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segunda-feira, agosto 20, 2018

As obras de arte selecionadas refletem o barroco


Uma das razões para unir estas diversas obras de arte é celebrar a liberdade expressão e a beleza da intenção artística, que tenta, ao nível simbólico, elaborar linguagens originais, exprimir a veracidade que qualquer um pode sentir, mas não se aperceber. O poder da metáfora permite o alargamento dos enquadramentos formais: mesmo a peça minimalista pode ser barroca, se for concebida com uma intenção holística, como Round de Sharon Peterz. O objeto maciço levita, devido ao sistema sofisticado de cabos de aço; de repente, a complexidade e a elegância da solução desta suspensão dominam a sua carga conceptual, o absurdo dessa perfeição entrega a obra ao barroco. A mulher bonita está gritando sem produzir qualquer som, El Medo de Sandra Jaume, exposta na sala cheia de sol, torna o ar sólido e faz as partículas parar na expectativa do grito; a “obra total” domina o espaço, o barroco está presente. Os livros artísticos de Maria X. Fernandez, definitivamente, refletem o barroco: as páginas enroladas e dobradas de maneira elaborada, são intangíveis para o leitor, seja qual for o conhecimento contido dentro, os livros seduzem com o erotismo visual das suas formas e evocam um desejo nostálgico do barroco.
Este é um excerto do texto do catálogo da autoria de:
Madina Zingashina, curadora do projeto ART-MAP Braga 2017

domingo, abril 15, 2018

Hiperbarroco


“Claramente, o barroco é fantástico”, disse Gregg Lambert. Não tinha entendido completamente essa expressão antes de ter realizado o projeto “Pensar Barroco”. Podemos abordar e interpretar o barroco de duas maneiras gerais: racionalmente, como um período histórico, ao considerar os aspetos formais: as margens cronológicas estão definidas e os mestres são reconhecidos, os princípios de composição e elementos característicos estão descritos e conservados, poetizados junto com a sociedade e espírito da época. Ou podemos sentir o barroco como um fenómeno transversal, que pode ocorrer em qualquer época e que conduz todos os seus temas ao seu extremo: a habilidade, a ciência, a emoção, a ilusão e a violência. Como um dos artistas participantes, Miguel Rodrigues, bem observou, na verdade estamos a aproximarmo-nos da era do hiperbarroco, podemos testemunha-la: manifesta-se na abundancia de informações, possibilidades e tecnologias, na aceitação de qualquer fealdade e de qualquer beleza. A sua instalação, especificamente feita para “pensar Barroco” durante a residência artística na galeria da estação, é uma assemblagem de tubos de canalização e de plástico deformado: brilham com ouro e atraem com a suavidade rica do veludo vermelho; será que este é um sublime da nossa modernidade?

Este é um excerto do texto do catálogo da autoria de:
Madina Zingashina, curadora do projeto ART-MAP Braga 2017

sexta-feira, abril 13, 2018

O barroco pronunciou a modernidade


A ideia comum sobre o barroco é que é um tema irregular, obsoleto, exagerado e necessariamente realengo, afiliado à inquisição, alinhado com a escravidão e o colonialismo. E aqui eu gostaria de refletir um pouco. Algures no final do Renascimento, no mundo ocidental, começa a democratização da arte e o barroco, paradoxalmente, contribuiu para este processo. Resultando da intenção reacionária de reafirmação do poder da igreja e da monarquia, o conceito barroco, usando ouro, ilusão, escultura e decoração, procura comunicar com o gosto popular. Assim foram levadas ao máximo impacto e escala todas as formas de arte, da arquitetura à música, para patentear a magnificência do reino celestial, resultando na confirmação da beleza e do prazer da existência terrena, acabando enfim com os restos do ascetismo gótico. Pretendendo transmitir uma mensagem à população analfabeta, o barroco difundiu conhecimento e iluminismo; inspirado pela ciência e pelas descobertas do mundo, o barroco pronunciou a modernidade.

Este é um excerto do texto do catálogo da autoria de:
Madina Zingashina, curadora do projeto ART-MAP Braga 2017

domingo, abril 08, 2018

“Pensar Barroco”


A obra de arte geralmente obtém o seu título depois de estar completa ou durante a sua criação, mas a exposição começa com um título. O título é o conteúdo, a cor e o rumo de toda a produção futura; o título é o que define significativamente o sucesso da exposição. O tema do barroco pode parecer uma escolha instantânea para Braga, embora, do ponto de vista da curadoria, não tenha sido uma escolha assim tão fácil. Anunciando o “Pensar Barroco como um call for artists aberto, senti-me como afazer apostas, estava entusiasmada. No “Pensar Barroco” falta “o”; o que eu pretendia era evocar o modo barroco de pensar. Nem tinha a certeza de qual a reação dos artistas: será que este desafio inspirará algumas propostas excecionais ou meramente atrairá repetições dos elementos decorativos do que é chamado o “estilo barroco” ou maneirismo? Venci. As obras artísticas apresentadas para a exposição têm notavelmente pouco a ver com recordações históricas, seja nas narrativas ou na solução técnica; são obras contemporâneas; mas têm o espírito barroco. Há, pois, tantas maneiras de pensar barroco; a aglomeração desta intenção artística em Braga tem o seu próprio charme, sentido e choque. O choque resulta da redução habitual do barroco às suas características decorativas. A arquitetura da cidade reivindica os seus direitos históricos completos de herança barroca autêntica; a introdução de novas interpretações, na forma de obras de arte, descongela as margens da perceção habitual e promete uma continuidade para a grande tradição. A herança barroca, merecendo, serve aqui como uma ponte estética entre o arcaico e a modernidade: as pedras tomam as formas vitais e dançam, o metal canta, o ouro brilha, não é possível competir neste domínio com os mestres antigos. Mas é possível dialogar.   

Este é um excerto do texto do catálogo da autoria de:
Madina Zingashina, curadora do projeto ART-MAP Braga 2017

sexta-feira, abril 06, 2018

Madina Zingashina


São quase só as cidades antigas, crescidas sem um plano premeditado, que oferecem um tal conteúdo à forma estética: aqui, formas que nasceram de finalidades humanas e que aparecem como simples materializações do espírito e da vontade representam pela sua conjugação um valor que está inteiramente para além destas intenções e lhes vem crescer como um opus supererogationis (…) e que distâncias entre as épocas, os estilos, as personalidades, os conteúdos vitais, que aqui deixaram as suas marcas são tão amplas como em nenhum outro sítio no mundo e, no entanto, estão entretecidos numa unidade, harmonia e afinidade…

Ditas por Georg Simmel sobre Roma, as mesmas palavras poderiam também descrever Braga. Este historiador da arte permaneceu bastante afastado das discussões que a crítica artística do século XX montou sobre a legitimidade da obra de arte, a morte da arte e da demanda da beleza. Simmel produziu uma resposta simples ao complexo labirinto das questões relativamente ao “o que é arte?” A arte, tal como a beleza é, segundo este filosofo, um privilégio que reside na capacidade de distinguir, ver as relações e fazer sentido para a mente, na multiplicidade de objetos, factos ou fenómenos. Simmel, provavelmente um devoto de escola romântica, também observou que os objetos da natureza contêm sempre um potencial estético: a harmonia ou contraste da totalidade das partes ou dos elementos revelam a beleza imediata, enquanto a harmonia, como tal, não existe nas criações humanas e apenas o tempo pode lhes proporcionar uma completude estética. Em Braga, esta afirmação nem sequer necessita de demonstração, está explicita e é impressionante.

Esta antiga cidade portuguesa, com milhares de anos de história, cujas relíquias e cicatrizes se manifestam na sua face através da arqueologia e da arquitetura, está viva, alegre e jovem no seu espírito. Demograficamente é a cidade mais jovem de Portugal, Braga lembra, convoca e festeja, ao longo do ano, todas as suas épocas, da romana à moderna. Enquanto a comemoração do passado é construída na memória e no arquivo, onde todas as temporadas, estilos e símbolos anteriores são mutuamente pacificados sob o guarda-chuva do património, o presente ainda não está acamado, desenrola-se cheio de controvérsia. Embora não existam tensões entre os estilos romano, gótico, barroco ou manuelino, que frequentemente se encontram compostos um sobre o outro (o tempo é o artista perfeito ergue, esquece e mistura), a página da arte contemporânea está aberta, o discurso constrói-se pela celebração da sua diferença em relação às épocas passadas.

Este é um excerto do texto do catálogo da autoria de:
Madina Zingashina, curadora do projeto ART-MAP Braga 2017