contemporânea, a circulação acelerada por todo o mundo de colecionadores, o novo fenómeno das feiras de arte, o novo papel que as galerias têm, tudo isso acabou por chegar a Portugal.
São os colecionadores que alimentam o mercado e que por sua vez permitem aos artistas trabalhar e sobreviver.
Portugal tem sido um país muito instável porque tem muito poucas instituições a trabalhar com arte, tem um sistema de circulação muito reduzido para um artista em termos de exposições dentro do país. È muito difícil para um artista português, embora seja mais fácil que noutros tempos, circular fora do país, e na verdade acho que as galerias não têm constituído colecionadores.
Em relação à programação das galerias nota-se por vezes opções que não entendo. Em Serralves efetuamos mais de 200 exposições e fora de Serralves desde que o museu abriu, não passaram de meia dúzia os artistas estrangeiros que nós expusemos, e foram centenas, que terão tido exposições em galerias em Portugal.
Os museus são instituições de referência, ver as programações dos museus, ver os currículos dos artistas, há várias formas de construir o conhecimento, eu não apresento artistas em primeira mão a não ser que seja um concurso de artistas. As instituições servem de referência e de orientação para os colecionadores. Esta nova geração de colecionadores por vezes não compram em Portugal, ou não compra artistas portugueses, porque se sentem inseguros das opções que lhes são oferecidas. No entanto vão comprar à ARCO, a Londres ou Nova Iorque porque se sentem seguros de aquilo quem uma galeria em Londres ou em Nova Iorque lhes oferece.
O mundo da arte hoje é uma constelação muito prolífera de artistas e se nós formos ver os artistas que estão na moda numa determinada altura podem deixar de o estar noutra, o mundo da arte é um fenómeno muito complexo porque de certo modo se industrializou e nesse aspeto tudo parece mais confuso, porque é tudo de muito maior dimensão, há milhares de artistas, no mundo inteiro, cada Bienal de Veneza apresenta-nos mais de 200, 300, ou 400 artistas.
Esta industrialização da arte começou a surgir à 20 anos. Hoje há milhares de pessoas a viver da arte, a viver de vender arte, a viver de comprar arte, a viver de apresentar arte, a viver de escrever sobre arte. Se calhar os artistas são uma minoria hoje no mundo da arte, enquanto à 30 ou 40 anos não eram. Isto faz com que haja arte comercial e arte não comercial, arte que se vende e arte que não se vende, isto não quer dizer que uma seja boa e a outra má.
A arte é em princípio aquilo que os artistas fazem. O que carateriza a obra de arte é que não há regras em relação a estilos, géneros ou suportes, um verdadeiro colecionador não compra obras de arte só para decorar a casa, diz-se normalmente que uma coleção começa quando acaba a decoração da casa.
A programação do Museu de Serralves procurou constituir um núcleo que representasse as décadas de 60 e 70 de arte contemporânea, localizamos nessas datas o início da contemporaneidade artística curiosamente essa nossa opção foi acompanhada por um reconhecimento logo a seguir, depois de nós termos feito isso e aberto o museu, as grandes leiloeiras como a Christie’s, a Sotheby’s e a Phillips, começaram a criar departamentos específicos de arte contemporânea acompanhando a mesma datação.
Nas décadas de 60 e 70 assiste-se a uma mudança de paradigma em relação à obra de arte, nós encontramos toda uma sociedade que se discute e discute os seus limites, as suas características, as suas estruturas, as suas formas de organização, etc. A maior rutura do séc. XX na obra de arte, nos anos 10, 20, quando apareceram o construtivismo soviético, o dadaísmo, o surrealismo, o futurismo, as grandes vanguardas artísticas do início do século vão ser revistas por esta segunda geração que não as vai citar, pelo contrário, vai continuá-las de uma certa maneira e refundir um forma de fazer arte no sentido em que Richard Serra referia de arte sem limites, esta noção radical que põe em causa o objeto de arte, que desmaterializa o objeto de arte, que deixa de o transformar em mercadoria, que vai contra a sua apresentação e conservação em museus, que põe em causa o museu, que os artistas na altura fecharam em várias manifestações e greves em vários países do mundo, vai obrigar a transformar os museus e transforma o mundo da arte. Esta é uma grande revolução. E sem dúvida era importante para nós num país que tinha perdido a contemporaneidade artística ao longo do séc. XX, assumir um museu de arte contemporânea. Não teríamos nenhum problema em assumir um museu de arte moderna, mas com o orçamento que tínhamos disponível isso seria completamente impossível e por outro lado achamos que é prioritário um museu de arte contemporânea. Nós fizemos isso na década de 90, começamos a fazer esta coleção a partir de 97.
A exposição de abertura do Museu foi uma exposição-manifesto da sua nova coleção, reunindo obras de artistas portugueses e estrangeiros representativas do período histórico que a abrange e fundamenta. Com o título "Circa 68”, de 08 JUN 1999 a 29 AGO 1999, esta exposição ocupou simultaneamente o Museu e a Casa, apresentando não só as obras da coleção como igualmente outras obras que a permitem contextualizar. Constituiu, deste modo, uma exposição sobre a coleção, à volta da coleção, evidenciando o contexto artístico e cultural das linguagens experimentais que se transformaram num símbolo cultural do mundo ocidental o ano 1968. Apresentamos um conjunto de 600 obras produzidas entre 65 e 75, compramos ao longo de sete anos 80% destas obras, desde 97 até hoje adquirimos cerca de 1000 obras, e depois temos várias coleções em depósito cá, desde coleções institucionais como a Fundação Luso Americana, a coleção do Ministério da Cultura e várias coleções particulares.
Mas para nós foi prioritário durante os primeiros anos do museu eliminar algo que para nós era muito negativo na sociedade portuguesa. Se Portugal já não tinha Matisse, Picasso, Brancusi, Giacometti, Man Ray, Portugal tinha falhado no séc. XX de uma certa maneira, ao menos que nós conseguíssemos ter Richard Serra, Oldenburg, Polke, isto é, nomes fundamentais da contemporaneidade artística, ao mesmo tempo que procuramos representar um contexto português.
É neste período que existe uma mudança de paradigma da arte portuguesa, é a partir de finais da década de 50 que um conjunto de artistas portugueses vai para o estrangeiro graças às bolsas da Fundação Gulbenkian e que também os artistas procuram informação contra o regime, contra a censura, contra a falta de liberdade. E digamos discussões obsoletas que se passavam na arte portuguesa começam a ser transgredidas por uma nova geração de artistas, e a geração de Lurdes de Castro, René Bertholo, Helena Almeida, Ângelo de Sousa, Ana Haterly, Ernesto Melo e Castro, Ana Vieira, em que nós temos tantos artistas que na verdade configuram uma geração nova que é contemporânea do seu tempo.
Na verdade Portugal tem uma geração nova que é contemporânea do seu tempo com o modernismo, com o Amadeu de Sousa Cardoso, os Parisienses da 1ª geração, e tem depois uma 2ª geração apenas nos anos 60, fenómenos de contemporaneidade artística no intervalo destes dois períodos são muito raros e quase só ocasionais e pessoais. É o caso de Fernando Lanhas e de Nadir Afonso.
Por outro lado, era para nós muito importante olhar para o contexto internacional a partir da arte portuguesa e olhar para a arte portuguesa a partir do contexto internacional, porque há zonas de interseção e há obras de artistas estrangeiros que nós compramos em função de artistas portugueses que nós temos na coleção, e há obras de artistas de arte de artistas portugueses que nós compramos em função de artistas estrangeiros que temos na coleção, procurando assim diálogos, confrontos, etc.  
Enquanto nos anos 60 e 70 há um período que de algum modo abrange todo um conjunto de núcleos de artistas que funcionam e trabalham em vários países do mundo, seja na Alemanha, seja na Itália, com arte povera, seja nos E.U.A. com arte conceptual e pós-minimal, seja em França.
A partir dos anos 80 os artistas não existem enquanto grupos, movimentos ou em linguagens, cada artista é um conceito de arte, é uma linguagem, deixou de haver um período.
Nós queremos ter obras emblemáticas dos artistas mas sobretudo obras que surpreendam. Aquilo que faz dum artista uma etiqueta é a sua receção, nós queremos ser agentes de uma receção e por isso fazemos a nossa pesquisa, o nosso estudo. Em relação à geração de 80 e 90 nós estamos a trabalhar por constelações de artistas procurando nome a nome, tais como Thomas Schutte, Luc Tuymans, José Pedro Croft, Pedro Cabrita Reis.
Não temos uma exposição permanente como o Museu Soares dos Reis, a nossa coleção é jovem e só a expomos uma a duas vezes por ano no museu, ela circula pelo país noutros museus, neste momento temos 14 exposições fora.
Quando procuro um artista, procuro perceber qual é a sua linguagem, o que é que ele acrescenta à arte que eu conheço e quais são os problemas que ele coloca à arte. Mais do que conhecer, ser surpreendido por aquilo que não conheço. O artista constrói e cria problemas a si próprio, há um confronto do artista consigo mesmo e é esse confronto que depois transparece na obra.
Hoje há jovens artistas que começaram a trabalhar há 5 anos e que já expõe em Nova Iorque, em Londres, isso seria inimaginável há 20 anos atrás. Hoje há uma grande curiosidade no mundo em relação a Portugal.
Para mim o museu ideal seria um misto de laboratório, um espaço de trabalho e experimentação e ao mesmo tempo biblioteca para estudiosos, esse museu hoje não existe.