sexta-feira, março 26, 2010

A Arte em Portugal no Século XX (1911-1961)



Num clima de independência face ao poder ditatorial exercido pelo Regime do Estado Novo, plebiscitado através da Constituição de 1933, a Cidade do Porto, pelo seu distanciamento físico em relação à Capital, respirava alguma liberdade ideológica e artística.


De facto, essa tradição de autonomia cultural vem desde o início do século XX, tendo o Porto visto nascer personalidades verdadeiramente vanguardistas no panorama nacional.


O cenário das Artes Plásticas em Portugal era dominado pelo Secretariado da Propaganda Nacional (SPN), assumido em 1933 por António Ferro, que a partir de 1944 passou a designar-se Secretariado Nacional de Informação (SNI).


Dispensou alguma protecção aos praticantes da Arte Moderna por duas razões: a primeira, porque "a percepção de que o necessário «equilíbrio da maturidade» seria filho da saudável «audácia dos vinte anos» ", e a segunda porque "a «arte viva» muito mais facilmente se prestaria «à divulgação das coisas». Os interesses do poder estariam na base dos apoios dispensados às vanguardas. "


Para o efeito, em 1934, começou por disponibilizar gratuitamente um estúdio e uma galeria, não descriminando nenhuma "escola" ou "tendência" artística. Pretendia assim, "utilizando os vivíssimos traços da modernidade artística", simbolizar o "autoritarismo português como força dinâmica e portadora de futuro".


Os locais dedicados às Artes Plásticas no Porto nos anos 30 foram o Salão Silva Porto na Rua de Cedofeita, na Rua Passos Manuel o Ateneu Comercial do Porto e o Salão Passos Manuel, a Galeria Portugália localizada na Rua de 31 de Janeiro, o Palácio de Cristal e a Bolsa Portuense.


Em 1929, um grupo de jovens estudantes da Escola de Belas Artes, o "Grupo Mais Além", inaugura uma Exposição no Salão Silva Porto, tendo elaborado um manifesto contestando o ensino da Academia, voltando a expor em 1931 e desaparecendo depois. Dele faziam parte, entre outros, Augusto Gomes, Domingos Alvarez, Guilherme Camarinha, Ventura Porfírio, Luís Reis Teixeira, Adalberto Sampaio, Amélia Mesquita, Abel Moura, Mendes da Silva, Laura Costa e Sara Alvim Pena, tendo o encontro surgido na sequência da contestação a uma homenagem a Marques de Oliveira.


A "Primeira Grande Exposição Colonial Portuguesa" ocorreu no Porto, no Palácio de Cristal em 1934, quando o Estado Novo vivia o seu período de euforia e grande pujança, no qual assentavam as bases de um sistema conservador e repressivo. Salazar segurava com firmeza as rédeas do poder, exaltando o slogan -"Deus Pátria e Família: a trilogia da Educação Nacional". Os focos de contestação estavam fragilizados e a glorificação do sonho ultramarino do "Portugal do Minho a Timor", exortado pelo Regime, teve o seu reflexo nesta exposição, que os portuenses aplaudiram, pela sua pertinência cultural, apesar da carga propagandística.


Durante os anos 40, a natureza subjacente às encomendas públicas que foram sucedendo ao trabalho dos artistas, alterou o processo criativo nacional. O grande princípio do Regime era a "afirmação da identidade nacional", e nesse sentido, a evocação do período áureo das descobertas marítimas, para consolidação do Império Colonial Português. O palco principal dessa grande afirmação foi a "Exposição do Mundo Português", de 1940, em Lisboa.


Mais uma vez, o Porto avança com a criação de um movimento de renovação, um grupo de artistas, estudantes e professores da Escola Superior de Belas Artes do Porto, que organizaram um conjunto de exposições a partir de 1943 até 1950, o designado "Grupo dos Independentes". Expuseram nesse grupo, entre outros, Amândio Silva, António Lino, Arlindo Rocha, Fernando Lanhas, Júlio Pomar, Júlio Resende, Victor Palia, Abel Salazar, Américo Braga, António Cruz, Augusto Gomes, Guilherme Camarinha, Henrique Moreira, Nadir Afonso, Manuel Pereira da Silva e Querubim Lapa.


O que os unia era a recusa de tendências académicas, a abertura a todas as correntes, não impondo compromissos estéticos e divulgando novas tendências como o Neo-realismo, o Abstraccionismo Geométrico (figurativo ou não), e o Expressionismo, que aliás se espelham nas obras plásticas presentes nos edifícios da nossa área em estudo.


Essa independência reflecte-se, por exemplo, na obra de Júlio Resende, que partindo de uma vertente neo-realista pelas preocupações sociais manifestadas, vai metamorfoseando a tensão dramática para um lirismo expressionista.


"Havia um comungar de ideias que contrariavam um bocadinho o estado da altura. A nossa independência vinha do facto de cada um ser uma pessoa com ideias suas, próprias e pintando com isso mesmo [...]. A Escola estava de corpo e alma com o nosso movimento. "


Este movimento só faria sentido pela conjuntura formada pelos Directores da Escola Superior de Belas Artes do Porto nos anos 40, onde Dordio Gomes, na Pintura, Barata Feyo, na Escultura, e Carlos Ramos, na Arquitectura, permitiram um novo fôlego, respirando as vanguardas artísticas que se continuavam a afirmar na Europa.


Dordio Gomes, sendo considerado por muitos como o pintor português que melhor sentiu a influência estética de Cézanne, foi o responsável pela criação de um ateliê de pintura a fresco na Escola Superior de Belas Artes do Porto, fruto da experiência das pesquisas realizadas em Itália sobre os fresquitos de Quatrocentos. Realizou um conjunto de obras de pintura a fresco na cidade do Porto, como no Café Rialto em 1944, na Igreja de N. Sr.ª da Conceição, em 1947, na Faculdade de Belas Artes do Porto, em 1952/53, no edifício da Câmara Municipal do Porto, em 1957, e no Palácio da Justiça, em 1959/60. As influências da sua obra e da sua actividade pedagógica, revelam-se no carácter "colorista" que serviu de referência a numerosos discípulos, que procuraram uma maior investigação na área da "Arte Mural", reflectindo essa procura nas diversas obras que se espalham por toda a Cidade.


Em Lisboa, a partir de 1946, o "Movimento de Unidade Democrática" (MUD), organiza a "I Exposição Geral de Artes Plásticas" (EGAP), com a participação de artistas que se opunham claramente ao Regime. Foi um veículo de divulgação do Neo-realismo, numa tentativa de aproximar a Arte do Povo, uma ideia libertadora que aproximou os diferentes artistas, num esforço de cooperação.


Representado na Literatura por autores como Alves Redol, este movimento surgiu nos finais dos anos 30 e defendia a denúncia da realidade social, tendo por base a ideologia de inspiração marxista: a problemática social invadira o mundo da Arte.


Na Pintura, partiu da admiração das pinturas mexicanas de Rivera, Siqueiros, e do brasileiro Portinari sobre o ciclo do café, que se encontravam nos respectivos Pavilhões aquando da Exposição do Mundo Português, em 1940. Com grande capacidade plástica, pretendia-se representar o mundo do trabalho, dos campos e das fábricas, com expressividade e didactismo, num sentido oposto à Arte burguesa.


No pós Segunda Guerra Mundial, começa a notar-se um período de oposição ao Fascismo na Europa, facto que traz consequências para o panorama cultural português, que começa a revelar uma maior dinâmica.


Com a criação, em 1945, do Cineclube do Porto e do Teatro Experimental do Porto, iniciou-se um processo de agitação cultural, que animou a cidade, num País marcado pela vigilância e repressão.


E nessa data que a revista "O Tripeiro" retoma a sua publicação periódica, como um órgão cultural portuense de registo e divulgação de memórias.


Os Jornais começaram a interessar-se pela publicação de suplementos literários e culturais, que noticiavam essa dinâmica cultural. "O Comércio do Porto", dirigido por Costa Barreto, tinha Óscar Lopes como crítico literário. No "Jornal de Notícias", a página cultural era dirigida por Ramos de Almeida, e Alberto Serpa dirigia a página cultural de "O Primeiro de Janeiro".


Um espaço de grande importância foi também a Academia e "Galeria Alvarez", inaugurada em 1954, por onde passavam os professores e estudantes das Belas Artes.


Com a criação de novas infra-estruturas produtoras e divulgadores de actividades culturais, a existência de galerias, cafés e livrarias onde se realizavam tertúlias e colóquios, o Porto regista a proliferação de espaços que propiciaram a divulgação das problemáticas culturais por excelência, com o necessário e atento apoio dos meios de comunicação social.


Verificamos existirem no Porto exemplares que nos permitem descrever a História da Arquitectura em Portugal, durante as décadas de 30 a 50, nas suas tendências Artes Déco, Modernismo Radical, Português Suave, e Estilo Internacional com os "Cinco princípios da Arquitectura Moderna". A Arquitectura confirma-se como uma disciplina cheia de vicissitudes e idiossincrasias, enfatizadas pelos percursos mais coerentes ou mais versáteis dos seus autores.


Sensíveis participantes no diálogo entre as Artes, os Arquitectos recorriam frequentemente à participação dos Artistas Plásticos, cujas intervenções assimilaram o carácter simbólico de cada edifício e a sua forma arquitectónica, resultando em contributos emblemáticos que não mais tiveram paralelo.


FRANÇA, José-Augusto - A Arte em Portugal no Século XX (1911-1961). Lisboa: Livros Horizonte, 2009.

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