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terça-feira, fevereiro 10, 2009

Júlio Resende e Manuel Pereira da Silva na Fundação Lugar do Desenho

Júlio Resende nasceu no Porto a 23 de Outubro de 1917.

Possui o curso de Pintura da Escola de Belas-Artes do Porto (EBAP), onde teve como mestre Dordio Gomes. Inconformado com o distanciamento da sua geração face à realidade artística além fronteiras, funda em 1943, com alguns colegas, o Grupo dos Independentes: realiza Exposição Independente, a primeira de uma série que se prolonga até 1950, com realizações no Porto, Lisboa, Coimbra Leiria e Braga.


(2001) Júlio Resende e Manuel Pereira da Silva na Fundação Júlio Resende.

É bolseiro do Instituto de Alta Cultura, em Paris, onde fica até 1948. Na Escola de Belas-Artes de Paris , especializa-se em pintura mural, sob a direcção de Duco de la Haix. Na Academia Grande Chuamière, recebe lições de Othon Friesz. Nesta altura, descobre, também, os grandes mestres do Louvre.


Uma casa em Korntal.

De regresso a Portugal, fixa-se no Alentejo, desenvolvendo uma pintura com uma estrutura pictórica triangular: Regresso do Trabalho, Caminhantes, Guardador de Cavalos, são alguns dos títulos que sugerem a sua temática. De volta ao Norte, inicia uma nova fase criativa, construindo estruturas geométricas rectangulares. Uma viagem ao Brasil, em 1971, introduz uma nova mudança no estilo do pintor: a diagonal passa a dominar a estrutura do quadro. Sempre com a presença do Homem, a temática é o quotidiano, colhido no Nordeste brasileiro e no Porto ribeirinho. A ilustrar esta fase, uma das obras mais emblemáticas da sua carreira: Ribeira Negra (1984), que, segundo Júlio Resende, «é bem uma síntese de um percurso, ou de uma longa aventura das formas...».



A inspiração da paleta.

Com uma carreira diversificada – pintura a fresco, vitral, painéis cerâmicos, ilustração de obras literárias e cenários teatrais –, Júlio Resende (professor efectivo na EBAP até 1987) tem no curriculum mais de 50 exposições individuais (a partir de 1943) e numerosas colectivas, entre as quais se destacam : Exposição de Artistas Metropolitanos (Luanda), Mostruário de Arte Metropolitana (Goa), XXV Bienal de Veneza, Bienal de Arte de S. Paulo, Exposição Itinerante das obras do Museu de Arte Moderna de S. Paulo, Once Pintores Portugueses (Madrid), Exposição Internacional de Bruxelas, Centro de Arte Contemporânea Altarriba Art (Barcelona) e Portugisisk Grafik Goteborgs Konstmuseum (Suécia). Os prémios são, também, muitos, salientando-se: Prémio Nacional de Pintura da Academia de Belas-Artes, Prémio Armando de Basto, Prémio Sousa Cardoso, Prémio Especial da Bienal de Arte de S. Paulo, primeiro lugar no Concurso para o Monumento ao Infante D. Henrique (com o projecto Mar Novo), Medalha de prata na Exposição Internacional de Bruxelas, 1º Prémio de Artes Gráficas na X Bienal de S. Paulo e Ordem de Mérito Civil do Rei de Espanha (1981).





1949, Mulheres de Mira.

Júlio Resende está representado nos Museus de Soares dos Reis, do Chiado, de Évora, Calouste Gulbenkian, de Arte Moderna de S. Paulo, de Helsínquia, de Aalesund e em muitas colecções particulares na Europa, África e América do Norte e Sul.


Resende entre o Preto e o Branco



1959, Gente do mar.
Resende sempre partiu da ambivalência dos extremos Preto e Branco, na utilização das técnicas empregues.




1960, Tinta da china.


O preto e o branco.
Os extremos tocam-se e não existe um sem o outro. Os dois são generosos para cor.
Haverá pintor que não o reconheça?
Tanto um como o outro servem o Desenho de modo consistente e autores há que os não dispensem como recurso ou como plena afirmação do seu estilo. Se a pintura dos tempos correntes deliberadamente ou não vem desprezando as experiências tecnológicas havidas no passado também tudo o mais mudou mormente os produtos. Não é verdade que o impressionismo fez banir o preto da paleta? Por outro lado o preto e o branco exerceram papel considerável na função espacial da pintura pós-impressionista como é sabido.

1994, Pastel sobre papel.

"Sendo inquestionável a função da cor na pintura reconhecemos que nem sempre os pintores sentiram nela uma forte motivação temperamental. Para que a cor viesse a constituir a génese de um conteúdo assumido como tal, teríamos de aguardar os finais do séc. XIX e o dealbar do séc. XX. Porém, também é sabido que no plano a cor só se reconhece pelo desenho que a comporta. Quando a cor manda, já ela é desenho. Sendo uma intuição do pintor, é frequente em mim a resposta imediata em gesto que tem a razão em si, é já um exercício de visão."

Júlio Resende




2006, Pastel.


A inserção do artista plástico na sociedade é por demais estendível e a razão que baste para o ser. Num espaço urbano é sublinhamento, e não, intervenção. Algo que se sente mais do que vê. Um sentir suficientemente abrangente no espaço global e que se mantém latente no tempo. Assim, parece dever reclamar-se do artista aquela espécie de humildade para reconhecer o momento justo de participar no ambiente exterior ao seu atelier, esse sim, o espaço da experimentação. O pintor se é efectivamente aquele que opera pela via plástica (...) requer um suporte físico, dependendo a sua natureza e robustez consoante as características do local. O muro sempre constituiu para mim, uma espécie de obsessão, sobretudo a partir dos anos 47 quando pela primeira vez deambulei pela Itália. Então, de regresso a Paris, Duco de La Haix instruíra-me quanto às capacidades do "mortier" dando-me "alta" para eu próprio levantar um muro para a pintura a fresco.




"Ribeira Negra" (1984), uma das obras mais conhecidas de Júlio Resende, no Porto.

quinta-feira, fevereiro 05, 2009

Eduardo Tavares (1918-1991)

Eduardo Augusto Tavares nasce a 4 de Julho de 1918, em São João da Pesqueira. Com 12 anos vem morar para Matosinhos. Após a conclusão do 5º ano, trabalha na oficina de um escultor de madeira em Santa Cruz do Bispo. Por volta de 1937, é apresentado ao escultor António Teixeira Lopes, passando a trabalhar no seu atelier, em Vila Nova de Gaia (actual Casa-Museu Teixeira Lopes). Encorajado e recomendado por Teixeira Lopes é admitido, em 1938, no Curso Especial de Escultura da Escola de Belas do Porto, onde foi seu aluno e também de Acácio Lino, Pinto do Couto e Joaquim Lopes. Em reunião de Conselho Escolar, em 1940, é considerado o melhor aluno da escola, recebendo o Prémio do Rotary Club. Enquanto aluno seria também premiado pelo Instituto Britânico, sendo-lhe concedida, a partir de 1941, a bolsa Ventura Terra. Em 1942, matricula-se no Curso Superior de Escultura, que finaliza em 1946, com 19 valores, mediante a apresentação da prova final Toupeira Douriense.

Em 1948, durante quatro meses, frequenta a École Nationale des Beaux Arts de Paris. A passagem pela Escola Francesa irá reforçar o seu gosto pela escultura académica, particularmente pela Figura Humana.

Nos anos quarenta associou-se às exposições do Grupo dos Independentes, fundado em 1943 e composto por artistas como Fernando Lanhas, Nadir Afonso, Manuel Pereira da Silva ou Júlio Resende.

Da sua produção escultórica dos anos 50 avulta uma série de cabeças esculpidas representando personalidades da esfera artística e cultural.

De regresso a Portugal, lecciona no ensino técnico. Com a reforma de 1957 são criadas novas disciplinas. As tecnologias da Escultura são introduzidas no plano curricular da ESBAP, sendo a partir de 1960 até 1985, Eduardo Tavares seu professor. Em 1962, apresenta como provas ao concurso de agregação Maturidade (prova de Composição) e Modelo Feminino (prova de Modelo Vivo).



No âmbito da estatuária, como no da escultura de pequenas dimensões, constata-se a preferência pelo tratamento da figura humana, tema que estudou profundamente, e, sobre o qual publicou vários textos.

Em 1995, a Faculdade de Belas Artes do Porto realizou uma exposição de homenagem a Eduardo Tavares, a única individual do escultor.

Grande parte da sua obra pode ser vista no Museu Eduardo Tavares em São João da Pesqueira. Resultante de uma doação à Câmara Municipal de S. João da Pesqueira, a colecção deste museu apresenta um núcleo de obras da autoria de Eduardo Tavares que abrange um período de cerca de três décadas, situando-se entre 1952 e 1982.

No Porto deixou a sua marca com as obras “geometria” (baixo-relevo, no edifício da antiga Biblioteca Infantil da Biblioteca Pública Municipal do Porto), na Praça de Marquês do Pombal e “Ricardo Jorge”, no Jardim do Hospital de S. João.

Além da actividade docente e da produção de escultura, também se dedicou à escrita, sendo autor de três livros teóricos sobre arte: Do ”Número de Ouro” à Figura Humana; Da Geometria de Miguel Ângelo na Capela Sistina: Giotto, Piero della Francesca, Verrocchio, Botticelli, Perugino, Leonardo da Vinci, Rafael, Ticiano, El Greco e Anatomia Artística, o último dos quais editado postumamente.

domingo, fevereiro 01, 2009

Arlindo Rocha



Arlindo Rocha e Manuel Pereira da Silva



Arlindo Rocha, 1921 – 1999
Natural do Porto, formou-se em Escultura, na Escola Superior de Belas Artes do Porto, em 1945.
Em 1953, obteve uma bolsa do Instituto de Alta Cultura, para Itália e, em 1959, uma bolsa da BCG para o Egipto e a Grécia e visita os principais Museus da Europa.
Foi um dos membros do Grupo portuense "Independentes" (anos 40).
Foi premiado com uma medalha de prata na Exposição Universal de Bruxelas (1958), com o Prémio do Salão dos Novíssimos, de 1959.
Tem obras em espaços públicos – quartéis, escolas, palácios de justiça, jardins, etc., como por exemplo em Setúbal, Viseu e Porto.


Clérigos (Porto), Bispo do Porto.


Arlindo Rocha é considerado um pioneiro da escultura abstracta em Portugal, podendo considerar-se ao lado de Manuel Pereira da Silva, Jorge Vieira, e Fernando Fernandes no movimento que emancipou a escultura da sua vocação estatuária. As peças "Mulher e Árvore", de 1948 e "Ciência", de 1961, esta de um abstraccionismo radical, são marcos fundamentais na escultura portuguesa do século passado.
A sua obra tendeu irremediavelmente para a geometrização absoluta. No entanto, nos últimos anos regressou a um figurativismo rígido, correspondendo a encomendas para locais públicos.


Fonte Luminosa de Setúbal: A Poesia, O Mar e A Terra.


A Abstracção, via ensino da Escola de Paris, em duas vertentes, ora de pendor geométrico ora de carácter lírico e gestual, manifesta-se abertamente com vultos nacionais de muito prestígio: Maria Helena Vieira da Silva, expoente da "École de Paris", e cá, dentro de portas, Fernando Lanhas, Nadir Afonso, Manuel Pereira da Silva e Arlindo Rocha.

sexta-feira, janeiro 23, 2009

Busto de Fernando Fernandes

1946 Busto de Fernando Fernandes elaborado por Manuel Pereira da Silva.


Nasce a 11 de Abril de 1924, em Braga. Frequenta o Curso Industrial de Entalhador na Escola Bartolomeu dos Mártires, que finaliza com 14 valores. Em Outubro de 1942, ingressa no Curso Especial de Pintura da ESBAP, mudando em 1945, para o Curso Especial de Escultura, concluído três anos mais tarde. Em 1949, inscreve-se no Curso Superior de Escultura.



Em 1952, participa na exposição de Arte Moderna do Serviço Nacional de Informação com a obra Piet. A Lógica e o Silogismo, apresentada em 1953, a primeira escultura abstracta apresentada em prova escolar, obtendo então a classificação de 19 valores.



A Lógica e o Silogismo


Após a conclusão do curso, Fernando Fernandes frequenta a Escola de Belas Artes de Paris e a Slade School of Art de Londres. Foi bolseiro do Instituto da Alta Cultura e da Fundação Calouste Gulbenkian. Representou Portugal na II e V Bienais de Arte Moderna de São Paulo, em 1953 e 1959

Fernando Fernandes foi além de colega de curso, companheiro de Manuel Pereira da Silva na aventurosa estadia em Paris em 1946 e 1947, juntamente com o Pintor Júlio Resende e o Escultor Eduardo Tavares que veio a ser utente do atelier de Manuel Pereira da Silva na Rua da Restauração, o que igualmente se verificou, mais tarde, com o Escultor Aureliano Lima e o Pintor Reis Teixeira.

domingo, janeiro 11, 2009

Busto do escultor Aureliano Lima


Em 1950, Manuel Pereira da Silva elaborou este busto em gesso de Aureliano Lima.


Aureliano Lima nasceu a 23 de Setembro de 1916 em Carregal do Sal, terra natal que o viu crescer até aos primeiros cinco anos da sua infância, tendo, em 1921, ido viver durante alguns anos para Lagares da Beira (Oliveira do Hospital) com os seus pais.


Escultor, desenhador, medalhista e poeta português, autodidacta, chega às artes plásticas em meados dos anos 40, depois de ter exercido as mais diferentes profissões (ajudante de farmácia, funcionário numa penitenciária...). Em 1939, estabelece-se em Coimbra. Na cidade do Mondego, escreve, reúne-se em tertúlias, colabora em jornais literários e participa, pela primeira vez, na Exposição de Artistas de Coimbra, em 1948.

Do mesmo ano, data a sua presença na III Exposição Geral de Artes Plásticas, organizada em Lisboa, na Sociedade Nacional de Belas-Artes. Na época, a sua primeira actividade escultórica – bustos, como o expressivo Teixeira de Pascoaes, em barro – permanece vinculada aos preceitos da estatuária figurativa que, mais tarde, abandonará em favor de uma pesquisa não figurativa, interessada na exploração das qualidades poéticas dos materiais – a pedra, a madeira ou o gesso, mas também o ferro soldado ou assemblado.

Em 1958, vai para o Porto e pouco tempo depois para Vila Nova de Gaia, onde chegou a trabalhar no atelier do escultor Manuel Pereira da Silva. Foi a entrada em definitivo para os meios artísticos e culturais, uma porta aberta a novas experiências, a novas criações e actividades. "Recordo ainda as primeiras visitas ao atelier emprestado da Rua Afonso de Albuquerque, perto da Escola do Torne, onde com Manuel Pereira da Silva, Aureliano Lima, partilhava esse acto quase inicial de fazer escultura moderna, fora dos circuitos oficiais ou académicos, longe dos olhares dos críticos que, poucas vezes se interessaram pela escultura em Portugal."

in Serafim Ferreira – A Arte em Portugal no séc.XX: A Terceira Geração. Lisboa: Livraria Bertrand.



Colaborou em diversos jornais e revistas literárias, como Vértice, Seara Nova, Diário de Coimbra, O Comércio do Porto, Jornal de Notícias, Diário de Lisboa e Colóquio/Letras.

Em Lisboa, participa na II Exposição de Artes Plásticas da Fundação Calouste Gulbenkian (1961). A sua obra escultórica sofre, na época, uma importante reformulação. Nas novas experiências não figurativas percebe-se uma dupla tensão, traduzida no diálogo entre forma cheia e forma oca, entre a linha (as hastes de ferro, por exemplo, nas duas obras Sem Título que pertencem à colecção do CAMJAP, datadas de meados dos anos 60) e os volumes aliviados do seu carácter sólido ou tridimensional, em obras de feição biomórfica ou antropomórfica.
Deixou então de trabalhar as massas compactas. Prefere a irrupção expressiva da forma vertical no espaço, a interacção daquela com este último, deixando-o penetrar na matéria, ora sublimada na cor, ora reforçada na sua presença crua (através de texturas, contrastes, marcas de fabricação...). Mais tarde, a tensão parece pender para um entendimento da escultura como jogo de formas geométricas elementares. E aqui também, desde os anos 60 e 70, a obra escultórica de Aureliano traduz-se no modo inovador com que o artista trabalha a linguagem contemporânea do ferro pintado e do plástico.

A escultura reduz-se então a um sinal abstracto, que interrompe a continuidade do espaço físico (por exemplo, na série de esculturas policromadas dos anos 70 e 80). Nestas obras, o contraste entre cheio e vazio, a redução da escultura a uma estrutura rigorosa de planos, rectas e círculos pintados de cor uniforme, aproxima-se de uma interrogação acerca do valor sinalético e óptico da escultura, muito rara em Portugal.


Entre 1965 e 1967 foi bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian, em Paris, onde frequentou como escultor os «Ateliers Szabo».
Tem obras de escultura e pintura em diversos museus, praças públicas e colecções particulares. Entre elas, destaque para três esculturas: “Homenagem”, uma peça em bronze com 2,10m de altura, no interior da Biblioteca Municipal de Vila Nova de Gaia, “O Grito”, monumento em Nelas com 4,30m, e o monumento a Fernando Pessoa, na Vila da Feira, com 5 metros de altura.Das suas mãos saíram também diversos bustos: Miguel Torga, Afonso Duarte, Paulo Quintela, Antero de Quental, Camilo Castelo Branco, Nietzsche, Beethoven, Eduardo Lourenço e Mário Braga, entre vários outros.

O Grito, monumento em Nelas


Na poesia é autor de vários livros: “Rio Subjacente” (Prémio Galaica de poesia, 1961), Porto 1963, “Os Círculos e os Sinais”, ed. do Autor, Porto 1974, “Tempo de Dentro-Fora”, ed. do Autor, Porto 1974, “O Homem Cinzento ou a Alquimia dos Números”, ed. do Autor, Porto 1975, com prefácio de Fernando Guimarães, “Cântico e Eucalipto”, Brasília Editora, Porto 1979, “Espelhos Paralelos”, Brasília Editora, Porto 1983, “O Leito e a Casa”, Brasília Editora, Porto 1986, “O Dr. De Vila Seca”, Col. Leopardo Azul, Porto 1990.


Enquanto poeta, Aureliano Lima viria a publicar uma primeira recolha de poesia em 1963 (Rio Subjacente, “Prémio Galaica”), no mesmo ano em que realiza a sua primeira exposição individual (Porto, Galeria Álvarez). Ao longo das décadas seguintes, participa em algumas importantes exposições nacionais de arte (III Salão Nacional de Arte, Lisboa e Porto, 1968; Exposição de Artistas Contemporâneos seleccionados pela AICA, 1972; 3.ª Bienal de Arte de Vila Nova de Cerveira, 1984...) e executa também alguns projectos de medalhística.

Em 1983, é inaugurado em Vila da Feira um grande monumento dedicado ao poeta Fernando Pessoa. A escultura, de grandes dimensões (cinco metros de altura), em bronze, traduz o modo como Aureliano Lima sentia a criação plástica: como concentração energética, como síntese da forma, redução desta a uma sequência de planos fragmentados, numa gramática expressiva que iria assumir noutro projecto monumental, O Grito (Nelas, 1982-1983).

Depois do seu falecimento, em Dezembro de 1984, o Museu Municipal passou a integrar no seu acervo, através de Maria Helena Barata Lima, viúva daquele ilustre escultor, um conjunto de dezasseis peças escultóricas, cuja doação, em 1990, viria a ser concretizada como um gesto de carinho e amor à terra que o viu nascer. Salientam-se nesta colecção, produções artísticas em ferro recuperado e policromado que se inserem numa linguagem de tendência geométrica e abstracta de que foi um dos precursores, bem como esculturas em pedra, gesso, bronze e em madeira que poderá apreciar.


As esculturas em Ferro dos anos 50/60 marcam o encontro de Aureliano com as construções metálicas de Julio González e Picasso. A criação de Aureliano lançou-o num jogo tridimensional de hastes metálicas soldadas em linha que, sugerindo a presença de volume, estabelecem, na sua transparência, uma relação simbólica entre a estrutura e a superfície espacial abstracta onde se inserem. Resultam ferros mergulhados no pensamento do homem, do artista, que procura e encontra.
Importante pelos novos caminhos explorados, sobretudo no contexto da arte portuguesa dos anos 60 e 70, a sua obra escultórica permaneceria relativamente desconhecida. As dificuldades pessoais na afirmação de uma carreira artística, a escassez de recursos, a relativa discrição do seu trajecto criativo, contribuíram para escamotear o sentido de uma criatividade marcada pela experimentação plástica e pela irreverência perante os modelos estéticos tradicionais. Autodidacta por circunstâncias da vida, era também, por temperamento, um anti-académico para quem a escultura não podia confinar-se a um programa ilustrativo ou apologético, porque era, acima de tudo, uma presença autónoma no mundo.


Aureliano, ainda nos anos 60 e 70, trabalha uma série de esculturas em pedra, mármore e madeira. Nestas obras sente-se a leitura, o estudo, de Constantin Brancusi, de Henry Moore, que Aureliano explora nas propriedades naturais dos materiais que, assumindo uma simplificação, se mostram despojados da raiz germinal. Assim, a natureza polida revela-se pura abstracção revestida dum valor que só se desvela no íntimo da contemplação da obra de arte.


A obra de Aureliano Lima é marcada pelo construtivismo abstracto.O seu espiríto criador expressou-se na escultura nos mais diversos materiais (gesso, bronze, madeira, mármore, pedra, ferro policromado, ferro recuperado), bem como na sua pintura marcadamente abstracta e com traços claros de um minimalismo de contemporaneidade.


Aureliano Lima merece a nossa atenção e admiração pela novidade da sua arte que rasgou as apatias da arte figurativa do seu tempo.

domingo, agosto 03, 2008

Manuel Pereira da Silva, a imagem e a poética do ser humano

A obra de Manuel Pereira da Silva é fruto de 60 anos de processo contínuo, que resultou em uma linguagem artística perfeitamente adequada à sua expressão plástica. Para perceber sua poética é necessário compreender, ao mesmo tempo, as imbricações da concepção estética, a criatividade da imagética e o percurso de sua produção, manifestadas em meios expressivos diferenciados e em variações técnicas que nos auxiliam, inclusive, na compreensão da arte contemporânea.

Com um percurso que se inicia ainda na década de 1940, Manuel Pereira da Silva se revela e nos desvenda seus caminhos, através do desenho, da pintura, de aguarelas e guaches, painéis e murais; utilizando além do suporte tradicional, outros como a madeira, a cerâmica e, essencialmente, da escultura, potencializada a pedra de ançã e o bronze. Mas, a produção estético-artística que avalia sua poética é aquela do desenho, em que deve ser considerado um dos mais significativos artistas da actualidade, e o da pintura, na qual se encontra seu estrato estilístico e onde se pode aferir sua excepcional qualidade de poeta da imagem.

Este escrito não pretende analisar a extensa produção de Manuel Pereira da Silva, procurará, isto sim, ressaltar alguns aspectos que possam caracterizá-lo como artista de seu tempo. Para melhor definir o processo, podemos nos valer de um outro aspecto, em incursão ao seu vocabulário artístico, o do estranhamento. São centenas e centenas de pinturas e desenhos: retratos e alegorias, cenas surreais e registros históricos, em que predomina a figura humana – a mais das vezes a feminina –, transformadas em seres fantásticos que povoam seus sonhos e que nos sobressaltam. Para penetrar esse mundo, concluímos que um critério é necessário, o de reunir o conjunto em núcleos expressivo-simbólicos e através de algum parâmetro, que pode ser o temático, propor analogias entre o real e o emblemático; ou ainda através do procedimento técnico, para perceber sua visão particular de mundo, que se transmuta em relação expressiva entre o ‘motivo’ e o artista.

O desenho em Manuel Pereira da Silva


Para o saber da obra de Manuel Pereira da Silva é imprescindível iniciar pela apreciação de sua obra gráfica, em especial o desenho, que engloba conjunto riquíssimo de sua imagética. Parece que ele se deleita em sua criação. Mesmo os esboços – a grande maioria não possui esse carácter – têm autonomia, reflectem miríades de possibilidades de seu vocabulário estético e servem como base para pinturas ou esculturas, pois têm valor próprio, na galeria de valores que o artista elege como parti pris de sua actividade. Porém, é justo registrar que, seu contínuo exercitar provê a necessária praxis – entendida aqui como a actividade que transforma os meios ou a produção – para a pintura, e é realimentado por ela.




1957, Grafite sobre cartolina.

Manuel Pereira da Silva sempre teve uma queda natural para o desenho, somando proporções geométricas e áureas, matemática e perspectivas. O desenho da figura humana, especialmente a feminina, em suas prolongadas linhas, à maneira art déco, revela uma síntese perfeita entre a sensibilidade e o apuro milimétrico na construção espacial. Ele sabe como ninguém usar o papel como suporte, como base de sua expressão, aliando a isto o completo domínio da técnica e das ferramentas que utiliza. Com apenas alguns traços constrói figuras, mundos peculiares. Cada instrumento é como se fora parte de seu corpo, uma extensão de sua mão e de sua sensibilidade.




A linha é referência para o entendimento do desenho em Manuel Pereira da Silva. Sabe cria-las puras, simples, sem requintes, nem desperdícios analíticos, cheias de substância, graves. A linha grande imóvel que é da essência da plástica no plano, e o primeiro segredo do seu dinamismo. Manuel Pereira da Silva possui esse poder de simplificação dos traços e de sintetização das formas. Domina com facilidade os elementos formal-construtivos: simetria estilística, harmonia poética, equilíbrio estético, onde o branco do papel é parte da arquitectura imaginária.
Em seu fazer o artista trabalha com aguadas, bico-de-pena, esponja-do-mar, bastonetes e os mais variados procedimentos técnicos para nos brindar com sua criatividade vigorosa. Sua obra emerge em linhas concisas, rápidas, densas, finas; contínuas, de ritmos silenciosos e formas universais, num desenho sempre espontâneo, no entanto bem elaborado, que exprime sua concepção de arte e de beleza. Aspira à concisão de meios na procura única e exclusivamente da uma proposta estética, valendo-se de traços espessos para a conquista de eficácia comunicativa; ou delicados, para estruturas rítmicas. Longas linhas, de traço único, transformam-se em figuras lúdicas, fantásticas, alegóricas e até anedóticas. O espaço branco é sabiamente organizado e depositário do seu/nosso inconsciente colectivo e cósmico, particular e universal. A linha, a figura, a trama colocada num ritmo de beleza e harmonia se fundem, tornando difícil a interrupção da leitura de um desenho para passar ao seguinte! Em todas as mostras que Manuel Pereira da Silva realizou lá esteve sempre uma parcela de sua obra gráfica, como a dizer, sem o desenho o artista não poderia existir.





1981, Esferográfica sobre cartolina.



A obra pictórica de Manuel Pereira da Silva

Para entrar no mundo pictural de Manuel Pereira da Silva, adoptamos um critério abrangente que inclui núcleos simbólico-expressivos, formais, conceptuais, procedimentos técnico-poéticos. A leitura da obra de Manuel Pereira da Silva exige liberdades múltiplas e uma análise estética livre de comprometimentos, nas quais se deve considerar a realidade perceptiva e transformacional da pintura pela própria acção da arte. A necessidade de se descobrir ou dar sentido a uma obra de arte é uma exigência de entendimento da própria expressão estética e uma forma de introduzir ao público o mundo particular do artista. Hoje, os critérios de apreciação estética, bastante abrangentes, voltam-se mais para a fruição da obra. Segundo Donald Meltzer (The Aprehension of Beauty, 1989), a apreciação de uma obra de arte, o reconhecimento de seu valor estético, deve passar também pela emoção. E, francamente, não é possível uma análise da obra de Manuel Pereira da Silva sem o enfoque emocional.
Apesar da sua formação clássica, Manuel Pereira da Silva, influenciado pelas novas correntes que irromperam em Paris de forma um tanto irreverente, que mais se acentuaram após o termino da guerra de 1939/45, também tentou substituir a riqueza de linhas, de feição tradicional, baseada na perfeição da anatomia humana, por uma geometria de linhas, procurando, de certo modo, assimilar a doutrina revolucionária de Georges Braque e de Pablo Picasso imposta a partir da primeira década do século XX. Mas, sua obra tem princípio e se representa através de um rico mundo interior, de uma imaginária excepcional e representativa de um intelecto febril, sempre de prontidão, em busca de novas imagens e significados. A poética de Manuel Pereira da Silva é alimentada por esse universo e pela praxis do fazer artístico, que se auto-revigoram. Sua realidade perceptiva transforma matéria, cores e formas resgatando cada ideia e articulando-a com outras para a metamorfose final.




Alguns dos colegas de Manuel Pereira da Silva foram figuras que enriqueceram de forma substancial a Arte Portuguesa: Arlindo Rocha, Júlio Resende, Nadir Afonso, Eduardo Tavares, Fernando Fernandes, Aureliano Lima, Reis Teixeira, Fernando Lanhas, Jorge Vieira, António Sampaio, Guilherme Camarinha, entre outros. Uma boa parte deles fizeram parte do "Grupo dos Independentes" que segundo o pintor Júlio Resende "Entre camaradas gerava-se um movimento de inconformismo face à passividade do burgo. Foi no sentido de contrariar esta situação que entre nós cresceu a ideia de formação do «Grupo dos Independentes». «Independentes» quanto aos posicionamentos estilísticos."
"As Exposições Independentes" do Porto marcam um momento histórico significativo da nossa Pintura. Primeiro, porque reúnem pintores de formação diferente (a razão de ser da palavra "independente" vem da não filiação num "ismo" particular), empenhados numa igual acção colectiva e mergulhados no mesmo entusiasmo".
Egídio Álvaro – Fernando Lanhas na origem da pintura abstracta em Portugal, as "Exposições Independentes".
in Museu de Serralves – Fernando Lanhas. Porto, Edições Asa.


Na obra do escultor Manuel Pereira da Silva reconhecem-se duas orientações, distintas nos respectivos propósitos estéticos: as peças concebidas em conformidade com a tradição académica do século XIX europeu, em geral respondendo a encomendas, e aquelas que, conservando de uma forma essencial a figura humana como referente, se afastam da sua representação naturalista, antes obedecendo a critérios formais de sentido abstracto, exercitando uma das vias pelas quais o modernismo acedeu à abstracção pura, entendida esta como a criação de formas nas quais não se evidencia, ou não existe de facto, referente figurativo.


São dois géneros de expressão autónomos na formulação das respectivas linguagens, numa dualidade assumida como a resposta (necessária e possível), quer às solicitações ideais do artista, quer à sua percepção das expectativas dos clientes que lhe foram surgindo. Esta dualidade percorre, como vias que se cruzam, toda a produção de Manuel Pereira da Silva o qual, sem subalternizar a execução de encomendas de expressão plástica mais tradicional, sempre se manteve, em alternância, fiel praticante da ideia de criar uma escultura mais original e mais de acordo com um permanente desejo de modernidade, experimentação e descoberta, numa atitude que o próprio escultor afirmou de ser de "inquietação e fuga à repetição".

1959, Gesso sobre estrutura de alumínio.


Assiste-se de facto, a uma alternância entre dois critérios estéticos, significante da persistência de um conflito, vivido na aceitação humilde dos limites de uma situação social e cultural concreta – e isto ajusta-se bem à personalidade de Manuel Pereira da Silva, sempre procurando equilibrar, ou mesmo compensar, Realismo e Idealismo, entendidos, de forma muito chã, quer como condimentos da sensatez com que a assunção das contingências da vida deve ser temperada, quer como manifestações superiores de uma polaridade dinamizadora do próprio empreendimento artístico, enquanto fenómeno enraizado na vida, como uma totalidade e expressão síntese dela mesma.
Realismo e Idealismo são os pólos complementares omnipresentes na atitude profunda de Manuel Pereira da Silva e, assim, responsáveis também, em simultâneo com factores de conjuntura histórica, pelas expressões plásticas recorrentes na sua produção.
De facto, se as esculturas de Manuel Pereira da Silva mais conformes a tradição, concretizaram, em geral, funções previamente definidas no contexto do relacionamento do artista com os seus clientes e tiveram uma versão definitiva com destino público, já foram poucas, infelizmente, as oportunidades para converter à perenidade dos materiais resistentes e à colocação em espaços apropriados, as formas "abstraccionistas" que criou, apesar de, a maioria delas, serem possuidoras de um carácter de monumentalidade que não deixa dúvidas sobre a ambição que as anima: serem ampliadas para as dimensões convenientes, vazadas nos materiais adequados e colocadas em grandes espaços públicos.
Carga simbólica que merecesse a atenção de eventuais promotores do enriquecimento do património artístico público, não falta a essas composições escultóricas, quase sempre inspiradas no grupo Homem / Mulher – mas felizmente isentas do panfletaríssimo que as tornaria maçadoramente piegas ou moralistas – e seriam, do ponto de vista do significado explícito ou sugerido, mais do que pertinentes num contexto de apelo à solidariedade e à fraternidade.
As primeiras esculturas modernistas de Manuel Pereira da Silva surgiram nos anos pioneiros do abstraccionismo escultórico em Portugal, reconhecidamente protagonizado, a partir do final dos anos 40, no Porto, por Arlindo Rocha, Fernando Fernandes e ainda, alguns anos depois, por Aureliano Lima, a partir da sua mudança de residência para esta cidade. Estes factos conferem, à produção abstracta de Manuel Pereira da Silva, realizada, até com óbvia analogia estilística, no mesmo período e em situação de convívio com os referidos escultores, inquestionável enquadramento geracional, que importa reconhecer.
Arlindo Rocha e Manuel Pereira da Silva foram colegas de curso na Escola de Belas Artes do Porto e até esporadicamente companheiros no atelier do escultor Henrique Moreira, aos Guindais, como o regista a fotografia publicada na Pereira da Silva Art Gallery da responsabilidade do então muito popular repórter fotográfico de "O Primeiro de Janeiro", António Silva.


Quanto a Fernando Fernandes, também da mesma geração académica, ele foi além de colega de curso, companheiro de Manuel Pereira da Silva na aventurosa estadia em Paris em 1947 e 1948, juntamente com o Pintor Júlio Resende e o Escultor Eduardo Tavares que veio a ser utente do atelier de Manuel Pereira da Silva na Rua da Restauração, o que igualmente se verificou, mais tarde, com o Escultor Aureliano Lima e o Pintor Reis Teixeira.




Pintor Reis Teixeira, busto da autoria de Manuel Pereira da Silva.
Este convívio funda-se numa identidade de interesses e preferências artísticas, expressos na comum participação em exposições colectivas e na, por vezes óbvia e frequente, analogia formal das respectivas obras.
Assim, portanto, aos nomes de Arlindo Rocha, Fernando Fernandes e Aureliano Lima, habitualmente citados como introdutores, em Portugal, do abstraccionismo escultórico, terá que se acrescentar o nome de Manuel Pereira da Silva.
Essas esculturas de pendor abstraccionista, mas que dificilmente se despegavam dos referentes iconográficos, podem hoje parecer-nos timidamente inovadoras e pouco ou nada "atrevidas". Elas testemunham, no entanto, o esforço de vanguardistas que contaminou, de vários modos, e sobretudo no período imediatamente subsequente ao fim da II Guerra Mundial, a produção de um restrito número de artistas, empenhados na modernização da expressão artística. Ora Manuel Pereira da Silva pertence, efectivamente, a esse pequeno núcleo de renovadores.
De facto no período imediatamente subsequente à II Guerra Mundial, precisamente aquele em que teve início a actividade profissional de Manuel Pereira da Silva, verificaram-se alterações, importantes, no universo das polémicas artísticas, nomeadamente nos dois maiores centros urbanos portugueses: à querela "clássicos e modernos", acrescentou-se o debate entre os adeptos da modernidade – neo-realistas, surrealistas e abstraccionistas – mas foi quase sempre no recato dos atelier que alguns, pouquíssimos, escultores inquietos, ensaiaram novos caminhos para a sua Arte, em produções que esparsamente vieram a público, e que este, para lá de uma reduzida elite, longamente ignorou.
Humildemente dividido entre um sonho sem limites e as realizações confinadas às dimensões de uma clientela esparsa, modesta de recursos materiais e pouco sedenta de novidades estéticas ao que ainda hoje não manifesta vocação. Manuel Pereira da Silva prosseguiu, sem desfalecimento, confinado na possibilidade de preservar a sua energia criativa mais independente, libertando-a em criações abstractas que conheceram a luz do dia, alternadamente com a realização de encomendas, obedientes estas a padrões estéticos mais convencionais.
Durante os dois anos que esteve em Paris que vivia então um período de renovação espiritual e artística que se espalhou por todo o mundo, Manuel Pereira da Silva conseguiu assimilar de certo modo as técnicas revolucionárias de Picasso, Salvador Dali e Miró. Nesta altura, descobre, também, os grandes mestres do Louvre.


Retratos

A galeria de retratos, e são muitos, denota o fascínio que a mulher exerce no imaginário do artista. Muito do seu vocabulário estético envolve, como já me referi, a figura feminina, tratada nos seus mais variados aspectos, como a mulher-matriarca, a mulher-guerreira, a mulher-ideal, a mulher-desejo, todas detentoras de um poder que ultrapassa a sua própria percepção e representação de mundo. O simbolismo desta Figura é mostrado claramente em seu tratamento formal – sempre uma figura de destaque, seja solitária ocupando quase todo espaço pictural, a madona, ou acompanhada de uma figura masculina em menor dimensão que lhe dá ainda maior vulto, a matriarca; ou com elementos composicionais que valorizam sua forma e conteúdo, mulher ideal, ou arquitecturalmente construída um pouco à maneira renascentista; ou através de um cromatismo denso, com formas arredondadas e traços alongados e deformados, juntados a códigos de bem e mal, para evidenciar sua poética da mulher-desejo; ou na série de pinturas sobre santas guerreiras. Todas elas guardam um olhar perdido, que se desvia, a maioria das vezes, de seu interlocutor, é a fórmula de estranhamento que transforma sua imagem e sua poiesis.


Baixos-relevos, esculturas e frescos: a valorização do ser humano
Artista de seu tempo, Manuel Pereira da Silva não se furta a colocar sua arte a serviço da comunidade. Esculpe diversos baixos-relevos para instituições governamentais e particulares e executa, não só na cidade do Porto, para o Coliseu, Teatro Rivoli e Palácio da Justiça, mas também para outras cidades como Viana do Castelo, Luanda, em Angola, e Bolama, na Guiné-Bissau.






O Palácio da Justiça do Porto foi inaugurado em 20 de Outubro de 1961. Possui uma valiosíssima decoração artística, quer interior quer exterior, confiada a alguns dos melhores Pintores e Escultores Portugueses, num total de vinte e três, que executaram cinquenta baixos-relevos, pinturas a fresco e tapeçarias. Estas obras de arte contemporânea da mais variada concepção integram-se num pensamento comum de representação plástica: a Força do Direito como razão profunda da realidade nacional. O baixo-relevo em granito do escultor Manuel Pereira da Silva, na sala de audiências do 3ºJuízo, faz-nos remontar às origens da nacionalidade e mostra-nos o Bispo do Porto, D. Pedro Pitões, no terreiro da Sé, exortando os cruzados a ajudar D. Afonso Henriques na tomada de Lisboa. Participarão na decoração do edifício, além de Manuel Pereira da Silva, os escultores Euclides Vaz, Leopoldo de Almeida, Sousa Caldas, Salvador Barata Feyo, Lagoa Henriques, Gustavo Bastos, Irene Vilar, Maria Alice da Costa Pereira, Henrique Moreira, Eduardo Tavares, Arlindo Rocha e os pintores, Martins da Costa, Coelho de Figueiredo, Severo Portela, Amândio Silva, Martins Barata, Dordio Gomes, Guilherme Camarinha, Isolino Vaz, Augusto Gomes, Júlio Resende e Sousa Felgueiras. No baixo-relevo para o Palácio da Justiça do Porto, Manuel Pereira da Silva é o artista de concepção mais moderna de todos os que colaboraram em obras de escultura. Numa simplicidade de linhas, D. Pedro de Pitões apresenta-se rodeado de algumas figuras de Cruzados que procuravam ir para terras do Oriente combater os infiéis. Há uma abundância geométrica, quer nas vestes episcopais, quer nas armaduras dos guerreiros. Mas compreende-se o porquê deste seu anseio. Espírito em formação criativa, ele queria uma pista de identificação artística que fosse o seu próprio sinete.





"África" Cerâmica Policromada, Manuel Pereira da Silva realizou este baixo-relevo, em faiança policromada, destinado à decoração da fachada de um edifício situado na marginal da Baía de Luanda, Angola. Para o efeito Manuel Pereira da Silva improvisou atelier numa arrecadação industrial desocupada, nos arredores do Porto. Tal com no baixo-relevo do Palácio de Justiça idêntico tratamento teve o baixo-relevo executando para Angola em que há uma abundância geométrica. As figuras dos gentios, a flora e os animais espalham-se pelo imenso trabalho numa concepção moderna que Manuel Pereira da Silva procurava impor às suas obras.



“A Paixão de Cristo” Frescos da Capela Mor da Igreja de Stª Luzia, Viana do Castelo. A Capela-mor em círculo e a cúpula esférica foram povoadas de figuras ligadas à Paixão de Cristo, sendo o friso da base segmentado em quadros alusivos ao drama da Paixão, num colorido suave e de linhas modernas que se identificavam plenamente com o dramatismo comovente da tragédia do calvário, sendo a cúpula, mais de carácter espiritual, preenchida com a figura de Cristo em ascensão gloriosa, rodeado de anjos que empunham flautas, numa concepção perfeita e de rara espiritualidade.



Estátua a Ulysses Grant, vencedora do concurso público lançado para o efeito, pelo Ministério do Ultramar, erigida frente ao edifício dos Paços do Concelho de Bolama, na Guiné-Bissau. Ulysses Grant foi um general e estadista americano, nascido em 1822 e falecido em 1885. Andou na Guerra do México, em 1847, e participou activamente na Guerra da Secessão, lutando ao lado dos Nortistas, tendo dado o golpe de misericórdia aos Sulistas em 1865. Candidato a Presidente dos Estados Unidos, venceu por maioria esmagadora, tendo governado de 1868 a 1876, como 18ºPresidente. De 1877 a 1880 fez uma viagem triunfal em volta do mundo, onde foi sempre calorosamente recebido. Pois foi este famoso estadista que defendeu abertamente a posse da Guiné para Portugal. Em memória de alguém que, sendo grande, soube advogar com generosidade uma causa justa, o Governo Português encomendou a Manuel Pereira da Silva a respectiva estátua que, não obstante os ventos revolucionários da independência guineense, ainda se encontra no mesmo lugar.


À guisa de conclusão


Para se falar da arte de Manuel Pereira da Silva, este escrito não seria suficiente. Estas são nada mais do que algumas pinceladas sobre seu trabalho. Manuel Pereira da Silva elabora um panteão rico de elementos humanos – a paisagem não lhe interessa de perto, são quase um detalhe em sua obra, com uma poética pessoal, expressa de forma puramente pictórica, vazada nos moldes de um conceito e linguagem próprios. Penetra em profundidade na essência de seu objecto de interesse: composições com belos ritmos de linha, formas e cores. Construção lógica do espaço expressa, inclusive, por elementos abstractos. Sentimento poderoso da natureza sensorial do instante e da hora. A obra de arte é na sua essência um instrumento para a criação, que deve ser usufruída não só pelo artista, mas também pelo espectador. Manuel Pereira da Silva demonstra que isto é completamente possível, através de uma caligrafia própria, na qual empenha seu conhecimento e imaginação. Cria um mundo onde pode e nos faz poder viajar para além das fronteiras de nosso intelecto e de nossos sentimentos, deixando livres nossa compreensão e percepção. Há em sua obra uma continuidade admirável de pesquisa, que evidencia o crescimento de uma personalidade autêntica, que não se preocupa em acompanhar o gosto do momento, se para isto tiver que abrir mão de sua poética fantástica. A obra de Manuel Pereira da Silva tem uma orientação formal abstracta inspirada na figura humana, em particular o homem e a mulher.