terça-feira, novembro 04, 2014

Arte para os príncipes

Herdeiro da Antiguidade clássica, pela excecional importância deste período na história da arte, as suas obras constituem um modelo de perfeição estética da Renascença até aos nossos dias. São impostos os princípios de harmonia, de equilíbrio das proporções, de simetria, de justa medida. O processo de estetização já não se separa do projeto de purificação das formas, da aspiração a uma beleza idealizada e equilibrada, sinónimo de elegância e de graça. A arte não imita a natureza, ela deve sublimá-la, transfigurá-la exprimindo a beleza ideal, a perfeição harmoniosa que é a do próprio cosmos.

O humanismo da Renascença reabilita e reivindica expressamente, no fim da Idade Média surge um segundo momento que se estende até ao séc. XVIII. Constitui as premissas da modernidade estética com o aparecimento do estatuto de artista separado do de artesão, com a ideia do poder criativo de o artista-génio assinar as suas obras, com a unificação das artes particulares no conceito unitário de arte no seu sentido moderno, aplicando-se a todas as belas-artes, com obras destinadas a agradar a um público afortunado e instruído e já não simplesmente a comunicar os ensinamentos religiosos e a responder às exigências dos dignatários da Igreja. A dimensão propriamente estética da arte ganha relevo, o artista deve esforçar-se por eliminar todas as imperfeições e procurar imagens que estejam de acordo com o que há de mais belo, de mais harmonioso na natureza. Com a emancipação progressiva dos artistas relativamente às corporações, estes vão beneficiar, através dos seus contratos com os patrocinadores, de uma margem de iniciativa desconhecida até então: a aventura da autonomização do domínio artístico e estético está em marcha.

  Este momento secular é contemporâneo da vida de corte, do aparecimento da moda e dos seus jogos de elegância, dos tratados de “boas maneiras”, mas também de uma arquitetura que oferece a própria imagem do refinamento e da graça, de urbanismo de inspiração estética, de jardins que parecem quadros com esplanadas, esculturas, lagos, fontes, vastas perspetivas, destinados a encantar e a maravilhar o olhar. Não só apenas a commoditas, mas a graça das formas harmoniosas, o prazer estético, a venustas (Alberti), em cidades agradáveis, belas, “de aparência aprazível e de agradável estadia” (Francesco di Giorgio Martini). Os artistas são solicitados e convidados para as cortes europeias para criar cenários magníficos, ornamentar o interior de castelos e a planificação de parques. As igrejas, querendo seduzir e atrair os fieis, oferecem, com o período barroco, um espetáculo teatral exuberante com fachadas sobrecarregadas de esculturas, estruturas que desaparecem sob as ornamentações, efeitos de ótica, jogos de sombra e luz, baldaquinos, tabernáculos, púlpitos, custódias, cálices, cibórios abundantemente decorados: é exibida toda uma arte exuberante para criar um espetáculo grandioso, valorizar a beleza da decoração e esplendor dos ornamentos. Os monarcas, os príncipes, as classes aristocráticas lançam-se em grandes que se destinam a tornar as suas cidades e as suas residências mais admiráveis, mandam edificar castelos marcados pela elegância de estilo, constroem palácios, hotéis, villas sumptuosas, enquadrados por parques imensos cheios de estátuas e confiados aos melhores arquitetos. Remodelam cidades segundo um ponto de vista estético, criando praças compostas por edifícios alinhados de fachadas harmoniosas, ruas que oferecem grandes efeitos de perspetivas o embelezamento das cidades tornou-se um objetivo político de grande importância. Impõe-se uma “arte urbana”, uma encenação teatral da cidade e da natureza, enobrecendo o ambiente habitado e aumentando o prestígio, a magnificência, a glória de reis e príncipes.


A partir da Renascença, a arte, a beleza, os valores estéticos adquiriram um valor, uma dignidade, uma importância social novos, o que é testemunhado pelo planeamento urbano, pelas arquiteturas, jardins, mobiliário, obras de cristal e faiança, pelo nu em pintura e escultura, pelos ideais da harmonia e proporção. Gosto pela arte e vontade de estilização do enquadramento da vida que funciona como um meio de autoafirmação social, maneira de fazer marcar o estatuto e ampliar o prestígio dos mais poderosos. A estetização aristocrática, durante todo este ciclo, o intenso processo de estetização (elegância, refinamento, graça das formas) em vigor nas altas esferas da sociedade não é impulsionada por lógicas sociais, estratégias políticas da teatralização do poder, o imperativo aristocrático de representação social e o primado das competições pelo estatuto e pelo prestígio constitutivo da sociedade holística em que a importância da relação dos homens vence a da relação dos homens com as coisas.      

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