Fernando Resende da Silva Magalhães Lanhas nasceu na freguesia da Vitória, na cidade do Porto, em 16 de Setembro de 1923, fruto do segundo casamento de Luís da Cunha Magalhães Lanhas, comerciante de tecidos, com Maria Amélia Resende da Silva Magalhães Lanhas, modista. Residiu no n º 74 na Rua José Falcão até à morte dos pais.
Desde criança que se inquietou com as origens do Homem e com o conhecimento do Universo, temas que motivaram os primeiros trabalhos artísticos e as primeiras pesquisas científicas.
Este homem, para quem a arte é, antes de mais, conhecimento do mundo, irá desenvolver, ao longo da sua carreira, uma concepção original da pintura, como cálculo racional, reflexão ascética, equilíbrio traduzido na ordem geométrica.
É um homem de múltiplos interesses. Arquitecto de formação, é igualmente pintor, desenhador, poeta, arqueólogo, astrónomo e coleccionar por vocação.
No ano lectivo de 1941-1942 inscreveu-se no Curso Especial de Arquitectura, da Escola de Belas Artes do Porto, depois do qual se matriculou, no ano de 1945, no Curso Superior de Arquitectura, na mesma instituição de ensino.
Para a escola, leva uma curiosidade rara pelas disciplinas de astronomia, geofísica e arqueologia, mas igualmente pela pintura, que pratica, primeiro, em obras de teor figurativo (Meninas e Barco ou Praia do Castelo, 1943...), pouco depois, enveredando por uma pesquisa sobre a forma geométrica, que expõe, pela primeira vez, em 1945, na III Exposição Independente (Lisboa). A obra apresentada – 0.2-43-44 ou O Violino, hoje na colecção do Centro de Arte Moderna José Azeredo Perdigão – constitui então o manifesto isolado de um entendimento da arte que diferencia Lanhas dos seus companheiros de geração, no panorama artístico português da década de 40, galvanizado com a afirmação do Neo-Realismo, como corrente plástica e projecto revolucionário.
Terminou estes estudos em 1947 com a apresentação de um projecto sobre a construção de um museu, que lhe valeu a classificação de dezanove valores.
Nos anos passados na ESBAP mostrou-se um aluno atento e empenhado. Nesta instituição dirigiu o Grupo de Estudantes de Belas Artes. Teve por colegas Nadir Afonso, Manuel Pereira da Silva e Júlio Pomar, com quem conversava sobre Arte. Começou a pintar quadros figurativos, que rapidamente se transformaram em obras abstractas. Envolveu-se na organização das Exposições Independentes dos Alunos da ESBAP, em 1944, e colaborou na página "Arte" do jornal diário do Porto, "A Tarde", em 1945. Pouco depois viajou até Paris, onde visitou e desfrutou de importantes certames de Arte, como o Sallon des Réalités Nouvelles, em 1947.
Entre 1948 e 1951 publicou desenhos na Portucale, Revista de Cultura Literária, Científica e Artística, e participou em várias exposições. Em 1951 entrou no concurso para professor do Ensino Técnico Profissional e realizou provas para obtenção do Diploma de Arquitecto. Nesse ano, em colaboração com os arquitectos Viana de Lima, Arménio Losa e Cassiano Barbosa, organizou uma exposição de Arquitectura, impulsionada pela Organização dos Arquitectos Modernos, que teve lugar no Porto e, no ano seguinte, em Aveiro, e fez, ainda, o mapa do digrama da cor das obras do pintor Dominguez Alvarez.
Em 1953 casou com Maria Luísa Pereira Viana com quem teve dois filhos. Nesse ano, expôs em Lisboa, no Brasil e em Veneza, desenvolveu vários projectos arquitectónicos e começou a fazer colagens.
Em 1954 dirigiu os números 1 e 2 das Publicações de Arte Contemporânea e participou no I Salão de Arte Abstracta. Dessa data até 1958 riscou uma habitação. Em 1956 ocupou o cargo de arquitecto estagiário na Escola Superior de Belas Artes do Porto e, entre 1958 e 1962, centrou-se no projecto a "Casa do Espaço".
O Desenho na Obra de Fernando Lanhas
Na área do desdenho, insere-se na família dos grandes desenhadores modernos, aliando a capacidade de expressão ao virtuosismo da forma.
Desenho puro, em busca de um ascetismo ao qual sempre se rende, o desenho como meio, e fim em si.
Despojado de todo o acessório, o seu desenho conduz-nos através de um registo firme, mas com uma ductilidade aberta às sensibilidades mais exigentes. O fascínio leva-nos a crer que o desenho está, onde parece não existir!
As perguntas, os deslumbramentos, os sonhos e os quadros de Fernando Lanhas
Apesar de não ser considerado um pintor, é tido como um dos pioneiros da abstracção geométrica em Portugal.
Enquanto em Lisboa, predominavam o surrealismo e o neo-realismo, Fernando Lanhas indiferente a esses “ismos” foi, sem dúvida, o introdutor do abstraccionismo geométrico em Portugal. O seu percurso é profundamente ditado por uma pesquisa constante quer na composição quer na cor, desde a sua obra inicialmente intitulada “O Violino”, datado de 43/44. Posteriormente o artista optou por denominar as suas obras apenas pelo mes e ano em que foram criadas e assim a citada obra, que constitui um marco da pintura portuguesa, passou a ser conhecida por 02-43/44.
A obra 02-44 ou O Violino, exposta pela primeira vez em 1945, na III Exposição Independente, em Lisboa, e que hoje integra a colecção da CAMJAP, é um marco histórico na pintura portuguesa. Numa época em que muito artistas seguiam a corrente neo-relista, Lanhas escolheu um caminho revolucionário. A sua obra pictórica é feita de aguarelas, serigrafias, pinturas sobre seixos rolados, colagens e xilogravuras.
Austera, 0.2-43-44 é-o duplamente, por via da cor, reduzida à combinação elementar de tons térreos, e da forma, limitada ao jogo ritmado de linhas rectas oblíquas que atravessam o espaço plano. A tinta texturada atribui ao quadro valores matéricos, não sem relação com a poética dos elementos naturais e da terra, que interessam a Lanhas e que o levam, desde 1949, a experiências com pigmentos obtidos a partir de pedras moídas ou à utilização de seixos como suporte da pintura.
Em Lanhas, não são as convulsões ou os movimentos sociais, antes a natureza, os movimentos geológicos, a ordem insondável do cosmos que lhe orientam a investigação plástica. Esse caminho conduzi-lo-á à síntese da forma e da cor, num programa de grande coerência formal, a que se manterá fiel ao longo da sua carreira. Mas o trabalho deste investigador nato não se confina à especulação em torno da forma geométrica. A vocação humanista de Lanhas, a sua capacidade de trabalho revelam-se ainda num interesse plural por todas as formas de conhecimento.
Presente nas primeiras manifestações de divulgação da arte abstracta em Portugal (desde os anos 50), Lanhas foi dos poucos da sua geração (como Nadir Afonso ou Joaquim Rodrigo), a tentar uma via de exploração racional da forma geométrica, no campo da arte não-figurativa, enquadrando a sua pesquisa num corpo coerente de conceitos. É, por isso, um dos casos isolados no contexto português, pela sua compreensão da projecção geométrica como síntese universal ou modelo da harmonia cósmica, de que deriva o seu concretismo de raiz idealista ou anti-materialista.
A utopia da forma geométrica como forma ecuménica corresponderá, em Lanhas, a um programa rigoroso, traduzido na redução da pintura a uma equação de elementos visuais simples (linhas rectas, paralelas ou oblíquas, círculos, semicírculos, planos de recorte geométrico ou orgânico), na ascese da cor (cinzas, ocres, azuis-céu, brancos), no conceito serial do trabalho plástico, que o leva a substituir os títulos descritivos por abreviaturas, como no óleo 0.42-69 da colecção do CAMJAP: plano uniforme de azul pálido, combinação assimétrica e rítmica de linhas e arcos-de-círculo, numa sintaxe minimalista nos efeitos plásticos que o artista retomará nas colagens e em alguns desenhos. Note-se que o desenho é também, para Lanhas, a ocasião de uma libertação expressiva, quer dizer, nem sempre assistida por um programa de concepção racional.
Na sala central do Museu de Serralves, as últimas pinturas de Lanhas, já de 1998-2000, coexistem com vitrinas de trilobites e meteoritos. Numa parede, lê-se: «Sonhei esta noite com trilobites vivas. (…) Em certo momento vi uma trilobite grande, de cor dourada, que estava mutilada nas pleuras. Peguei na trilobite sem qualquer receio, para a ajudar. Era uma trilobite muito sossegada e meiga. As crianças até lhe faziam festas.», S322A (sonho 322), 16-17.XII.92. Dois mapas assinalam os principais meteoros e meteoritos caídos em Portugal e a trajectória de um meteoro observado em 1984.
Uma representação da «Noção da grandeza do tempo» (98-2001) e um «Mapa das ocorrências verificadas no Universo desde a explosão inicial» (63-73) expõem-se na mesma galeria. Adiante encontramos o «Estudo do quadro geral do Universo», a «Carta das distâncias entre o sol e algumas estrelas», um herbário com variações morfológicas de folhas de hera ou um aspecto da Praia da Luz tal como seria observada pelo «homo sapiens», 18 000 anos a.C. Para além dos objectos naturais que recolheu ou coleccionou, tudo são obras de F. L.: sonhos, mapas, cronologias e esquemas gráficos ou tridimensionais sobre temas de astronomia, geologia e arqueologia, por vezes realizados para museus ou enciclopédias. A evolução do cosmos, da Terra, das espécies e do Homem, as representações do tempo e do espaço, as distâncias e grandezas cósmicas dominam os interesses de um homem que não se identifica como artista e se diz «talvez meio cientista e meio filósofo.»
A sua pintura dita abstracta, reduzida a formas mínimas e a poucas cores constantes, transporta um mesmo deslumbramento e uma idêntica meditação sobre as escalas do tempo e do espaço que F. L. investiga no campo científico. Alguns quadros nascem de composições gráficas; outros, mais densos e inexplicáveis, mais metafísicos que geométricos, perseguem o movimento das forças e formas naturais, as dimensões do cosmos. Por vezes deixam adivinhar representações simbólicas: sol, árvore, pássaro.
Os sonhos são outra pista para seguir a imaginação de Lanhas: «Sonhei que sabia tudo, que alcançara o conhecimento das coisas, da razão de ser», S42, de 1973. «Sonhei toda a noite com a representação gráfica da evolução do nosso Universo. (…)», S149, 1984. «Sonhei com manchas de cor azul, castanha e cinza», S13, 1963. «Sonhei com um estudo para uma pintura. A composição teria por base a letra N, em que se observa uma inclinação da letra para o lado direito (…)», S45, 1973.
Uma obra assim é idiossincrática e única. Esta pintura, quase invariável ao longo de cinco décadas, não se cataloga como um estilo na sucessão das classificações da história da arte, mas também não se explica pelas ocorrências de uma biografia muito rica de interesses e actividades. Arquitecto, Lanhas pintou cerca de um quadro por ano, irregularmente, foi inventor (o Fotalto, o Cosmoscópio), fez descobertas arqueológicas, projectou museus e exposições, dirigiu o Museu Etnográfico e Histórico do Porto, de 1973 até 93, interessado em arte popular e brinquedos. E a cronologia do catálogo inclui outros dados como, aos cinco anos, a observação do comportamento das formigas com uma lupa ou, em 83, o projecto da recepção ao Papa na Diocese do Porto.
Tal como sucedeu na retrospectiva de 88, a abordagem de Serralves é (des)centrada na personagem Lanhas e segue-lhe os diversos rostos. Trazem-se à superfície mais alguns dos primeiros quadros, reúne-se toda a pintura recente (a década de 90 é a mais produtiva depois dos anos 60) e o catálogo traça um inédito itinerário biográfico e o inventário de exposições e bibliografia (com erros e lacunas, mas é um começo).
Esperar-se-ia um estudo psicanalítico dos sonhos, o registo das contribuições científicas, o perfil do museólogo e do etnólogo. Em vez disso, o catálogo concentra-se em exclusivo no pintor, reunindo ao estudo inicial de João Fernandes partes de anteriores ensaios de Fernando Guedes, João Pinharanda, Matos Chaves e Bernardo Pinto de Almeida que em geral ainda estão disponíveis. É um «coffee table book», coedição ASA, que prescinde da análise metódica, identificando a aparição pública dos quadros e a recepção crítica.
Fica por estudar a intervenção de Lanhas nas Exposições Independentes, que alteraram o panorama artístico no fim da 2ª Guerra, promovendo o debate sobre a abstracção a par das primeiras afirmações neo-realistas. Em 45, Lanhas colabora com J. Pomar e V. Palla na organização da página «Arte» do diário «A Tarde», do Porto (é o próprio que o refere nos catálogos de 49-50), onde os futuros surrealistas Cesariny, Vespeira e Oom também defendiam a «arte útil». Lanhas publica aí os estudos para Tambores (Velha com Lenço) e Velha Branca, que integram o conjunto de pinturas figurativas agora exposto. São obras posteriores às primeiras abstracções e dão testemunho das ambições do pintor e do debate sobre as implicações sociais da arte, o qual está representado em O Artista Abstracto (mostrado apenas em fotografia). Segue-se Catarina (A Fealdade Magnífica), de 46; em 47 Lanhas visita Paris e retorna ao abstraccionismo.
A situação é tanto mais curiosa quanto Lanhas, em sucessivas declarações, atribuiu a Júlio Pomar o estímulo para expor as abstracções de 44, para além de a anterior retrospectiva ter dado a conhecer um texto datado de 48(?) que surge como uma das suas primeiras defesas («Meridionais, nunca fomos propensos à familiaridade com o mínimo. A pintura de Lanhas faz exclusão de tudo o que lhe aparece como superficial, chega para alguns a tocar as raias da secura. Não temos o hábito da concisão. (…) Lanhas obstina-se a usar o mínimo de meios, o mínimo dos mínimos. (…) escolhe três cinzentos, às vezes menos (?), e fica-se com eles para um ror de experiências»). Depois, Lanhas prosseguirá no desenho um discurso figurativo, com os retratos e alguns temas simbólicos (Menina e mar, D23 - 1999).
Um outro tópico a aprofundar diz respeito ao facto de a obra de Lanhas ter circulado, dos anos 40 aos 60, no âmbito das iniciativas do SNI, embora surgisse também em circuitos independentes, como a Galeria de Março, de J.-A. França. Esse itinerário (representações enviadas ao estrangeiro, Salão dos Novíssimos de 59, etc) serve de desmentido à alegação que abria o catálogo dos anos 60/70 editado por Serralves, sobre os artistas que «ousaram romper com o academismo e o atraso da cultura oficial do regime político de então». A abstracção de Lanhas fazia parte dessa cultura oficial. Os velhos equívocos convenientes da cultura oposionista já não servem para nada.
Na sala central do Museu de Serralves, as últimas pinturas de Lanhas, já de 1998-2000, coexistem com vitrinas de trilobites e meteoritos. Numa parede, lê-se: «Sonhei esta noite com trilobites vivas. (…) Em certo momento vi uma trilobite grande, de cor dourada, que estava mutilada nas pleuras. Peguei na trilobite sem qualquer receio, para a ajudar. Era uma trilobite muito sossegada e meiga. As crianças até lhe faziam festas.», S322A (sonho 322), 16-17.XII.92. Dois mapas assinalam os principais meteoros e meteoritos caídos em Portugal e a trajectória de um meteoro observado em 1984.
Um outro tópico a aprofundar diz respeito ao facto de a obra de Lanhas ter circulado, dos anos 40 aos 60, no âmbito das iniciativas do SNI, embora surgisse também em circuitos independentes, como a Galeria de Março, de J.-A. França. Esse itinerário (representações enviadas ao estrangeiro, Salão dos Novíssimos de 59, etc) serve de desmentido à alegação que abria o catálogo dos anos 60/70 editado por Serralves, sobre os artistas que «ousaram romper com o academismo e o atraso da cultura oficial do regime político de então». A abstracção de Lanhas fazia parte dessa cultura oficial. Os velhos equívocos convenientes da cultura oposionista já não servem para nada.
O gosto pela Museologia, que nascera nos seus tempos de estudante, foi reavivado durante os anos 80. Projectou e executou montagens de colecções no Museu Municipal da Figueira da Foz, no Museu Monográfico de Conímbriga, no Museu Militar do Porto e na Biblioteca-Museu Municipal de Paredes. Planeou, também, o Museu de Mineralogia da Faculdade de Ciências do Porto e o Centro de Arte e Cultura Popular, em Via Nova de Famalicão.
O júri do prémio CELPA-Vieira da Silva Artes Plásticas Consagração 2002 decidiu atribuí-lo por unanimidade a Fernando Lanhas, um dos valores mais destacados da cultura portuguesa contemporânea.