quarta-feira, novembro 19, 2014

Arte business

Se a idade hipermoderna do capitalismo, que é a do mundo desde há cerca de três décadas, é a da planetarização e financeirização, da desregulação e da excrescência das suas operações, também é a que está marcada por uma outra espécie de inflação a inflação estética. Não são apenas as megalópoles, os objetos, a informação, as transações financeiras que são envolvidas numa escalada hiperbólica, mas o próprio domínio estético. Eis os mundos da arte envolvidos por sua vez nas redes do híper, o capitalismo contemporâneo que incorpora em grande escala as lógicas do estilo e do sonho, da sedução e do divertimento, nos diferentes setores do universo consumista. Se há uma bolha especulativa, existe um outro tipo de bolha cujo extremo inflado não conhece, no entanto, nem crise nem crash, com a exceção notável do domínio circunscrito do mercado de arte contemporâneo, cuja bolha especulativa, como vimos, poderia explodir em diferentes momentos, vivemos o tempo do boom estético sustentado pelo capitalismo do hiperconsumo.

Com a época hipermoderna exige-se um novo período estético, uma sociedade sobre-estetizada, um império onde os sois da arte nunca se põem. Os imperativos do estilo, da beleza, do espetáculo adquiriram uma tal importância nos mercados de consumo, transformaram de tal maneira a elaboração dos objetos e dos serviços, as formas de comunicação, de distribuição e do consumo que se torna difícil não reconhecer o advento de um verdadeiro modo de produções estética que chega, agora, à maturidade. Chamamos este novo estado da economia comercial liberal: capitalismo artístico ou capitalismo criativo, transestético.

No momento da financeirização da economia e dos seus danos sociais, ecológicos e humanos, a própria ideia de um capitalismo artístico pode parecer oximórica e mesmo radicalmente chocante. Contudo, este é o rosto do novo mundo que, ao esbater as fronteiras e as antigas dicotomias, transforma a relação da economia com a arte como Warhol transformara a relação da criação artística com o mercado, defendendo uma art business. Depois da época moderna das disjunções radicais, temos a idade hipermoderna das conjunções, desregulações e hibridações, onde o capitalismo artístico constitui uma figura particularmente emblemática.

A importância das lógicas mercantis no mundo da arte não é nova, mas evidentemente, no momento da globalização, é um novo patamar que se atinge, como o testemunham particularmente o crescimento dos investimentos dos colecionadores e os aumentos vertiginosos a que chegam os preços das obras. A arte aparece cada vez mais como uma mercadoria entre outras, como um tipo de investimento do qual se espera uma alta rentabilidade. A idade romântica da arte deu lugar a um mundo no qual o preço das obras é mais importante e mediatizado do que o valor estético: é agora o preço comercial e o mercado internacional que consagram o artista e a obra de arte. Estamos no momento da “arte business” que vê triunfar as operações de especulação, de marketing e de comunicação. Se o capitalismo incorporou a dimensão estética, esta encontra-se cada vez mais canalizada ou orquestrada por mecanismos financeiros e comerciais. Donde o sentimento muitas vezes partilhado de que quanto mais o capitalismo artístico domina, menos haverá arte e mais haverá mercado.

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