terça-feira, novembro 04, 2014

Arte para os príncipes

Herdeiro da Antiguidade clássica, pela excecional importância deste período na história da arte, as suas obras constituem um modelo de perfeição estética da Renascença até aos nossos dias. São impostos os princípios de harmonia, de equilíbrio das proporções, de simetria, de justa medida. O processo de estetização já não se separa do projeto de purificação das formas, da aspiração a uma beleza idealizada e equilibrada, sinónimo de elegância e de graça. A arte não imita a natureza, ela deve sublimá-la, transfigurá-la exprimindo a beleza ideal, a perfeição harmoniosa que é a do próprio cosmos.

O humanismo da Renascença reabilita e reivindica expressamente, no fim da Idade Média surge um segundo momento que se estende até ao séc. XVIII. Constitui as premissas da modernidade estética com o aparecimento do estatuto de artista separado do de artesão, com a ideia do poder criativo de o artista-génio assinar as suas obras, com a unificação das artes particulares no conceito unitário de arte no seu sentido moderno, aplicando-se a todas as belas-artes, com obras destinadas a agradar a um público afortunado e instruído e já não simplesmente a comunicar os ensinamentos religiosos e a responder às exigências dos dignatários da Igreja. A dimensão propriamente estética da arte ganha relevo, o artista deve esforçar-se por eliminar todas as imperfeições e procurar imagens que estejam de acordo com o que há de mais belo, de mais harmonioso na natureza. Com a emancipação progressiva dos artistas relativamente às corporações, estes vão beneficiar, através dos seus contratos com os patrocinadores, de uma margem de iniciativa desconhecida até então: a aventura da autonomização do domínio artístico e estético está em marcha.

  Este momento secular é contemporâneo da vida de corte, do aparecimento da moda e dos seus jogos de elegância, dos tratados de “boas maneiras”, mas também de uma arquitetura que oferece a própria imagem do refinamento e da graça, de urbanismo de inspiração estética, de jardins que parecem quadros com esplanadas, esculturas, lagos, fontes, vastas perspetivas, destinados a encantar e a maravilhar o olhar. Não só apenas a commoditas, mas a graça das formas harmoniosas, o prazer estético, a venustas (Alberti), em cidades agradáveis, belas, “de aparência aprazível e de agradável estadia” (Francesco di Giorgio Martini). Os artistas são solicitados e convidados para as cortes europeias para criar cenários magníficos, ornamentar o interior de castelos e a planificação de parques. As igrejas, querendo seduzir e atrair os fieis, oferecem, com o período barroco, um espetáculo teatral exuberante com fachadas sobrecarregadas de esculturas, estruturas que desaparecem sob as ornamentações, efeitos de ótica, jogos de sombra e luz, baldaquinos, tabernáculos, púlpitos, custódias, cálices, cibórios abundantemente decorados: é exibida toda uma arte exuberante para criar um espetáculo grandioso, valorizar a beleza da decoração e esplendor dos ornamentos. Os monarcas, os príncipes, as classes aristocráticas lançam-se em grandes que se destinam a tornar as suas cidades e as suas residências mais admiráveis, mandam edificar castelos marcados pela elegância de estilo, constroem palácios, hotéis, villas sumptuosas, enquadrados por parques imensos cheios de estátuas e confiados aos melhores arquitetos. Remodelam cidades segundo um ponto de vista estético, criando praças compostas por edifícios alinhados de fachadas harmoniosas, ruas que oferecem grandes efeitos de perspetivas o embelezamento das cidades tornou-se um objetivo político de grande importância. Impõe-se uma “arte urbana”, uma encenação teatral da cidade e da natureza, enobrecendo o ambiente habitado e aumentando o prestígio, a magnificência, a glória de reis e príncipes.


A partir da Renascença, a arte, a beleza, os valores estéticos adquiriram um valor, uma dignidade, uma importância social novos, o que é testemunhado pelo planeamento urbano, pelas arquiteturas, jardins, mobiliário, obras de cristal e faiança, pelo nu em pintura e escultura, pelos ideais da harmonia e proporção. Gosto pela arte e vontade de estilização do enquadramento da vida que funciona como um meio de autoafirmação social, maneira de fazer marcar o estatuto e ampliar o prestígio dos mais poderosos. A estetização aristocrática, durante todo este ciclo, o intenso processo de estetização (elegância, refinamento, graça das formas) em vigor nas altas esferas da sociedade não é impulsionada por lógicas sociais, estratégias políticas da teatralização do poder, o imperativo aristocrático de representação social e o primado das competições pelo estatuto e pelo prestígio constitutivo da sociedade holística em que a importância da relação dos homens vence a da relação dos homens com as coisas.      

segunda-feira, novembro 03, 2014

Arte para os deuses

Durante milhares de anos, as artes em vigor nas sociedades ditas primitivas não foram de facto criadas com uma intenção estética e tendo em vista um consumo puramente estético, “desinteressado” e gratuito, mas com um objetivo essencialmente ritual. Nestas culturas, o que se pretende com o estilo não pode ser separado da organização religiosa, mágica, sexual e do clã. Inseridas em sistemas coletivos que lhes dão sentido, as formas estéticas não são fenómenos de funcionamento autônomo e separado: é a estruturação social e religiosa que por todo o lado pauta o jogo das formas artísticas. São sociedades em que as convenções estéticas, a organização social e religiosa estão estruturalmente ligadas e indiferenciadas. Ao traduzir a organização do cosmos, ao ilustrar os mitos exprimindo a tribo, o clã, o sexo, ritmando os momentos importantes da vida social, as máscaras, os toucados, as pinturas do rosto e do corpo, as esculturas, as danças tem primeiramente uma função e um valor ritual e religioso.

Porque a arte não tem existência separada, informa a totalidade da vida: rezar, trabalhar, trocar, combater, todas estas atividades implicam dimensões estéticas que são tudo menos fúteis ou periféricas, uma vez que são necessárias ao sucesso de diferentes operações sociais e individuais. O nascimento, a morte, os ritos de passagem, a caça, o casamento, a guerra dão lugar, em todo o lado, a um trabalho de artialização feito de danças, de cânticos, de fetiches, de adereços, de narrativas rituais estritamente diferenciados segundo a idade e o sexo. Artialização em que as formas não se destinam a ser admiradas pela sua beleza, mas a conferir poderes práticos: curar doenças, opor-se aos espíritos negativos, fazer chover, estabelecer alianças com os mortos. Muitos destes objetos rituais não são fabricados para ser conservados: deitam-nos fora, destruídos após o seu uso ou, então, repintados antes de cada cerimónia. Nada de artistas profissionais ilustres, nada de obras de arte ”desinteressadas” nem mesmo muitas vezes termos como “arte”, “estética”, “beleza”. E, no entanto, como sublinhou Mauss, “a importância do fenómeno estético em todas as sociedades que nos precederam é considerável”.


Semelhante controlo do todo coletivo sobre as formas estéticas não exclui certamente, numa ou noutra circunstância, alguma liberdade de criação ou de expressividade individual. Mas são fenómenos limitados e pontuais, assim como práticas estéticas, nestas sociedades, são basicamente exigidas pelas suas funções culturais e sociais e são acompanhadas de regras extremamente precisas. Por toda a parte, as artes são executadas no respeito de regras draconianas e fidelidade à tradição. Não se trata de inovar e de inventar novos códigos, mas obedecer aos cânones recebidos dos antepassados ou dos deuses. È uma artialização ritual, tradicional, religiosa, que marcou o mais longo período da história dos estilos: uma artialização pré-reflexiva, sem sistema de valores essencialmente artísticos, sem intenção estética específica e autónoma.

quinta-feira, outubro 30, 2014

Capitalismo artístico

Capitalismo artístico ou criativo transestético, que se caracteriza pelo peso crescente dos mercados da sensibilidade e do design process, por um trabalho sistemático de estilização dos bens e dos lugares comerciais, de integração generalizada da arte, do look e do afeto no universo consumista, ao criar uma paisagem económica mundial caótica estilizando o universo do quotidiano.

Com o capitalismo artístico combina-se uma forma inédita de economia, de sociedade e de arte na História. Não há nenhuma sociedade que não se envolva, de uma maneira ou de outra, num trabalho de estilização ou de “artialização” do mundo, aquilo que singulariza uma época ou uma sociedade, ao efetuar a humanização e a socialização dos sentidos e dos gostos.


Esta dimensão antropológica e trans-histórica da atividade estética aparece sempre em formas e estruturas sociais extremamente diferentes. Para destacar o que tem de específico a estilização hipermoderna do mundo, Gilles Lipovetsky e Jean Serroy, adotaram numa ótica panorâmica, o ponto de vista a longo prazo, esquematizando ao extremo as lógicas constitutivas dos grandes modelos históricos da relação da arte com o social. A este respeito, destacam quatro grandes modelos “puros” que organizaram, ao longo da História, o processo imemorial de estilização do mundo: a artialização do ritual, a estetização aristocrática, a estetização moderna do mundo e a idade transestética.

quarta-feira, outubro 29, 2014

O Capitalismo Estético Na Era Da Globalização


Reconhecer a contribuição do capitalismo artístico, assim como os seus fracassos, é o objetivo deste livro, de Gilles Lipovetsky e Jean Serroy.

O objetivo deste livro é teórico, abre, no entanto, um espaço amplo à aproximação empírica dos factos estéticos ligados ao mercado. Em vez de se deterem numa leitura puramente conceptual ou teoricista, dedicam-se deliberadamente a apoiar as teses avançadas através das análises descritivas dos múltiplos domínios da estética hipermoderna. Na medida em que a ordem do capitalismo artístico se infiltra em todos os sectores relativos ao mundo consumista, seria necessário mostrar a coerência do conjunto do sistema e do seu funcionamento concentrando-se o mais próximo possível da diversidade das realidades criativas e imaginárias, organizacionais e individuais. Daí os cruzamentos entre macroscópico e o microscópico, o “abstrato” e o “concreto”, o teórico e o descritivo, mas também entre a longa duração e o contemporâneo.

Favorecendo apenas a rentabilidade e o reino do dinheiro, o capitalismo surge como um rolo compressor que não respeita nenhuma tradição nem venera qualquer princípio superior, seja ele ético, cultural ou ecológico. Sistema dirigido por um imperativo de lucro, não tem outro objetivo senão ele próprio, a economia liberal apresenta um aspeto niilista cujas consequências não são apenas o desemprego e a precarização do trabalho, as desigualdades sociais e os dramas humanos, mas também o desaparecimento de formas harmoniosas de vida, o desvanecimento do encanto e o prazer da vida social. Riqueza do mundo, empobrecimento da existência; triunfo do capital, liquidação das boas maneiras; grande poder da finança, proletarização dos modos de vida.


O capitalismo aparece, assim, como um sistema incompatível com uma vida estética digna desse nome, com a harmonia, com a beleza, com uma vida boa.

terça-feira, junho 10, 2014

Nª Sª da Areosa


 
Molde original em gesso da Imagem da Nª Sª da Areosa, da autoria do escultor Manuel Pereira da Silva em propriedade dos seus filhos.

Data da inauguração – 14 de Outubro de 1989

Fui contactado pelos membros da Igreja da Areosa com o intuito de saberem se o autor da imagem da Nª Sª da Areosa seria o escultor Manuel Pereira da Silva.

Confirmei que tínhamos o molde original e permite que viessem fotografar a imagem, veio uma equipa liderada pelo Padre da Igreja, e tal como menciona no website da paróquia:

“Amavelmente, os herdeiros acederam a deixarem-nos visitar e fotografar o molde original, o que fizemos em 14/02/2014. Pudemos assim constatar o excelente estado de conservação do molde, constituindo este original, uma versão de menor dimensão (cerca de um metro) da imagem que vemos todas as semanas. De acordo com o relato que obtivemos da filha do escultor, esta imagem constitui uma das poucas obras de caráter religioso deste profícuo artista.”

quinta-feira, maio 29, 2014

Quando e onde a arte se tornou acerca do novo

Jeannene Przyblyski, afirma que no período moderno e contemporâneo, em termos de ismos, há um ismo que talvez devêssemos confrontar diretamente, uma vez que, ainda assim, muitos de seus pressupostos informam a nossa compreensão da arte contemporânea hoje.

E que esse ismo é o Modernismo como um todo. A imagem do diagrama maravilhoso e terrível de Alfred H. Barr para o catálogo da exposição "Cubismo e a Arte Abstracta", em 1936, que se propôs tentar fazer sentido da confusão real, de influências e intervenções na prática artística que caracteriza o final do séc. XIX e início do século XX, e fazê-lo de tal forma que fosse conforme com a ideia progressista da história.

Isso quer dizer que a história, em termos teleológicos, significa uma coisa depois da outra, e que essas coisas conduzem, ao progresso, levam a um lugar que valoriza a melhoria e o que vem a seguir, em vez da tradição e do que tem sido conhecido.

E, nesse sentido, também valoriza a novidade e a originalidade. Assim, todas as influências e intervenções, por vezes, contrárias e concorrentes no Modernismo, na visão de Barr, se resumem a duas possibilidades em 1936. Elas são uma espécie de possibilidades tranquilizadoras, de uma maneira estranha, para pessoas que querem certezas.

Isso quer dizer que ele viu o movimento de arte para a abstração, em qualquer caso, mas uma espécie de investigação geométrica da abstração, por um lado, ou de um tipo de investigação não antropomórfica geométrica da abstração, por outro lado.

Esta é uma versão da história arrumada artificialmente. É uma versão da história que privilegia uma perspectiva particular, a Europeia, e a partir de meados do séc. XX, a produção artística e estética Americana e seus pontos de vista. E vale a pena dizer que não é uma versão da história da arte que, em geral, encaixe facilmente com os artistas. E assim, não é surpreendente que nós encontremos, de forma relativamente curta, o artista americano Ad Reinhardt, cuja produção inclui tanto a pintura abstrata, e uma prática bastante agressiva e muito interessante como uma espécie de caricaturista, ilustrador, comentador, da forma visual, sobre as circunstâncias da produção de arte moderna e recepção nos Estados Unidos e em outros lugares. Precisamente como uma réplica do diagrama de Barr, as imagens de arte moderna de Ad Reinhardt, como uma espécie de realidade indisciplinada da árvore genealógica ancestral, com suas raízes em várias categorias de produção, com Braque, Matisse e Picasso tornando-se o forte tronco a partir do qual muitos ramos e folhas podem surgir. Mas tudo isso está sobrecarregado de preconceitos do que a arte deve e não deve ser, com as intervenções de um público que é mais ou menos simpático ou questionador.

E essas são as circunstâncias do valor da originalidade e novidade, também, um artista que trabalha para além das convenções tradicionais é de esperar uma compreensão e o reforço mútuo do relacionamento com seu público ou comunidade.

Mas um artista e os movimentos artísticos que estão sempre a olhar para o que está a seguir, sempre a olhar para o futuro, podem então razoavelmente esperar encontrar, ao longo do tempo, a incerteza ou escárnio. E, certamente, Matisse foi queimado no Armory show, em 1913. E alguns dos esforços de Barr, enquanto eles podem parecer realmente achatados e homogéneos, foram também esforços para difundir esse tipo de tensão em torno da prática da arte moderna.

Bem, então o que é o artista Moderno auto-identificado faz em face da aparente contradição entre essas duas versões da originalidade?

Por um lado, a noção de pensamento avançado, de prática avançada, de estar à frente do jogo, de estar sempre à procura para a mais recente manifestação em uma grande conversa sobre as condições da arte contemporânea. E, por outro lado, a mera novidade, o mais novo ou apenas moda, nada mais do que querer o modelo de automóvel mais recente, ou fazer, ou o mais recente corte de uma roupa em uma loja.

Nesse contexto, a abstração assume um novo valor, porque a abstração não é precisamente a linguagem da publicidade e a linguagem da novidade.

A linguagem da publicidade e a linguagem da novidade de todos os dias é a linguagem de um realismo cada vez mais hiper, a linguagem dos anúncios publicitários, a linguagem de representação que irá mostrar-lhe uma garrafa de cerveja, por exemplo, e cada gota de humidade agarrados a esse frio gelo da garrafa de cerveja, para fazer você querer ainda mais.

Assim, se uma espécie de hiper-realidade é a linguagem da novidade, então torna-se abstração, em resposta, a linguagem preferida da arte avançada.

Mas não é o tipo de gosto, abstração, vale a pena dizer, é igualmente difícil de organizar como um campo visual, e, sobretudo, como uma pintura, e ele precisa ter o seu próprio tipo de força motriz e seu próprio conjunto de perguntas.

Assim, uma dessas perguntas pode ser a pergunta muito básica de como você manter uma mera novidade fora do quadro, especialmente no que se manifesta através da linguagem da representação ilusionista realista, em que cada vez que você coloca uma marca em uma tela, você cria uma relação com a figura?

Você está quase sempre à beira o reino da representação e, na verdade, é uma coisa muito difícil de fazer uma pintura puramente abstrata – uma pintura que não configura algum tipo de relação de ser alguma coisa.

E é por isso que, quando olhamos para este trabalho é, talvez, um dos exemplos mais grandiosos e notórios de modernismo de meados do século. Jackson Pollock, No. 1, 1950. Lavender Mist, ele também é chamado, dado esse título pelo crítico Clement Greenberg, que foi um grande interlocutor da obra de Jackson Pollock.

Podemos ver essas pinturas como, por um lado, uma espécie de coleção aleatória de gotas e gotas, e isso é certamente como foi muitas vezes satirizado na imprensa.

Satirizando de práticas modernistas, 'Oh, meu filho poderia fazer isso.' 'Oh, qualquer um poderia fazer isso.' 'Oh, isso parece ser algum tipo de brincadeira que está a ser jogada connosco por esses artistas modernos irritadiços e arrogantes."

Mas por outro lado, pode-se olhar para estas pinturas como precisamente registros do grande esforço que é preciso para cancelar a figuração, para negá-la dentro de uma prática de pintura.

Para que todo esse entrecruzamento de esquemas, de gotejamentos e linhas pintadas, pode ser visto como um esforço para cancelar repetidamente essas relações figura-fundo até que se tornem absolutamente indecifrável até que se tornem uma espécie de imensurável e abrangente tipo de experiência.

Assim, por um lado, pode-se ler uma pintura como, Lavender Mist, como uma rejeição, realmente com princípios e difícil das condições da pintura representacional, um esforço para se recusar absolutamente para dar ao espectador um fio de ilusionismo pelo qual ancorar-se em certeza em confronto com este campo pintado, e insistir, ao contrário, que era o irrepetível absoluto deste desempenho, em muitos aspetos, é a delimitação absoluta à mão e corpo do artista, que deu a pintar a sua autoridade como abstração.

E, por outro lado, esse tipo de relação com a novidade foi cuidadosamente gerido pelo próprio artista.

E nós vemos isso como mais aparente, na série conhecida de fotografias de Jackson Pollock que foram feitas pelo fotógrafo Hans Namuth.

Fotografias que retratam insistentemente Pollock como um solitário heróico, isolado em seu estúdio, lutando com a tela como se fosse um campo de batalha curvado sobre o chão a ser percorrido e subjugado pelo artista com os meros materiais do pincel e um balde de pintura de casa.

E, no entanto, após esta batalha, quando a pintura é elevada para a parede, um tipo maravilhoso de campo óptico de complexidade infinita permanece para a experiência do espectador.

Sim, mas esse outro lado da novidade, em mera novidade e kitsch, assombra a obra de Pollock. Assombra-lo nas caricaturas incessantes da sua prática, por uma parte da imprensa popular.

Este é mais um confronto entre o sujeito humano e os campos de Pollock pintados, não o artista sozinho em seu estúdio, a pintura em processo no chão, mas a pintura terminou, instalada na galeria e se tornar um pano de fundo para uma sessão de fotos pela revista Vogue em 1951.

Mas por que é que um artista e seu representante apresentam o seu trabalho desta forma?

Porque, por um lado, as pinturas modernistas, ou não, são objetos de luxo numa economia moderna. E levam o consumidor endinheirado a ir para as galerias de Nova Iorque, Paris, cidade do México, Pequim, ou Xangai, e sair com uma compra.

Então você tem que cultivar os telespectadores, e Pollock estava disposto a fazê-lo.

Então, isso, de certa forma, eu tenho que dar crédito ao historiador de arte TJ Clark, que me apresentou a essas fotografias, e cujo trabalho sobre Jackson Pollock eu acho realmente importante. Ele disse: “Este é o pior pesadelo do Modernismo, de uma forma", que depois de tudo isso comecei a lutar com as próprias instalações da pintura, torna-se uma espécie de mero papel de parede para a gente da moda. E ele faz o seu trabalho muito bem, nesse respeito.

Isto, por um lado, esta é uma pintura que pode atordoar o espectador perplexo em uma espécie de fúria sobre o que a arte pode ser.

' Será que a arte engloba isso? '

E, por outro lado, ele pode ser tranquilamente derrotado?

O mural de parede de papel deste modelo bonito com seu vestido arquitectónico incrível com estas cores, eis que, por ser bastante complementar ao Autumn Rhythm, de Pollock.
O que é que vai ser?

É a arte moderna mais uma forma de novidade?

Ou pode distanciar-se do mundo em que ele se deve envolver para se perpetuar em termos de carreira de artista?

Talvez não seja surpreendente que a resposta ao expressionismo abstrato como uma forma de prática modernista constituirá uma bifurcação na estrada para o Modernismo.

Isso, por um lado, alguns artistas vão-se entrincheirar nos exemplos mais extremos do trabalho abstracto, as práticas mais conceptuais que se recusam a criar objetos de alto valor em seu rastro. E, por outro lado, um grupo de artistas que irão traçar-se, por falta de um termo melhor, bem no meio deste dilema sobre o kitsch e a mercadoria, e começar a interrogar o estatuto dessas imagens tanto em termos de processo e prática, e em termos de assunto. E, provavelmente, o exemplo daquilo que primeiro vem à mente é o trabalho de Andy Warhol.

As 32 latas de sopa Campbell, de 1962, um trabalho que diz: "Bem, se a arte deve ser papel de parede, se não houver retenção na ancoragem da relação entre cultura de elite e cultura popular, então eu vou colocar esse dilema diretamente na parede. "Eu vou criar obras que não são sobre a celebração do génio criativo individual e a singularidade, mas sobre a replicação em série de formas familiares ". “Eu vou recusar, quase insistentemente, em ter esse tipo de luta de artista existencialista, personalidade heróica que fazia parte do discurso do expressionismo abstrato, e vou fantasiar que eu poderia ser apenas uma máquina." "E recuso-me a acreditar que poderia colocar um fim ao kitsch, mas, em vez disso, eu vou enfrentar os telespectadores directamente, de novo, na repetição quase infinita, quase ao ponto de dormência. Eu acho que nós podemos olhar para as latas de sopa de Warhol, como uma resposta a um mau sonho do modernismo, ou seja, a imagem de um ensaio de moda face às pinturas do expressionista abstrato heróico.

Eu também quero dar a volta e fazer uma pergunta diferente daquela imagem de, a revista Vogue, da imagem do modelo feminino na frente de expressão abstrata . Mas eu quero dizer o seguinte: certamente, um outro dilema que tem sido muito escrito sobre, em termos da retórica do expressionismo abstrato, era a urgência com que ele estava alinhado com o processo expressionista abstrato como um modo de criatividade que foi insistentemente do género masculino.

E eu acho que nós podemos ver a verdadeira tensão de género entre a fotografia Namuth de Pollock como uma espécie de criador heróico cuja prática é quase uma forma prolífica de ejacular na tela, o pincel passa a ser uma espécie de extensão do falo, e, por outro lado, a negação dos heróicos modernistas pelo posicionamento do corpo do modelo feminino em frente da pintura, o que o neutraliza como um tipo de papel de parede.

Havia outros interrogadores femininos e testes femininos da retórica abstrata expressionista, e eu acho que a esposa de Pollock, a artista Lee Krasner, foi, talvez, uma das mais iluminadas, e por vezes esquecida.

A pintura de Lee Krasner, Três em Dois, de 1956, que eu acho que é uma referencia ao expressionismo abstrato e a questão de como desconstruir figuração como uma prática de abstração, é um teste a Pollock dele próprio contra a obra do artista que ele reverenciava como uma espécie de mestre, Pablo Picasso.

E eu acho que esta referencia de Krastner a Picasso, também, de uma forma estranha, é uma desconstrução das imagens de moda, que o teste da proximidade do sexo feminino à abstração como uma espécie de destruição da sua pintura.

E assim, três em dois, é um trabalho que permite que os seus traços de figuração, os seus traços de relação com o corpo, sejam vistos e ainda não precisamente identificados. Permite à pintura existir num processo de se fazer e desfazer ao mesmo tempo.

Tornar-se abstração, e a destruição da figuração. Traça a ligação histórica da arte à grande obra inacabada de Picasso, Demoiselles d' Avignon, e em que os tons carnudos e o tipo de triangulação de pontas da composição, ao que parece, para mim, têm muito a ver com Demoiselles d'Avignon e, em vez disso, ele faz o confronto entre a representação e a ilusão, figuração e abstração , feminilidade e masculinidade , deve ser entendida como totalmente contida e renegociada uma e outra vez sobre a superfície da pintura como uma questão de processo, e não como uma questão de um circuito de olhares e desejos.


E que os circuitos de olhares e desejos é o circuito do fetichismo da mercadoria, e do desejo de novidade. E isso não é, com veemência, o que esta pintura trata.