João Fernandes refere que em
Portugal mais do que colecionadores de arte tem havido compradores de arte.
Tradição de colecionismo em Portugal.
È curiosos pensar como em
Portugal, nas coleções portuguesas e nas casas portuguesas as artes decorativas
são privilegiadas em detrimento da pintura ou escultura. Isto acaba por cair
numa cadeia que não estimula os artistas para se desenvolverem, para criarem
obras.
Portugal continua a ter
artistas e sempre teve. No séc. XX, apesar de as coisas serem extremamente
difíceis na história de Portugal, temos gerações de artistas muito
interessantes quer no primeiro modernismo, quer com a geração de Amadeu de
Sousa Cardoso, do Eduardo Viana, do Almada, que foram contemporâneos do deu
tempo, praticamente desde os anos 60 Portugal tem produzido gerações sucessivas
de artistas onde encontramos sempre artistas muito interessantes e que muitas
vezes não são conhecidos fora de Portugal em função do isolamento do país, da
falta de estruturas e da falta de colecionadores também.
A galeria é mais rica por
aquilo que compra do que por aquilo que vende.
As coleções do Sr. Abreu que
no Porto terá sido uma coleção internacional de grande dimensão, com artistas
portugueses e internacionais, e que vendeu a sua coleção a Jorge de Brito, em
leilões internacionais e a galerias internacionais poderosas que vieram a
Portugal nos anos 70, porque ele estava assustado com o contexto económico e
político da época.
Às vezes certas leis do
mercado não existem porque o preço da obra de arte é definido duma forma
aleatória entre o artista e a galeria, independentemente da compra e venda.
Acho que ao longo dos
últimos 5, 6 anos há uma nova geração de pessoas a interessar-se por arte, o
aparecimento dessa nova geração corresponde também a um novo fenómeno, a
globalização no mercado da arte contemporânea, a circulação acelerada por todo
o mundo de colecionadores, o novo fenómeno das feiras de arte, o novo papel que
as galerias têm, tudo isso acabou por chegar a Portugal.
São os colecionadores que
alimentam o mercado e que por sua vez permitem aos artistas trabalhar e
sobreviver.
Portugal tem sido um país
muito instável porque tem muito poucas instituições a trabalhar com arte, tem
um sistema de circulação muito reduzido para um artista em termos de exposições
dentro do país. È muito difícil para um artista português, embora seja mais
fácil que noutros tempos, circular fora do país, e na verdade acho que as
galerias não têm constituído colecionadores.
Em relação à programação das galerias nota-se
por vezes opções que não entendo. Em Serralves efetuamos mais de 200 exposições
e fora de Serralves desde que o museu abriu, não passaram de meia dúzia os
artistas estrangeiros que nós expusemos, e foram centenas, que terão tido
exposições em galerias em Portugal.
Os museus são instituições
de referência, ver as programações dos museus, ver os currículos dos artistas,
há várias formas de construir o conhecimento, eu não apresento artistas em
primeira mão a não ser que seja um concurso de artistas. As instituições servem
de referência e de orientação para os colecionadores. Esta nova geração de
colecionadores por vezes não compram em Portugal, ou não compra artistas
portugueses, porque se sentem inseguros das opções que lhes são oferecidas. No
entanto vão comprar à ARCO, a Londres ou Nova Iorque porque se sentem seguros
de aquilo quem uma galeria em Londres ou em Nova Iorque lhes oferece.
O mundo da arte hoje é uma
constelação muito prolífera de artistas e se nós formos ver os artistas que
estão na moda numa determinada altura podem deixar de o estar noutra, o mundo
da arte é um fenómeno muito complexo porque de certo modo se industrializou e
nesse aspeto tudo parece mais confuso, porque é tudo de muito maior dimensão,
há milhares de artistas, no mundo inteiro, cada Bienal de Veneza apresenta-nos
mais de 200, 300, ou 400 artistas.
Esta industrialização da
arte começou a surgir à 20 anos. Hoje há milhares de pessoas a viver da arte, a
viver de vender arte, a viver de comprar arte, a viver de apresentar arte, a
viver de escrever sobre arte. Se calhar os artistas são uma minoria hoje no
mundo da arte, enquanto à 30 ou 40 anos não eram. Isto faz com que haja arte
comercial e arte não comercial, arte que se vende e arte que não se vende, isto
não quer dizer que uma seja boa e a outra má.
A arte é em princípio aquilo
que os artistas fazem. O que carateriza a obra de arte é que não há regras em
relação a estilos, géneros ou suportes, um verdadeiro colecionador não compra
obras de arte só para decorar a casa, diz-se normalmente que uma coleção começa
quando acaba a decoração da casa.
A programação do Museu de Serralves procurou
constituir um núcleo que representasse as décadas de 60 e 70 de arte
contemporânea, localizamos nessas datas o início da contemporaneidade artística
curiosamente essa nossa opção foi acompanhada por um reconhecimento logo a
seguir, depois de nós termos feito isso e aberto o museu, as grandes leiloeiras
como a Christie’s, a Sotheby’s e a Phillips, começaram a criar departamentos
específicos de arte contemporânea acompanhando a mesma datação.
Nas décadas de 60 e 70
assiste-se a uma mudança de paradigma em relação à obra de arte, nós
encontramos toda uma sociedade que se discute e discute os seus limites, as
suas características, as suas estruturas, as suas formas de organização, etc. A
maior rutura do séc. XX na obra de arte, nos anos 10, 20, quando apareceram o
construtivismo soviético, o dadaísmo, o surrealismo, o futurismo, as grandes
vanguardas artísticas do início do século vão ser revistas por esta segunda
geração que não as vai citar, pelo contrário, vai continuá-las de uma certa
maneira e refundir um forma de fazer arte no sentido em que Richard Serra
referia de arte sem limites, esta noção radical que põe em causa o objeto de arte,
que desmaterializa o objeto de arte, que deixa de o transformar em mercadoria,
que vai contra a sua apresentação e conservação em museus, que põe em causa o
museu, que os artistas na altura fecharam em várias manifestações e greves em
vários países do mundo, vai obrigar a transformar os museus e transforma o
mundo da arte. Esta é uma grande revolução. E sem dúvida era importante para
nós num país que tinha perdido a contemporaneidade artística ao longo do séc.
XX, assumir um museu de arte contemporânea. Não teríamos nenhum problema em
assumir um museu de arte moderna, mas com o orçamento que tínhamos disponível
isso seria completamente impossível e por outro lado achamos que é prioritário
um museu de arte contemporânea. Nós fizemos isso na década de 90, começamos a
fazer esta coleção a partir de 97.
A exposição de abertura do
Museu foi uma exposição-manifesto da sua nova coleção, reunindo obras de
artistas portugueses e estrangeiros representativas do período histórico que a
abrange e fundamenta. Com o título "Circa 68”, de 08 JUN 1999 a 29 AGO
1999, esta exposição ocupou simultaneamente o Museu e a Casa, apresentando não
só as obras da coleção como igualmente outras obras que a permitem
contextualizar. Constituiu, deste modo, uma exposição sobre a coleção, à volta
da coleção, evidenciando o contexto artístico e cultural das linguagens
experimentais que se transformaram num símbolo cultural do mundo ocidental o
ano 1968. Apresentamos um conjunto de 600 obras produzidas entre 65 e 75,
compramos ao longo de sete anos 80% destas obras, desde 97 até hoje adquirimos
cerca de 1000 obras, e depois temos várias coleções em depósito cá, desde
coleções institucionais como a Fundação Luso Americana, a coleção do Ministério
da Cultura e várias coleções particulares.
Mas para nós foi prioritário
durante os primeiros anos do museu eliminar algo que para nós era muito
negativo na sociedade portuguesa. Se Portugal já não tinha Matisse, Picasso, Brancusi, Giacometti,
Man Ray, Portugal tinha falhado no séc. XX de uma certa maneira, ao menos que
nós conseguíssemos ter Richard Serra, Oldenburg, Polke, isto é, nomes
fundamentais da contemporaneidade artística, ao mesmo tempo que procuramos
representar um contexto português.
É neste período que existe
uma mudança de paradigma da arte portuguesa, é a partir de finais da década de
50 que um conjunto de artistas portugueses vai para o estrangeiro graças às
bolsas da Fundação Gulbenkian e que também os artistas procuram informação
contra o regime, contra a censura, contra a falta de liberdade. E digamos
discussões obsoletas que se passavam na arte portuguesa começam a ser
transgredidas por uma nova geração de artistas, e a geração de Lurdes de
Castro, René Bertholo, Helena Almeida, Ângelo de Sousa, Ana Haterly, Ernesto
Melo e Castro, Ana Vieira, em que nós temos tantos artistas que na verdade
configuram uma geração nova que é contemporânea do seu tempo.
Na verdade Portugal tem uma
geração nova que é contemporânea do seu tempo com o modernismo, com o Amadeu de
Sousa Cardoso, os Parisienses da 1ª geração, e tem depois uma 2ª geração apenas
nos anos 60, fenómenos de contemporaneidade artística no intervalo destes dois
períodos são muito raros e quase só ocasionais e pessoais. É o caso de Fernando
Lanhas e de Nadir Afonso.
Por outro lado, era para nós
muito importante olhar para o contexto internacional a partir da arte
portuguesa e olhar para a arte portuguesa a partir do contexto internacional,
porque há zonas de interseção e há obras de artistas estrangeiros que nós
compramos em função de artistas portugueses que nós temos na coleção, e há
obras de artistas de arte de artistas portugueses que nós compramos em função
de artistas estrangeiros que temos na coleção, procurando assim diálogos,
confrontos, etc.
Enquanto nos anos 60 e 70 há
um período que de algum modo abrange todo um conjunto de núcleos de artistas
que funcionam e trabalham em vários países do mundo, seja na Alemanha, seja na
Itália, com arte povera, seja nos E.U.A. com arte conceptual e pós-minimal,
seja em França.
A partir dos anos 80 os
artistas não existem enquanto grupos, movimentos ou em linguagens, cada artista
é um conceito de arte, é uma linguagem, deixou de haver um período.
Nós queremos ter obras
emblemáticas dos artistas mas sobretudo obras que surpreendam. Aquilo que faz
dum artista uma etiqueta é a sua receção, nós queremos ser agentes de uma
receção e por isso fazemos a nossa pesquisa, o nosso estudo. Em relação à
geração de 80 e 90 nós estamos a trabalhar por constelações de artistas
procurando nome a nome, tais como Thomas Schutte, Luc Tuymans, José Pedro
Croft, Pedro Cabrita Reis.
Não temos uma exposição
permanente como o Museu Soares dos Reis, a nossa coleção é jovem e só a expomos
uma a duas vezes por ano no museu, ela circula pelo país noutros museus, neste
momento temos 14 exposições fora.
Quando procuro um artista,
procuro perceber qual é a sua linguagem, o que é que ele acrescenta à arte que
eu conheço e quais são os problemas que ele coloca à arte. Mais do que
conhecer, ser surpreendido por aquilo que não conheço. O artista constrói e
cria problemas a si próprio, há um confronto do artista consigo mesmo e é esse
confronto que depois transparece na obra.
Hoje há jovens artistas que
começaram a trabalhar há 5 anos e que já expõe em Nova Iorque, em Londres, isso
seria inimaginável há 20 anos atrás. Hoje há uma grande curiosidade no mundo em
relação a Portugal.
Para mim o museu ideal seria um misto de
laboratório, um espaço de trabalho e experimentação e ao mesmo tempo biblioteca
para estudiosos, esse museu hoje não existe.
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