sexta-feira, abril 06, 2018

Madina Zingashina


São quase só as cidades antigas, crescidas sem um plano premeditado, que oferecem um tal conteúdo à forma estética: aqui, formas que nasceram de finalidades humanas e que aparecem como simples materializações do espírito e da vontade representam pela sua conjugação um valor que está inteiramente para além destas intenções e lhes vem crescer como um opus supererogationis (…) e que distâncias entre as épocas, os estilos, as personalidades, os conteúdos vitais, que aqui deixaram as suas marcas são tão amplas como em nenhum outro sítio no mundo e, no entanto, estão entretecidos numa unidade, harmonia e afinidade…

Ditas por Georg Simmel sobre Roma, as mesmas palavras poderiam também descrever Braga. Este historiador da arte permaneceu bastante afastado das discussões que a crítica artística do século XX montou sobre a legitimidade da obra de arte, a morte da arte e da demanda da beleza. Simmel produziu uma resposta simples ao complexo labirinto das questões relativamente ao “o que é arte?” A arte, tal como a beleza é, segundo este filosofo, um privilégio que reside na capacidade de distinguir, ver as relações e fazer sentido para a mente, na multiplicidade de objetos, factos ou fenómenos. Simmel, provavelmente um devoto de escola romântica, também observou que os objetos da natureza contêm sempre um potencial estético: a harmonia ou contraste da totalidade das partes ou dos elementos revelam a beleza imediata, enquanto a harmonia, como tal, não existe nas criações humanas e apenas o tempo pode lhes proporcionar uma completude estética. Em Braga, esta afirmação nem sequer necessita de demonstração, está explicita e é impressionante.

Esta antiga cidade portuguesa, com milhares de anos de história, cujas relíquias e cicatrizes se manifestam na sua face através da arqueologia e da arquitetura, está viva, alegre e jovem no seu espírito. Demograficamente é a cidade mais jovem de Portugal, Braga lembra, convoca e festeja, ao longo do ano, todas as suas épocas, da romana à moderna. Enquanto a comemoração do passado é construída na memória e no arquivo, onde todas as temporadas, estilos e símbolos anteriores são mutuamente pacificados sob o guarda-chuva do património, o presente ainda não está acamado, desenrola-se cheio de controvérsia. Embora não existam tensões entre os estilos romano, gótico, barroco ou manuelino, que frequentemente se encontram compostos um sobre o outro (o tempo é o artista perfeito ergue, esquece e mistura), a página da arte contemporânea está aberta, o discurso constrói-se pela celebração da sua diferença em relação às épocas passadas.

Este é um excerto do texto do catálogo da autoria de:
Madina Zingashina, curadora do projeto ART-MAP Braga 2017

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