sábado, março 27, 2010

Arquitecto Carlos Neves



A Importância da salvaguarda de edifícios e conjuntos de interesse Patrimonial na Cidade do Porto, que possam testemunhar as influências do Movimento Moderno e reflectir uma atitude uníssona de intervenção Urbanística e Arquitectónica.

A Rua de Ceuta é um desses exemplos e reflecte uma fase de transformação urbana ao nível de uma Arquitectura integrada. Como eixo transversal da Avenida dos Aliados, iniciado com a Rua Elísio de Melo, estabelece uma articulação com a Praça D. Filipa de Lencastre. Aqui se implantam edifícios notáveis, registando também exemplares de uma Arquitectura corrente, distante da monumentalidade, mas próxima de uma eficácia projectual.

Neste conjunto urbano podemos encontrar plasmada uma História da Arquitectura em Portugal, durante as décadas de 30 a 50, reflectindo também as diversas maneiras de pensar o Urbanismo e as Artes Plásticas. Num reduzido espaço físico, encontramos obras com um tão longínquo conceito ideológico.

A Rua de Ceuta é um exemplo de bom gosto urbanístico, ou não tivesse sido gizada no Gabinete de Urbanização do Município, então liderado (1942) pelo jovem Arménio Losa que, animado pelos ideais da arquitectura moderna, se tornaria com o tempo numa das referências da sua arte a nível nacional. Mas é, também, o exemplo acabado da falta de arrojo. E de dinheiro.

Na memória descritiva do empreendimento que deu azo à abertura daquela artéria está fundamentada a razão pela qual foi abandonado o projecto de Geovanni Muzio de prolongar a Rua de Elísio de Melo, que na altura parava na Rua do Almada, até à Praça de Guilherme Gomes Fernandes - implicava um volume avultado de expropriações - e define-se a sua directriz a partir da Praça de D. Filipa de Lencastre em direcção à Praça de Carlos Alberto. Arménio Losa e os seus colaboradores iam mais longe, ao propor que o novo arruamento deveria atravessar aquela praça em direcção ao Jardim do Carregal. Para eles, a nova Rua de Ceuta - cuja abertura só se iniciou em 1950 - justificava-se por razões "imperiosas de economia, salubridade e estética".

Que a rua foi aberta e constitui hoje em dia uma lufada de ar fresco no conturbado miolo urbano do Porto não há que ter dúvidas. O pior foi o resto em 1952, o seu prolongamento até o Carregal, passando por Carlos Alberto e cruzando a Rua de José Falcão, foi protelado por razões financeiras e, no mesmo ano, Antão de Almeida Garrett, no Plano Regulador da Cidade do Porto, fixou a Rua de Ceuta tal como hoje se apresenta. Inacabada. E assim "morreu" a ideia de Arménio Losa e do seu Gabinete, tanto mais que o Plano Auzelle (1962) confirmou o destino amputado daquela artéria, que seria rematada no topo, segundo aquele urbanista francês, com um edifício em "U". Era o abandono de um travessamento da cidade que deveria começar na Praça dos Poveiros e terminar no Carregal.

Admitiu-se, nos anos 70 do século passado, que o prolongamento da Rua de Ceuta poderia ir até Carlos Alberto ou, de forma modesta, até ao Largo do Moinho de Vento, chegando mesmo a Câmara a autorizar a construção de dois imóveis que preencheriam o gaveto com a Rua de José Falcão. Mas nada mais foi decidido quanto à continuação propriamente dita. O certo é que até Carlos Alberto já não poderá ir na medida em que para isso acontecer deveria ser demolido um dos prédios que vai ser alvo de reabilitação pela SRU - precisamente aquele onde esteve sediada a sede de campanha de Humberto Delgado, o general sem medo.

O Edifício 10 "Café Ceuta" – 1952, na Rua de Ceuta, 20-34, da autoria do Arquitecto Carlos Neves, com um tratamento de sombras, de "tendência moderna", com um sistema de quebra luzes semelhante do projecto de Arménio Losa (Edifício 9). O Edifício 15 - R. de Ceuta, 53/57 – 1954, é também da autoria de Carlos Neves.

Em comparação com outras obras de Carlos Neves, como o prédio Correia da Silva, na Praça General Humberto Delgado, em 1948, e as Habitações na Foz, em 1943, verificamos um maior gesto de modernidade nos edifícios por ele projectados para a Rua de Ceuta, também pelo facto de serem de datas posteriores, após uma assimilação de conceitos.

No primeiro caso, tal como no edifício contíguo de Passos Júnior, são condicionados pela cornija do edifício dos Paços do Concelho, e revelam um "modernismo contido sem grandes ousadias, de uma linguagem standard".

Nas habitações na Foz, com Francisco Granja, de 1943, são claras as referências ao "Português Suave". Trata-se de moradias em banda, resolvendo o gaveto numa configuração circular, com tendência para uma composição simétrica, quebrada apenas pela topografia do terreno, usando o granito no embasamento e nas molduras.

Da colaboração com o Arquitecto Carlos Neves, Manuel Pereira da Silva realiza uma decoração mural a fresco da sapataria “Branca de Neve” na Rua Santa Catarina, no Porto e duas figuras decorativas em edifícios no Jardim do Marquês de Pombal, no Porto.

ABREU, José Guilherme Ribeiro Pinto - A Escultura no Espaço Público do Porto do séc. XX. Inventário, História e Perspectivas de Interpretação. Dissertação de Mestrado. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 1998.

GRAVATO, Maria Adriana Pacheco Rodrigues – Trajecto do Risco Urbano. A Arquitectura na cidade do Porto, nas décadas de 30 a 50 do século XX, através do estudo do conjunto da Avenida do Aliados à Rua de Ceuta. Dissertação de Mestrado em História da Arte em Portugal, Arquitectura do século XX. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2004.

sexta-feira, março 26, 2010

A Arte em Portugal no Século XX (1911-1961)



Num clima de independência face ao poder ditatorial exercido pelo Regime do Estado Novo, plebiscitado através da Constituição de 1933, a Cidade do Porto, pelo seu distanciamento físico em relação à Capital, respirava alguma liberdade ideológica e artística.


De facto, essa tradição de autonomia cultural vem desde o início do século XX, tendo o Porto visto nascer personalidades verdadeiramente vanguardistas no panorama nacional.


O cenário das Artes Plásticas em Portugal era dominado pelo Secretariado da Propaganda Nacional (SPN), assumido em 1933 por António Ferro, que a partir de 1944 passou a designar-se Secretariado Nacional de Informação (SNI).


Dispensou alguma protecção aos praticantes da Arte Moderna por duas razões: a primeira, porque "a percepção de que o necessário «equilíbrio da maturidade» seria filho da saudável «audácia dos vinte anos» ", e a segunda porque "a «arte viva» muito mais facilmente se prestaria «à divulgação das coisas». Os interesses do poder estariam na base dos apoios dispensados às vanguardas. "


Para o efeito, em 1934, começou por disponibilizar gratuitamente um estúdio e uma galeria, não descriminando nenhuma "escola" ou "tendência" artística. Pretendia assim, "utilizando os vivíssimos traços da modernidade artística", simbolizar o "autoritarismo português como força dinâmica e portadora de futuro".


Os locais dedicados às Artes Plásticas no Porto nos anos 30 foram o Salão Silva Porto na Rua de Cedofeita, na Rua Passos Manuel o Ateneu Comercial do Porto e o Salão Passos Manuel, a Galeria Portugália localizada na Rua de 31 de Janeiro, o Palácio de Cristal e a Bolsa Portuense.


Em 1929, um grupo de jovens estudantes da Escola de Belas Artes, o "Grupo Mais Além", inaugura uma Exposição no Salão Silva Porto, tendo elaborado um manifesto contestando o ensino da Academia, voltando a expor em 1931 e desaparecendo depois. Dele faziam parte, entre outros, Augusto Gomes, Domingos Alvarez, Guilherme Camarinha, Ventura Porfírio, Luís Reis Teixeira, Adalberto Sampaio, Amélia Mesquita, Abel Moura, Mendes da Silva, Laura Costa e Sara Alvim Pena, tendo o encontro surgido na sequência da contestação a uma homenagem a Marques de Oliveira.


A "Primeira Grande Exposição Colonial Portuguesa" ocorreu no Porto, no Palácio de Cristal em 1934, quando o Estado Novo vivia o seu período de euforia e grande pujança, no qual assentavam as bases de um sistema conservador e repressivo. Salazar segurava com firmeza as rédeas do poder, exaltando o slogan -"Deus Pátria e Família: a trilogia da Educação Nacional". Os focos de contestação estavam fragilizados e a glorificação do sonho ultramarino do "Portugal do Minho a Timor", exortado pelo Regime, teve o seu reflexo nesta exposição, que os portuenses aplaudiram, pela sua pertinência cultural, apesar da carga propagandística.


Durante os anos 40, a natureza subjacente às encomendas públicas que foram sucedendo ao trabalho dos artistas, alterou o processo criativo nacional. O grande princípio do Regime era a "afirmação da identidade nacional", e nesse sentido, a evocação do período áureo das descobertas marítimas, para consolidação do Império Colonial Português. O palco principal dessa grande afirmação foi a "Exposição do Mundo Português", de 1940, em Lisboa.


Mais uma vez, o Porto avança com a criação de um movimento de renovação, um grupo de artistas, estudantes e professores da Escola Superior de Belas Artes do Porto, que organizaram um conjunto de exposições a partir de 1943 até 1950, o designado "Grupo dos Independentes". Expuseram nesse grupo, entre outros, Amândio Silva, António Lino, Arlindo Rocha, Fernando Lanhas, Júlio Pomar, Júlio Resende, Victor Palia, Abel Salazar, Américo Braga, António Cruz, Augusto Gomes, Guilherme Camarinha, Henrique Moreira, Nadir Afonso, Manuel Pereira da Silva e Querubim Lapa.


O que os unia era a recusa de tendências académicas, a abertura a todas as correntes, não impondo compromissos estéticos e divulgando novas tendências como o Neo-realismo, o Abstraccionismo Geométrico (figurativo ou não), e o Expressionismo, que aliás se espelham nas obras plásticas presentes nos edifícios da nossa área em estudo.


Essa independência reflecte-se, por exemplo, na obra de Júlio Resende, que partindo de uma vertente neo-realista pelas preocupações sociais manifestadas, vai metamorfoseando a tensão dramática para um lirismo expressionista.


"Havia um comungar de ideias que contrariavam um bocadinho o estado da altura. A nossa independência vinha do facto de cada um ser uma pessoa com ideias suas, próprias e pintando com isso mesmo [...]. A Escola estava de corpo e alma com o nosso movimento. "


Este movimento só faria sentido pela conjuntura formada pelos Directores da Escola Superior de Belas Artes do Porto nos anos 40, onde Dordio Gomes, na Pintura, Barata Feyo, na Escultura, e Carlos Ramos, na Arquitectura, permitiram um novo fôlego, respirando as vanguardas artísticas que se continuavam a afirmar na Europa.


Dordio Gomes, sendo considerado por muitos como o pintor português que melhor sentiu a influência estética de Cézanne, foi o responsável pela criação de um ateliê de pintura a fresco na Escola Superior de Belas Artes do Porto, fruto da experiência das pesquisas realizadas em Itália sobre os fresquitos de Quatrocentos. Realizou um conjunto de obras de pintura a fresco na cidade do Porto, como no Café Rialto em 1944, na Igreja de N. Sr.ª da Conceição, em 1947, na Faculdade de Belas Artes do Porto, em 1952/53, no edifício da Câmara Municipal do Porto, em 1957, e no Palácio da Justiça, em 1959/60. As influências da sua obra e da sua actividade pedagógica, revelam-se no carácter "colorista" que serviu de referência a numerosos discípulos, que procuraram uma maior investigação na área da "Arte Mural", reflectindo essa procura nas diversas obras que se espalham por toda a Cidade.


Em Lisboa, a partir de 1946, o "Movimento de Unidade Democrática" (MUD), organiza a "I Exposição Geral de Artes Plásticas" (EGAP), com a participação de artistas que se opunham claramente ao Regime. Foi um veículo de divulgação do Neo-realismo, numa tentativa de aproximar a Arte do Povo, uma ideia libertadora que aproximou os diferentes artistas, num esforço de cooperação.


Representado na Literatura por autores como Alves Redol, este movimento surgiu nos finais dos anos 30 e defendia a denúncia da realidade social, tendo por base a ideologia de inspiração marxista: a problemática social invadira o mundo da Arte.


Na Pintura, partiu da admiração das pinturas mexicanas de Rivera, Siqueiros, e do brasileiro Portinari sobre o ciclo do café, que se encontravam nos respectivos Pavilhões aquando da Exposição do Mundo Português, em 1940. Com grande capacidade plástica, pretendia-se representar o mundo do trabalho, dos campos e das fábricas, com expressividade e didactismo, num sentido oposto à Arte burguesa.


No pós Segunda Guerra Mundial, começa a notar-se um período de oposição ao Fascismo na Europa, facto que traz consequências para o panorama cultural português, que começa a revelar uma maior dinâmica.


Com a criação, em 1945, do Cineclube do Porto e do Teatro Experimental do Porto, iniciou-se um processo de agitação cultural, que animou a cidade, num País marcado pela vigilância e repressão.


E nessa data que a revista "O Tripeiro" retoma a sua publicação periódica, como um órgão cultural portuense de registo e divulgação de memórias.


Os Jornais começaram a interessar-se pela publicação de suplementos literários e culturais, que noticiavam essa dinâmica cultural. "O Comércio do Porto", dirigido por Costa Barreto, tinha Óscar Lopes como crítico literário. No "Jornal de Notícias", a página cultural era dirigida por Ramos de Almeida, e Alberto Serpa dirigia a página cultural de "O Primeiro de Janeiro".


Um espaço de grande importância foi também a Academia e "Galeria Alvarez", inaugurada em 1954, por onde passavam os professores e estudantes das Belas Artes.


Com a criação de novas infra-estruturas produtoras e divulgadores de actividades culturais, a existência de galerias, cafés e livrarias onde se realizavam tertúlias e colóquios, o Porto regista a proliferação de espaços que propiciaram a divulgação das problemáticas culturais por excelência, com o necessário e atento apoio dos meios de comunicação social.


Verificamos existirem no Porto exemplares que nos permitem descrever a História da Arquitectura em Portugal, durante as décadas de 30 a 50, nas suas tendências Artes Déco, Modernismo Radical, Português Suave, e Estilo Internacional com os "Cinco princípios da Arquitectura Moderna". A Arquitectura confirma-se como uma disciplina cheia de vicissitudes e idiossincrasias, enfatizadas pelos percursos mais coerentes ou mais versáteis dos seus autores.


Sensíveis participantes no diálogo entre as Artes, os Arquitectos recorriam frequentemente à participação dos Artistas Plásticos, cujas intervenções assimilaram o carácter simbólico de cada edifício e a sua forma arquitectónica, resultando em contributos emblemáticos que não mais tiveram paralelo.


FRANÇA, José-Augusto - A Arte em Portugal no Século XX (1911-1961). Lisboa: Livros Horizonte, 2009.

quinta-feira, março 25, 2010

Arquitectura Modernista em Portugal



A "Carta de Atenas", publicada em 1935, é relativa às conclusões do IV Congresso Internacional de Arquitectura Moderna de 1933, subordinado ao tema "A Cidade Funcional", e resultou num manifesto de uma programação urbana, em oposição ao caos da Cidade Industrial. As propostas são relativas às quatro funções da Cidade, Habitação, Recreio, Trabalho e Circulação, medidas à escala humana, onde o interesse privado se deveria subordinar ao interesse público.


Em Portugal, em 1945, dá-se a inserção das Cadeiras de "Urbanologia" e "Teoria e História do Urbanismo" nos Cursos de Arquitectura das Escolas de Belas Artes, introduzindo-se diversos conceitos, como por exemplo, a hierarquização de redes viárias, os núcleos direccionais e o zonamento.


No Congresso Nacional de Arquitectos de 1948, acontecimento simultâneo com a Exposição sobre "Quinze anos de Obras Publicas", que reflectia os princípios urbanísticos da tradição e do nacionalismo, surge em oposição a ideia de um novo conceito de Cidade, apresentada por três Arquitectos que se destacaram pela defesa da "Cidade Radiosa" e da "Carta de Atenas": Viana de Lima, Arménio Losa e Lobão Vital.


Não será possível compreender a evolução da Arquitectura e Urbanismo Modernos sem ter em consideração as suas contínuas relações com a Arte, bem como as relações entre as "Artes", que durante o século XX potenciaram cada vez mais debates, num espírito conceptual e crítico. Essas influências foram-se manifestando em diversas variantes, quer através do mimetismo formal, quer através de um paralelismo metodológico e processual.


A nível internacional, houve um período, no início do século, em que os Pintores e os Arquitectos trabalhavam lado a lado, com a solicitação recíproca de desmontar os vínculos herdados pela tradição. Os movimentos de vanguarda europeus fomentaram um intercâmbio de resultados entre as experiências dos Arquitectos e dos Pintores, nas quais pretendiam mudar as convenções culturais.


A Bauhaus, instituída em 1919 em Weimar, referiu na sua proclamação para que fosse criado "o novo edifício do futuro, que englobe a arquitectura e a escultura e a pintura nessa unidade, e que um dia se elevará aos céus pelos mais de um milhão de trabalhadores como um símbolo de cristal de uma nova fé."


Em Portugal, essa integração verificou-se com a adopção dos códigos da Arquitectura Brasileira do pós-guerra, traduzindo na obra arquitectónica elementos plasticizantes, dinamismo, alegria e desejo de libertação. A cor é usada como elemento plástico, pintada nas superfícies, ou explorada através das características dos materiais


Os painéis cerâmicos surgem como um desejo de retomar um revestimento tradicional, de fortes raízes na Cultura e Arte Decorativa Portuguesa, mas de um modo actual, com uma atitude contemporânea de "Revisão Vernacular do Movimento Moderno". Os painéis de azulejo, com intervenções de diversos artistas, pensados como uma obra de Arte integrada na Arquitectura, obtêm um resultado de grande vigor plástico na produção arquitectónica dos anos 50.


Em Lisboa, destacam-se a colaboração de Almada Negreiros com Pardal Monteiro, e, como um exemplo notável de "obra total", o Bloco das Águas Livres de Nuno Teotónio Pereira, de 1956, com um estudo de cor de Frederico George, baixos-relevos de Jorge Vieira, mosaicos de Almada Negreiros e um vitral de Cargaleiro.


O Centro Comercial do Restelo, de Chorão Ramalho, tem a colaboração plástica de Querubim Lapa, que em conjunto com Victor Palia, intervieram em diversas Escolas Primárias.


Keil do Amaral desenvolveu no Campo Grande a temática regionalista, integrando painéis cerâmicos e peças escultóricas, com o sentido de uma ideia de "Arte Pública": um painel de azulejos de Júlio Pomar, uma escultura de Canto da Maya e uma cerâmica de Jorge Barradas.


No Porto, os estudantes de todos os cursos, Arquitectura, Pintura e Escultura, conviviam intimamente, não só por terem preparatórios comuns, como pelo facto das três Artes serem consideradas inseparáveis. Havia discussões sobre o Modernismo na Arte, e um latente inconformismo em relação ao ensino clássico. São inúmeros os exemplos de estreita colaboração de Artistas Plásticos em obras de Arquitectura.


Para além dos que irão ser referidos mais pormenorizadamente, temos a Casa do Amial, projectada em 1953 por Celestino de Castro, com um estudo de cor de Júlio Pomar.


Também se verificam algumas parcerias entre Arquitectos e Artistas Plásticos, com alguma longevidade, e com bastantes testemunhos provados, como Arménio Losa com Augusto Gomes, José Carlos Loureiro e Agostinho Ricca com Júlio Resende, Carlos Neves e Manuel Pereira da Silva, e Júlio de Brito e Rogério de Azevedo com Henrique Moreira.


As intervenções deste Escultor, discípulo de Teixeira Lopes na Academia Portuense de Belas Artes, de uma corrente Proto-modernista, verificaram-se em diversas colaborações com Rogério de Azevedo, como já pudemos constatar, nos edifícios do Comércio do Porto e no Hotel Infante Sagres, num modelo em que a Arquitectura serve de suporte à Escultura, experimentado também na remodelação do Teatro Rivoli, de Júlio de Brito nos anos 40, nos frisos interiores em gesso pintado e na platibanda em baixo relevo, em que também colaborou o escultor Manuel Pereira da Silva.


Desta parceria com Rogério de Azevedo, também são da sua autoria, em 1947, um baixo-relevo em mármore no Edifício Rialto, um busto em mármore a João de Deus, no Jardim Escola da Constituição, e um elemento escultórico, em bronze e granito, no Jardim do Passeio Alegre, homenagem a Raul Brandão.


Para além das diversas esculturas que pontuam diferentes espaços públicos na Cidade, nas suas criações para edifícios destacam-se: a "Águia", em bronze, do Café Imperial, em 1936; o "índio" do Café Guarany, um baixo-relevo em mármore; na Capela de N. Sª de Fátima um baixo-relevo em mármore; em 1939, baixos-relevos em granito para a Bolsa do Pescado de Januário Godinho e para o Frigorífico do Bacalhau; um baixo-relevo em Pedra de Ançã na Igreja de St.0 António dos Congregados, em 1949; baixos-relevos em granito para a Igreja de N. Sª da Conceição entre 1945 e 1949; e em 1957, para a Câmara do Porto, as cariatides e os atlantes de granito.


Todos estes exemplos da obra de Henrique Moreira seguem um modelo mais clássico de integração da Escultura na Arquitectura.


No edifício da Fábrica das Sedas, na Rua do Monte dos Burgos, projectado por Arménio Losa em 1943, existem, nos volumes salientes, dois baixos-relevos de Augusto Gomes, com uma concepção integrada na proposta arquitectónica, correspondentes a duas figuras, uma masculina e outra feminina, com elementos vegetalistas e alusivos ao Trabalho, à Industria e ao Mar, temas recorrentes da obra deste autor.


O Cinema Batalha, projecto de Artur Andrade, datado de 1944 e concluído em 1947, teve as participações artísticas de Júlio Pomar e Américo Braga. Do primeiro, frescos nos foyers junto às escadas; do segundo, um baixo-relevo, em terracota, na fachada lateral voltada para a Praça da Batalha. Ambas as intervenções provocaram uma agitação política e social, após a queixa da Câmara Municipal do Porto ao Ministério do Interior. Os frescos foram recobertos com tinta plástica e no baixo-relevo foram retirados a foice e o martelo.


"Painel colocado sem qualquer tipo de remate sobre o plano liso da parede lateral do edifício, com figuras femininas e masculinas distribuídas em três alturas, representando figuras reais e alegóricas sobre um fundo aqui e além pontuado por estrelas que remetem para o universo do cinema.


No plano inferior figuram os únicos personagens vestidos e calçados de forma realista, constituindo o suporte simbólico de toda a composição, em alusão ao trabalho. Do lado esquerdo, junto a uma árvore da vida e à frente de uma seara, uma camponesa segura com o antebraço um molho de trigo, e com a mão direita ergue uma foice.


No centro, um operário junto a uma construção, carrega aos ombros uma grossa corrente de ferro que a mão esquerda sustém, enquanto a mão direita, antes de ser mutilada empunhava um martelo. Ainda neste plano, uma figura sentada concebida de forma idealizada, exibe um livro, alusão à criação artística. Nos planos superiores, entidades originárias de concepção clássica parecem pairar metaforicamente num universo etéreo e intemporal, plasticamente integradas pela combinação de classicismo, característica do neo-realismo."


O espírito de vanguarda de Artur Andrade não se reporta unicamente à radicalidade do desenho arquitectónico na notável solução do gaveto onde consegue, em simultâneo, a ligação à malha urbana e o destaque volumétrico, mas também a inserção de um conjunto de obras de Arte, de carácter neo-realista, que surgem claramente como oposição ao Regime. Neste caso, a "Síntese das três Artes" acaba por incluir a própria evolução formal da fuga à sobriedade geométrica, recorrendo a formas mais complexas que a gíria da época designava como "formas de sofisma".


Nos anos 50, o Cavan começou a ser publicitado e utilizado como revestimento de edifícios, iniciando-se uma pesquisa para tirar partido estético da sua plasticidade, já que era possível, mediante os aditivos coloridos e o tipo de granulado de mármore ou calcário utilizados, desenhar motivos diversificados, em que as cores eram separadas por um perfil metálico.


O edifício de habitação na Praça D. Afonso V, projectado por Francisco Pereira da Costa, em 1953, possui elementos decorativos, em Cavan, nos topos das fachadas laterais. O rés-do-chão, destinado a comércio, possui um pórtico que estabelece a transição entre o espaço privado e o espaço público da Praça, correspondendo ao sistema estrutural, que se vê padronizado na malha geométrica dos restantes pisos. A existência dos elementos decorativos nas fachadas laterais reporta a uma clara referência ao Movimento Moderno.


Na Escola Primária da Constituição, um projecto de Alexandre de Sousa, Arquitecto da Câmara Municipal do Porto, entre 1956 e 58, pode observar-se na caixa de escadas, um mural de Martins da Costa sobre marmorite azulado, que corresponde à técnica do Cavan, bem como uma pintura a têmpera do mesmo autor, no refeitório e polivalente, de uma temática infantil e lúdica.


Outros exemplos de aplicação do Cavan, como revestimento de feição estética, são uma moradia de Arménio Losa na Avenida dos Combatentes, dos anos 50, onde o muro lateral possui um painel com um desenho abstracto, e o Bairro de Paranhos, ou do Outeiro, onde a sua concepção como Bairro Social de iniciativa municipal, do início dos anos 60, não impediu a sua qualificação plástica, com painéis em cada um dos blocos, de motivos variados e um figurativismo geométrico. A criação da Via de Cintura Interna veio dificultar uma percepção mais aproximada.


As criações de Jorge Barradas, em 1950, para o Palácio Atlântico, projecto de 1946 da sociedade de arquitectos /ARS, referem-se a um painel relevado em faiança, no interior, e a um conjunto de painéis cerâmicos no tecto da arcada exterior. A temática mitológica, com incidência nas referências ao folclore nacional e à prática de trabalhos campestres, enquadra-se no uso a que se destinava o edifício, a pretendida exaltação de valores nacionalistas do "Portugal de Além-Mar".


Na Igreja de N. Sª da Boavista, projecto de Agostinho Ricca, de 1979, para além de quinze placas cerâmicas vidradas, de 16,5 centímetros, datadas de 1986, intituladas "Passos da Paixão de Cristo e uma Ressurreição", existem outras obras de Júlio Resende, como os Vitrais, o "Cristo no Calvário" e um tapete que cobre a zona central da Igreja. Este caso vem mostrar que, independentemente da formação académica do Arquitecto, vocacionada para concepção artística, quando intervém um artista com a versatilidade disciplinar de Júlio Resende, toda a obra arquitectónica ganha uma substantiva profundidade.


FERNANDES, José Manuel - Arquitectura Modernista em Portugal. Lisboa: Gradiva, 1993.

domingo, março 21, 2010

Moderno Tropical - Arquitectura em Angola e Moçambique, 1948-1975


Ana Magalhães e Inês Gonçalves fizeram juntas Moderno Tropical, obra decisiva para a memória da presença portuguesa em África. A Tinta da China editou, com o apoio da Direcção-Geral das Artes, Instituto Camões e Fundação Luso-Brasileira. Moderno Tropical recupera o acervo arquitectónico moderno, edificado em Angola e Moçambique entre 1948 e 1975.

O trabalho de investigação e de fotografia de uma arquitecta e uma fotógrafa mostram-nos a melhor arquitectura moderna portuguesa, que incide sobre quatro cidades, duas de Angola (Luanda e Lobito) e duas de Moçambique (Lourenço Marques e Beira), as impressionantes cidades modernistas que se construíram de raiz. Um retrato do estado em que os edifícios se encontram e da utilização que as populações actualmente lhe atribuem. com um capítulo dedicado a doze obras icónicas.

Oito arquitectos merecem destaque, entre eles o moçambicano Amâncio ‘Pancho’ Miranda Guedes, [n. Lisboa, 1925; viveu em Lourenço Marques entre 1928-75, e em Joanesburgo entre 1975-90.] objecto de retrospectiva recente no CCB. Pancho está representado com quinze obras, todas em Lourenço Marques: Edifício Abreu, Hotel Tamariz, Padaria Saipal, Restaurante Zambi, Edifício Man George, Edifício Octavio, Edifício Mocargo, Edifício Dragão, Edifício Prometheus, Edifício Tonelli, Edifício Parque, Edifício Leão Que Ri — tão associado à minha história pessoal; hoje completamente adulterado, com lojas no lugar das antigas garagens abertas, marquises e grades nas varandas —, Edifício Simões Ferreira, as Casas Gémeas da família Matos Ribeiro e as Casas Gonzaga Gomes. As sequelas da guerra civil e a usura do tempo não pouparam os edifícios, mostrados no seu estado actual.

No território africano sob domínio colonial português, menos sujeito à pressão dos cânones culturais do Estado Novo e ao mesmo tempo com mais necessidades de construção urbana, houve espaço para que os arquitectos portugueses pudessem explorar livremente o Movimento Moderno. A expressão desta arquitectura em África, nos anos 50 e 60, traduziu não só os ensinamentos da Carta de Atenas, de Le Corbusier, mas também as formas modernas desenvolvidas no Brasil. É há procura desse denominador comum - tropical – que Ana Magalhães parte com Inês Gonçalves numa viagem a Luanda, Lobito, Maputo e Beira, onde fazem um levantamento fotográfico dos edifícios aqui tratados. Entre texto de investigação e imagens, ficamos a conhecer o belíssimo trabalho de oito arquitectos portugueses, que no contexto colonial africano puderam aproximar-se da vanguarda da arquitectura moderna, enquadrada no que ficou conhecido como Movimento Moderno.
No prefácio, Ana Tostões sinaliza algumas das razões que levaram dezenas de arquitectos portugueses (sobretudo os da Escola do Porto) a emigrar para aquelas duas Colónias: «É justamente essa geração de arquitectos, politicamente amadurecida como nunca o fora a geração dos anos 30 modernistas, que vai fazer a diferença e mergulhar na contemporaneidade. Cheios de força e com a audácia da juventude vão fazer a ‘utopia moderna em África’.»

A arquitecta Ana Magalhães e a fotógrafa Inês Gonçalves foram ver como é que resistiram esses blocos de habitação e glamourosas cine-esplanadas, à procura do que resta dos edifícios construídos nas décadas de 50 e 60 por arquitectos portugueses ou que tinham estudado em Portugal, e que em África construíram, inspirados pelo Movimento Moderno, mas com uma liberdade que não podiam ter na metrópole.

Encontraram de tudo, desde edifícios em mau estado, a outros relativamente bem conservados (a estação de caminho-de-ferro da Beira, de Paulo Melo Sampaio, João Garizo do Carmo e Francisco Castro, está bem conservada, mas recebe um comboio por dia), edifícios semi-abandonados, outros cheios de vida. Quando convidou Inês Gonçalves para a acompanhar nesta viagem (ponto de partida para a tese de doutoramento em que trabalha), Ana Magalhães sabia o que queria: “Perceber como é que os edifícios sobrevivem ao tempo e como é que se relacionam com as pessoas”, explica ao Ípsilon, do Jornal Público, num artigo de Alexandra Prado Coelho.
A primeira reacção da fotógrafa foi de hesitação. “A fotografia de arquitectura é uma coisa muito específica. Tem uma especificidade técnica que tem a ver com as máquinas, as perspectivas”, diz Inês Gonçalves. Mas percebeu que o que Ana queria era que “o livro fosse também documental, sobre como aqueles edifícios são vividos neste momento, às vezes até com uma função diferente daquela para a qual foram concebidos”.

É o caso do Cine-Flamingo, no Lobito, obra de Francisco Castro Rodrigues, de 1963. A fotografia da capa do livro mostra um edifício em mau estado, o cimento quebrado, os ferros a aparecerem por baixo, tábuas de madeira partidas, as letras da palavra Flamingo enferrujadas. Mas à frente dele passa um grupo de meninas, também elas de batas brancas e mochilas às costas, cabelos cheios de trancinhas.

O Flamingo já não é cinema, é hoje uma escola. Ana e Inês foram encontrar uma turma da primária, sentada nas cadeiras, ouvindo uma lição. Ao lado o velho anfiteatro está vazio e o ecrã já só reflecte as sombras que o sol vai deslocando ao longo do dia. Mas Ana Magalhães não tem um olhar nostálgico sobre estes espaços. “Claro que associamos estes cinemas ao glamour dos anos 50 e 60, e gostamos de imaginar como seriam na altura. Mas a arquitectura e as cidades são coisas evolutivas e é, de certa forma, um privilégio para estes miúdos estarem aqui. É um recreio natural, entre os mangais e o mar. Não está abandonado. Está degradado mas tem vida”.

Tal como têm vida muitos outros edifícios desta época e deste grupo de arquitectos. O Liceu do Lobito (1966), de Francisco Castro Rodrigues, continua a ser um liceu, a Rádio Nacional de Angola (1963), de Fernão Simões de Carvalho e José Pinto da Cunha, está em óptimo estado, o Edifício dos Coqueiros em Luanda (1969), de João Garcia de Castilho, está bastante bem conservado, o Cine-Miramar (1964, João e Luís Garcia de Castilho), e o Cine-Atlântico, ambos em Luanda, continuam a funcionar como grandes cinemas ao ar livre.

No edifício da Universal, outra obra de Francisco Castro Rodrigues no Lobito (1961), há crianças a brincar pelas escadas enquanto as mulheres lavam a roupa em tanques na lavandaria a céu aberto. “Há edifícios que têm lavandarias no último andar, foram projectados assim e continuam a ser usados assim”, conta Inês Gonçalves. “Outros têm grandes varandas e as pessoas fazem imensa vida nessas varandas”.

Inês tinha passado muitas vezes por várias destas obras, conhecia-as, já tinha reparado “naqueles edifícios tão particulares”. São “presenças muito fortes nas cidades, tanto em Luanda como em Maputo”. Mas confessa que até fazer este trabalho “não tinha a noção da qualidade e da inteligência desta arquitectura”.

É sobre essa inteligência que Ana Magalhães escreve no livro: “Um dos traços da especificidade da arquitectura nestes territórios é a expressão de liberdade. O impulso de liberdade está presente na singularidade das obras construídas nestes países africanos desde o início da década de 50″. É visível na criatividade de edifícios como a Padaria Saipal de Maputo (1954), ou outros de Pacho Guedes (embora este arquitecto, com o seu Stilo Guedes, seja um caso particular, sublinha a autora), na forma como são tratadas as fachadas, com varandas, caixas e outro tipo de saliências, e na decoração colorida.

“O mosaico de pastilha vidrada, na sua profusão cromática, alegra muitas fachadas das ruas de Luanda: o azul-turquesa do Cuca, ex-líbris de Luanda, as cores fortes dos blocos salientes que animavam a fachada do mercado do Kinaxixe, o desenho padronizado e geométrico do edifício do ‘Livro’; há pastilhas cor-de-rosa, cor-de-laranja, brancas e todas as variações de azul”, escreve.
Mas quem são, afinal, os arquitectos por trás destas obras? Ana Magalhães destaca oito nomes: Vasco Vieira da Costa (Aveiro, 1911-1982), Francisco Castro Rodrigues (Lisboa, 1920), Fernão Simões de Carvalho (Luanda, 1929), Pancho Miranda Guedes (Lisboa, 1925), João José Tinoco (Coimbra, 1924 -1983), João Garizo do Carmo (Beira, 1917-1974), Paulo Melo Sampaio (Cascais, 1926), Francisco Castro (Lisboa, 1923). É uma geração que, formada “nas Escolas de Belas Artes de Lisboa e do Porto, entre o final da década de 40 e o início da década de 50, parte para África, afirmando uma modernidade já distante dos modelos arquitectónicos oficiais veiculados pelo Estado Novo.”

Têm idades diferentes, vão para África por razões diferentes, mas conhecem as premissas do Movimento Moderno, do trabalho de Le Corbusier, e também – facto relevante para o estudo que Ana Magalhães está a fazer – da forma como esse Movimento Moderno foi apropriado e de alguma maneira reinventado no Brasil.

Vasco Vieira da Costa, por exemplo, estagiou com Le Corbusier em Paris; e Francisco Castro Rodrigues traduziu a versão integral da Carta de Atenas, o manifesto saído do IV Congresso Internacional de Arquitectura Moderna. A primeira obra de Vieira da Costa em Luanda data de 1950-52 e hoje já não existe. O Mercado do Kinaxixe foi dos primeiros edifícios que Ana e Inês visitaram e fotografaram.

“Já sabíamos que a demolição estava iminente”, recorda Ana. “E os técnicos da empresa de demolição já lá estavam e tinham iniciado os trabalhos mais pequenos”. Pediram autorização para entrar, e a câmara de Inês registou esses últimos momentos do velho mercado que foi um edifício emblemático da capital angolana, mas que, por se situar numa zona de alta especulação imobiliária, teve que dar lugar a um centro comercial.

“Ainda conseguimos ter a percepção de como o espaço funcionava”, conta a arquitecta. “Havia dois pátios, os enormes espaços das bancas de venda, e as maravilhosas grelhas rendilhadas que davam para os pátios, enquanto para o exterior havia brise-solei verticais”. Este era, segundo Ana Magalhães, um dos edifícios que cumpria as regras do Movimento Moderno, já adaptado às condições climáticas do país: “Levantado do chão, com uma galeria em continuidade com a rua, a cobertura em terraço, as grelhas que permitiam a ventilação natural.

Ainda houve resistência, da parte de arquitectos e de alguma elite intelectual de Luanda, mas o Kinaxixe veio abaixo. O escritor angolano José Eduardo Agualusa, que, juntamente com a arquitecta Ana Tostões, apresentou o livro “Moderno Tropical” numa sessão no Museu do Design e da Moda, em Lisboa, não se surpreende. “Existe uma grande ignorância em relação àqueles espaços, incluindo da parte dos responsáveis políticos. Só isso explica o abandono a que foram sujeitos”. A crítica não visa só os responsáveis angolanos. “Ninguém ligou nunca. Não houve o menor esforço para proteger os edifícios. Portugal também tem responsabilidades, porque é um património comum. Mas os portugueses ficam com o complexo do colonizador e acabam por não fazer nada”.

Apesar de tudo houve recentemente sinais positivos, embora em relação a edifícios de um período anterior. Agualusa recorda o caso do setecentista Palácio de Dona Ana Joaquina, que foi derrubado. “Houve alguns protestos e o Governo acabou por fazer uma cópia em betão que não tem nada a ver com o que era”.

Noutros casos conseguiu-se manter o edifício original – como o do Palácio de Ferro, da escola de Gustave Eiffel, que foi restaurado por uma construtora brasileira, ou o Elinga Teatro. “Pela primeira vez um movimento cívico teve sucesso e terá impedido que o edifício fosse derrubado, o que é extraordinário porque a pressão imobiliária ali é muito grande”. Agualusa está só moderadamente optimista: “Vamos esperar que seja possível salvar o que ainda resta e o que ainda possa ser salvo, que já não é muito”.

Ana Magalhães acredita que assistimos a um aumento do interesse de estudiosos portugueses sobre este período e o trabalho destes arquitectos. “O que é mais entusiasmante é estudar o século XX e em Portugal o trabalho já está praticamente todo feito. Há que descobrir territórios novos”. Mas não é tarefa fácil.

Há trabalhos anteriores – nomeadamente “Geração Africana – Arquitectura e Cidades em Angola e Moçambique 1925-1975″, do arquitecto José Manuel Fernandes, publicado em 2002 e que acaba de ser lançado numa segunda edição; a investigação de António Albuquerque sobre Moçambique; ou a tese de Margarida Quintã sobre a obra de Vasco Vieira da Costa – mas, diz Ana Magalhães, “levantam-se muitos problemas, até porque alguns dos arquitectos já morreram, os espólios não existem, muitos arquivos, sobretudo em Angola, terão sido destruídos ou estarão desorganizados”. O livro inclui uma cronologia, um guia das obras fotografadas e pequenas biografias dos oito arquitectos, elementos que “podem funcionar como um guião” para quem queira aprofundar a investigação.

Longe de Lisboa, em cidades que precisavam de crescer e tinham espaço para isso, os arquitectos dessa “geração africana” construíram muito. Usaram os ensinamentos de Le Corbusier, namoraram o modernismo tropical brasileiro – veja-se a Igreja do Alto da Manga (1955) de João Garizo do Carmo, com as suas formas curvas e ondulantes (o “Diário de Moçambique” em 1956 chega a interpelar o arquitecto sobre a “semelhança com a Igreja da Pampulha, do [arquitecto brasileiro] Oscar Niemeyer”, ao que Garizo do Carmo responde que “já muito antes de Niemeyer a forma parabólica foi imensamente empregada”).
E tentaram que os edifícios fossem obras completas, integrando a arquitectura e a arte – painéis de azulejos, murais em pastilha vidrada, painéis cerâmicos, murais em mármore gravado, murais de seixos embutidos, desenhos figurativos e abstractos, formas geométricas, cores. Em pleno Estado Novo, fizeram uma arquitectura livre. Moderna e tropical.

Ana Magalhães nasceu em Lisboa, em 1965. Formou‑se em Arquitectura em 1988 pela FAUTL. É docente na Universidade Lusíada de Lisboa desde 1990, leccionando actualmente a disciplina de Arquitectura II. Desenvolve a tese de doutoramento na Universidade Lusíada, em associação com a Escola Técnica Superior de Arquitectura de Barcelona. Exerce arquitectura em regime de profissão liberal desde 1989.

Inês Gonçalves nasceu em Málaga, em 1964, e vive actualmente em Lisboa. Colabora regularmente com vários jornais e revistas. O seu trabalho fotográfico está publicado em livros como Cabo Verde, Goa: História de Um Encontro, com Catarina Portas, Agora Luanda, em co-autoria com Kiluanje Liberdade. A sua obra está representada em várias colecções públicas e privadas.

Em 2008, a polémica em torno da demolição do mercado de Kinanxixe, o mais emblemático da capital angolana, desenhado pelo arquitecto Vasco Vieira da Costa em 1950, veio mostrar a necessidade de uma reflexão sobre o valor do património construído em África pelos portugueses.

Manuel Pereira da Silva também fez parte deste movimento moderno, na escultura, com trabalhos realizados em Moçambique, Guiné-Bissau e Angola:

Participa na Exposição da Vida e da Arte Portuguesas em Lourenço Marques, Moçambique (1946)

Escultura em Bronze do General Ulisses Grant, 18º Presidente dos Estados Unidos da América entre 1868 e 1872. Este monumento foi encomendado pelo Governo Português a Manuel Pereira da Silva para a capital da Guiné-Bissau (1955).

Baixo-relevo em Cerâmica Policromada na capital de Angola (1960).

terça-feira, fevereiro 16, 2010

Escultura em Portugal no século XX (1910-1969)



Lúcia Almeida Matos é Professora Auxiliar na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto (FBAUP), Licenciou-se em Filosofia na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, obteve o grau de Master of Arts (MA) e Master of Philosophy (Mphil), na Universidade de Syracuse (E.U.A.) e Doutorou-se na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto.

Desenvolve trabalho de investigação e docência em História e Teoria de Arte Moderna e Contemporânea, e em Museologia. Dirige o Museu da FBAUP coordenando a publicação do boletim do museu e projectos museológicos e expositivos. Tem organizado reuniões científicas internacionais e comissariado exposições.

A série bibliográfica “Textos Universitários de Ciências Sociais e Humanas” propõe-se publicar obras importantes num domínio do conhecimento crítico moderno em que cabem também estudos valiosos de cultura clássica. Muitas dessas investigações vão ao arrepio das tendências tecnocráticas contemporâneas, só voltadas para os problemas, tidos como maiores, do quantitativo. O regresso às fontes clássicas de um saber universal tem de ser o signo característico de um novo Humanismo.

Esta filosofia inspira e anima o programa doutrinal desta série de edições, cuja responsabilidade coube ao extinto Instituto Nacional de Investigação Científica e que a Fundação para a Ciência e a Tecnologia deseja prosseguir, de parceria com a Fundação Calouste Gulbenkian.

Este livro reproduz, com ligeiros ajustes, o texto da dissertação de doutoramento que Lúcia Almeida Matos defendeu na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto em Novembro de 2003. No espaço de três anos que separa a apresentação pública da dissertação e a publicação deste livro em 2007, editado pela Fundação Calouste Gulbenkian e pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, a bibliografia nacional e internacional foi, naturalmente, enriquecida.

No Prefácio desta obra, da autoria da Professora Doutora Raquel Henriques da Silva, responsável pela orientação científica, “Escultura em Portugal no Século XX (1910-1969) tem as evidentes marcas de ter sido escrita para dissertação de doutoramento. Mas, ao contrário das conotações habituais em relação a tal tipologia de trabalhos, o livro que aqui apresento é de leitura extraordinariamente acessível, claro no seu desenrolar e, creio eu, interessante por várias ordens de razões. No entanto, tem considerável aparato crítico, bem recolhido em notas de rodapé, e uma louvável ambição. Sintetizando, Lúcia Almeida Matos realizou uma investigação em profundidade e extensão sobre a escultura portuguesa, através dos percursos e obras dos artistas que, nesse domínio, mais se destacaram entre o início do século XX e os anos de 1960. Para seleccionar, analisar e valorizar teve, naturalmente, de atender aos sucessivos contextos culturais da nossa história recente, articulando-os sempre com as dinâmicas internacionais (sobretudo europeias) que os foram influenciando. O objectivo de traçar a história da escultura novecentista portuguesa em diálogo determinante com diversas cenas artísticas – francesa, nas primeiras décadas, inglês, nas últimas, considerando ainda as marcações iluminantes da Catalunha e de Itália, nos anos 30 e 40 – é o facto que individualiza este trabalho e o tornará referência obrigatória na nossa história de arte.”

A metodologia seguida por Lúcia Almeida Matos não conduziu, no entanto, apenas a propor a história da escultura portuguesa do século XX como uma realidade específica mas indissociável da escultura europeia do mesmo tempo. Ela permitiu duas conclusões mais amplas que devem ser destacadas.

A primeira é que, ao contrário de opiniões menos fundamentadas e mais ideológicas, os escultores portugueses de então (incluindo os jovens de 1960 que, felizmente continuam hoje activos) contactaram com as rupturas da prática escultórica no tempo em que elas foram ocorrendo, nem mais atrasados, nem mais adiantados do que as outras escolas nacionais. No entanto, nos anos de 1900 a 1920, essa atenção à modernidade processou-se numa acentuada fidelidade aos modelos académicos do ensino e da produção, sem alcançar as práticas vanguardistas que, à época, tinham escassíssimo reconhecimento público. Comparando com a pintura, poder-se-á dizer que não houve, na escultura, um Amadeo de Souza Cardoso, sendo que o escultor que mais dele se aproxima (pela atenção à cena internacional onde funcionou com reconhecido sucesso) foi o modernista Ernesto Canto da Maia. Pelo contrário, nos de 1960, os jovens escultores portugueses entraram, com entusiasmo e empenho, no campo das vanguardas artísticas de então, sobretudo via Londres, embora, no desenvolvimento das suas carreiras, nem sempre se tenham mantido nessa incerta corda tensa que é a novidade.

A segunda conclusão que este livro propõe é que, ao contrário do que se pretendeu (em termos políticos e ideológicos), o período menos interessante da escultura do século XX português é o dos anos 30 e 40, aquele que, paradoxalmente, seria, nas palavras desejantes de António Ferro, a “idade de ouro” da escultura nacional. Os escultores em actividade foram dominados pelo excesso de encomendas de teor monumentalista bastante ultrapassado, viajaram menos, não beneficiaram de bolsas de aperfeiçoamento no exterior (ao contrário dos antecessores e sucessores) e renderam-se, mais ou menos, a intenções celebrativas de teor nacionalista.

Mas, para lá do aprofundamento da história, o livro de Lúcia Almeida Matos aborda temas que nunca, em Portugal, haviam sido tratados e que dizem respeito ao campo da teoria da escultura. É o caso das particularidades constrangentes do ofício, em relação, por exemplo, à maior autonomia da pintura, determinando grande dependência do escultor face às tecnologias e à encomenda, mas, em território de saída para a situação, a autora introduz a distinção fundamental entre o grande e o pequeno formato, sendo este o meio mais adequado para a pesquisa e a inovação. Essas questões são muito importantes na transição entre o século XIX e o século XX, quando Rodin era o mestre mais amado da escultura europeia. Um dos mais inovadores contributos deste trabalho diz respeito ao modo como analisa a complexidade desse tempo, distinguindo, com eficácia, os campos da modernidade e da vanguarda. Em relação ao difícil período dos anos 30 e 40, as páginas dedicadas à estética monumentalista e à diferenciação entre escultura e estatutária são brilhantes, bem como a abordagem do futuro dessa arte ideológica ao serviço de uma história de heróis. Na verdade, o subcapítulo “Ascensão e queda de uma estátua” sugerem a pertinência da continuação desta investigação original que articula a arte e o espaço urbano, nos contextos complexos das mais intensas vibrações e rupturas da história.

A proposta de estudo da escultura em Portugal no período consensualmente designado por moderno, ou seja, até ao momento em que o próprio conceito de escultura é posto em causa, impondo e simultaneamente assumindo uma alteração de paradigma. O final da década de 60 foi tomado então como o limite cronológico deste trabalho, uma vez que, simultaneamente com a cena artística internacional, foram esses os anos que marcaram as primeiras alterações profundas na prática e na reflexão teórica dos artistas portugueses trabalhando no País, ou em proveitosos estágios no estrangeiro.

A terceira parte deste livro é a que pretendemos realçar e que se enquadra com o objectivo deste blogue de arte, o de estudar e investigar a obra do escultor Manuel Pereira da Silva. Esta III Parte tem por tema ”De 1949 a 1969: Da estatutária à escultura” e é no capítulo 2: “Primeiras rupturas” no subcapítulo “O neo-realismo nas exposições gerais de artes plásticas” que surge a primeira referência a Manuel Pereira da Silva. Em 1946, em Portugal como admitiu José Augusto França “era mister apoiar o neo-realismo, mesmo que fosse por ignorância de outra coisa.

O neo-realismo demarca-se do modernismo, que considera formal, vazio, e desactualizado, próprio de um outra época, a época do divórcio com ávida real, que deveria pertencer já ao passado, e na qual inclui também o surrealismo, através de todas as etapas da arte moderna, faz-se notar uma comum aversão ao real. Criar uma outra realidade, eis, em esquema, a tese do quadro-objecto reivindicada pelo Cubismo. Criar uma outra realidade, captar o “surréel”, conseguir uma realidade “total”, constitui a ideia fixa dos surrealistas. Todos os grandes e pequenos sobressaltos da arte moderna são, em regra, tidos como revoluções. Mas segundo Júlio Pomar, devemos distinguir revoluções apenas dentro do plano da arte moderna, a arte moderna jamais ultrapassou a sua condição de arte para um círculo e daí a sua crise, o originar-se de um círculo vicioso.

O nascimento do de uma expressão neo-realista nas artes plásticas acontece primeiro, a um certo nível teórico, com características de manifesto, nas páginas das novas revistas, nomeadamente O Diabo e o Sol Nascente, e vai ganhando forma artística, nomeadamente na pintura, em iniciativas estudantis de Fernando de Azevedo, Júlio Pomar. Marcelino Vespereira e outros, em Lisboa, em 42, seguida das participações de Júlio Pomar e Victor Palla na Exposição Independente, no Porto em 44, com uma edição no Instituto Superior Técnico no ano seguinte. O ano de 1946 será o ano decisivo na formação do movimento, com a decoração do Cinema Batalha, no Porto, por Júlio Pomar, a exposição no Ateneu Comercial do Porto e, finalmente, a I Exposição Geral de Artes Plásticas na Sociedade Nacional de Belas-Artes.

Em 1946, inauguram, pois duas exposições, uma no Porto e outra em Lisboa, ambas “livre e independentemente organizadas pelos próprios artistas”, que vieram a funcionar “como pedras que fossem jogadas sobre a superfície parada de um lago”, de acordo com Adolfo Casais Monteiro. Num espírito de que muitos já os suporiam tão distanciados que não pudessem recuperá-lo, os artistas participantes expuseram em unidade, fazendo lembrar as iniciativas independentes de 30 e apresentando um modelo alternativo à habitual divisão entre “São Pedro de Alcântara” e “Barata Salgueiro”. Tratava-se da I Exposição da Primavera, inaugurada no Ateneu Comercial do Porto, a 15 de Junho, e da I Exposição Geral de Artes Plásticas, na Sociedade Nacional de Belas Artes, no mês seguinte.

Em palestra que acompanhou a exposição no Porto, com o título “Arte e Juventude”, Júlio Pomar lembrava aos jovens que a “a arte é da terra, assenta raízes na vida” e que, para além de “reflectir o ritmo da vida”, pode ainda “contribuir para o acelerar desse ritmo”. Outras palestras sobre “Pintura e Cinema”, “Arte e Público” e “Urbanismo e Arquitectura” revelam a ambição de reflexão e questionamento da iniciativa.

A imprensa generalista do Porto noticiou amplamente todo o evento de um modo geral assinalando o carácter abrangente da exposição, que integrava “artistas categorizados e alguns que estão ainda no início da sua carreira, documentando vários géneros desde o clássico puro ao mais estranho modernista”. Segundo a crítica de arte, a escultura apresentada na exposição era “equilibrada” e indicava poder “chegar muito longe”. Foram destacados Eduardo Tavares, Mário Truta, Margarida Shimmelpfenning, Augusto Gomes, Cruz Caldas, Herculano Monteiro e Manuel Pereira da Silva.

No catálogo da I Exposição Geral de Artes Plásticas, em Lisboa, recomenda-se que seja posta de lado alguma perplexidade por “uma aparente falta de unidade” que a diversidade das obras em exposição possa aparentar, e que antes se volte a atenção “para as intenções da exposição” em fomentar a cooperação entre os artistas que “desejam não somente servir-se da vida, saboreá-la, aproveitá-la, mas servi-la, melhorá-la, torná-la digna de ser vivida”.

A exposição é recebida pela crítica de arte de uma forma favorável que destaca o “sentido de solidariedade” dos artistas, parecendo-lhe a cooperação “uma lição admirável” e se congratula com o facto de se poder verificar um “confronto regular das tendências várias de gerações diferentes”.

No subcapítulo “O abstraccionismo e as exposições independentes” surge várias referências a Manuel Pereira da Silva. A arte abstracta, mais precisamente a pintura, entrou em Portugal, em Junho de 1935, nas telas de Maria Helena Vieira da Silva, em exposição na Galeria UP, apresentada por António Pedro como “a primeira exposição de pintura abstracta que se fez em Portugal desde o tempo de Amadeo de Souza Cardoso”. A propósito ainda da pintura de Vieira da Silva (e de Arpad Szénes), João Gaspar Simões explicaria, em 36, ser “o estádio derradeiro da expressão pictural que renegou a realidade sensível” e cita André Lhote para a designar de “abstracta”.

A arte abstracta portuguesa está historicamente ligada às exposições independentes, cujo principal organizador e animador, Fernando Lanhas, é coincidentemente a figura central desse abstraccionismo. Após uma I Exposição, em Abril de 1943, nas instalações da Escola de Belas Artes do Porto, onde já se poderá verificar a presença do futuro “núcleo duro” das independentes, como sejam Júlio Resende, Fernando Fernandes, Nadir Afonso, Arlindo Rocha, Altino Maia, Mário Truta, Serafim Teixeira, Augusto Tavares e Manuel Pereira da Silva. As exposições independentes passam a ter lugar fora da Escola e, várias vezes, fora do Porto, em primeiro exemplo de descentralização e vontade de difusão que, apesar de tudo, não evitará uma certa marginalização dos artistas do Porto em relação aos acontecimentos e iniciativas de maior visibilidade e impacto da capital.

A II Exposição Independente apresenta-se, em Fevereiro de 1944, no Ateneu Comercial do Porto e será a partir daí que a acção de Fernando Lanhas se fará sentir, na consistente qualidade dos catálogos e das montagens das exposições, bem com como na persistência em manter vivas as iniciativas. Nesta exposição estiveram presentes esculturas de Altino Maia, Arlindo Rocha, Eduardo Tavares, Joaquim Meireles, Manuel da Cunha Monteiro, Maria Graciosa de Carvalho, Mário Truta, M. Félix de Brito, Manuel Pereira da Silva e Serafim Teixeira.

A III Exposição Independente tem lugar, no mesmo ano, no salão do Coliseu do Porto e nela participam na escultura: Abel Salazar, Altino Maia, António Azevedo, Arlindo Rocha, Eduardo Tavares, Henrique Moreira, Manuel Pereira da Silva, Mário truta, e Sousa Caldas. No catálogo da exposição, em itinerância por Coimbra, em Janeiro de 1945, esclarece-se que o nome de “independente” não é um nome ao acaso, mas implica a consciência de que arte é um património da humanidade e daí a nossa variadíssima presença, entendendo-se que o presente deve, activar-se para alicerçar o futuro, não se podendo negar ao passado o direito de recordar-se.

Ao contrário do que acontecerá com as exposições surrealistas ou as gerais, muito identificadas com o neo-realismo, a bandeira do abstraccionismo não será defendida nas exposições independentes, que se limitam a integrar as experiências abstractas dos seus cada vez mais numerosos seguidores.

Uma versão mais depurada e homogénea daquela III Exposição será apresentada, também em 45, em Leiria e em Lisboa, onde foi alvo de críticas da emergente corrente neo-realista.

segunda-feira, fevereiro 15, 2010

O Centenário do Escultor Henrique Moreira



Muito se escreveu já sobre o artista e a sua obra escultórica, de abundante produção, contudo, seria uma lacuna imperdoável deixar sem qualquer registo a passagem do centenário do seu nascimento.

A Comissão da Festa da Broa de Avintes, em colaboração com a Junta de Freguesia, souberam trabalhar a tempo de forma a ser condignamente assinalada tão valiosa efeméride avintense. Assim se pode ler o relato do acontecimento na Revista do Caminho Novo de 1 de Dezembro de 1990.

O monumento, cuja inauguração será feita durante o mês de Janeiro, é um trabalho do Escultor Manuel Pereira da Silva que, mais uma vez, com aquela generosidade que lhe é peculiar, pôs o seu talento ao serviço da sua querida Terra, enriquecendo-a artisticamente com mais uma bela obra, onde o busto de Henrique Moreira se destaca de um fundo granítico.

O local situa-se no lugar da Portela, naquele pequeno largo, devidamente ajardinado, ele sera´uma pequena sala de visitas do populoso lugar, dando-lhe uma moldura mais nobre.

domingo, fevereiro 07, 2010

A Estatutária de Avintes



Berço de artistas, designadamente entalhadores, arquitectos, pintores e escultores, entre outros. Avintes haveria necessariamente de exibir, com natural orgulho, as criações dos seus filhos.
Chama-nos a atenção este trabalho, da autoria de Fernando Soares Reis, publicado na Revista Caminho Novo de 1 de Dezembro de 1988, para os escultores Avintenses, autores de peças espalhadas por todo o País e pelo ex-Ultramar Português e que entraram também nos edifícios públicos e Museus.

A lista nominal inicia-se no findar do século XiX, com António Fernandes de Sá e prolongar-se-á pelos tempos fora, porque a vocação artística enraizada no sangue Avintense jamais se extinguirá. Refira-se também que neste blog de arte há recém-licenciados das Belas-Artes à espera do momento propício para imporem o seu talento na arte contemporânea.
Compõem a lista do nosso blog de arte os escultores: Fernandes de Sá, Henrique Moreira, Herculano Figueiredo, Manuel Pereira da Silva e Joaquim Vieira. Com excepção de Herculano Figueiredo que a doença impediu de revelar a sua verdadeira dimensão de artista plástico, os demais são escultores de variadíssimos trabalhos (que têm suscitado a atenção de críticos de arte e historiadores de arte) entre os quais os dispersos em Avintes e que podem ser apreciados na via pública, nas colectividades e no cemitério paroquial.

De autor desconhecido é a Pedra da Audiência. Até talvez nem tenha autor, mas a sua componente histórica possui riqueza monumental.
Variada na concepção, na forma e no estilo, a estatutária de Avintes vai desde a arte clássica até à arte nova e, em algumas peças, encontra-se uma junção de estilos, todas se identificando com os seus autores.

Manuel Pereira da Silva tem apostado ultimamente na combinação de estilos (arte figurativa e arte abstracta), volumes e materiais diversificados, criando conjuntos escultóricos belos no efeito e harmoniosos na forma, os quais também não precisam de assinatura para serem reconhecidos.
Sem pretendermos neste blog de arte entrar nos caminhos da crítica de arte, vamos penetrar apenas na história de arte subjacente à concepção da estatutária de Avintes começando pela mais antiga.

Pedra da Audiência – Monumento Nacional catalogado nos Edifícios e Monumentos Nacionais por decreto nº35817, publicado no Diário do Governo, de 20 de Agosto de 1946. É ex-líbris de Avintes e emblema do Clube Recreativo Avintense. A Pedra da Audiência é o único vestígio que nos resta do extinto couto de Avintes. Foram postas ali aquelas pedras em 1742 para servirem em conjunto com um sobreiro secular de Tribunal. As audiências faziam-se às quartas-feiras, pelo meio-dia. No banco mais alto sentava-se o Juiz do couto, empunhando uma vara vermelha, enquanto o escrivão escrevia sobre a mesa, e o meirinho apregoava as arrematações.

D. Maria Fernandes Chitra – Busto esculpido em mármore, da autoria do escultor Fernandes de Sá, colocado no jazigo da família Fernandes de Sá no cemitério paroquial. O busto de sua mãe é uma obra aonde o cinzel trabalhou de forma brilhante e carinhosamente, é nela que todo o poder emocional do artista se faz sentir, dando ao mármore uma verdadeira interpretação psicológica, para além do classicismo das suas linhas. È um dos mais belos exemplares de escultura contemporânea portuguesa.

Alfredo de Oliveira Dias Penedo (meu avô) – Busto em bronze, colocado no salão da Associação Recreativa “Os Plebeus Avintenses”, da autoria do escultor Manuel Pereira da Silva.
Alfredo de Oliveira Dias Penedo, licenciado em Farmácia pela Universidade do Porto, para além de fundador e de proprietário da primeira sede, foi animador, actor e encenador assíduo
Do grupo cénico “Os Plebeus” – durante mais de 50 anos, qualidades reconhecidas na homenagem prestada a título póstumo, com o descerramento do seu busto na nova sede da colectividade no dia 26de Dezembro de 1975.

Manuel Monteiro da Fonseca, baixo-relevo em bronze, colocado na parede do átrio principal do quartel-sede dos Bombeiros Voluntários de Avintes da autoria do escultor Joaquim Vieira.
O autor da obra, então um jovem finalista dos cursos de pintura e escultura de Belas-Artes do Porto. Esta escultura, que representa bem o carácter de Manuel Monteiro da Fonseca, foi descerrada, no dia 18 de Fevereiro de 1967, data da inauguração do quartel, e constitui a homenagem devida ao benemérito que foi o maior impulsionador do empreendimento.

Atleta, conjunto escultórico existente na placa ajardinada do antigo Largo da Gândara, actual Praça Escultor Henrique Moreira, da autoria do escultor Manuel Pereira da Silva.
A ideia do monumento partiu da Comissão Executiva das Comemorações das Bodas de Ouro do Futebol Clube de Avintes, que entendeu ser esse o momento próprio para esta freguesia prestar uma homenagem ao atleta universal, independentemente de raças e cor ou modalidades praticadas, gesto tido como impar em todo o País. O monumento foi inaugurado em 22 de Dezembro de 1973, com a presença do Presidente da Câmara Municipal de Gaia, Dr. Ramiro de Queirós, do Presidente da Federação de Atletismo, Engenheiro Correia da Cunha, do Governador Civil do Porto, Major Paulo Durão e o Director Geral dos Desportos, Professor Noronha Feio.

Dr. Adelino Gonçalves Gomes, busto em bronze, assente numa peanha de pedra lavrada, encontra-se na frontaria do Clube Recreativo Avintense, da autoria do escultor Manuel Pereira da Silva, foi inaugurada no dia 1 de Junho de 1952. A escultura representa uma manifestação de gratidão e de apreço de toda a freguesia ao filantropo. O Dr. Adelino Gomes era o sócio nº1 do Clube Recreativo Avintense e fora, em 1904, seu presidente da Direcção.

Bombeiro Voluntário, peça em bronze, representando o movimento de um bombeiro na posição de subir a escada, assente numa base de cantaria, está na localizada na praceta dos Bombeiros Voluntários de Avintes, da autoria do escultor Manuel Pereira da Silva, inaugurada em no dia 25 de Agosto de 1985, por altura das comemorações das Bodas de Ouro da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Avintes, registou a presença da Secretária de Estado da Emigração, Dr.ª Manuela de Aguiar e do Governador Civil do porto, Dr. Cal Brandão e do Presidente da Câmara Municipal de Gaia, António Coutinho da Fonseca.

Padeira de Avintes, escultura em bronze assente numa base construída em granito lavrado, da autoria do escultor Henrique Moreira, encontra-se na Praça Henrique Moreira. Peça em bronze, ao tamanho natural, foi solicitada ao escultor pelo Presidente da Junta de Freguesia, José Maria Alves Pereira, com a finalidade de perpetuar essa figura de mulher bela e pujante – A Padeira de Avintes, inaugurada em 27 de Abril de 1974.

Monumento ao Espírito Missionário e ao Padre José Marques Gonçalves de Araújo, conjunto escultórico instalado na placa ajardinada da Rua da escola Central, em frente à Igreja Paroquial, da autoria do escultor Manuel Pereira da Silva, inaugurada em 26 de Dezembro de 1982. O monumento compõe-se de uma forma de figura humana abraçando o mundo, construída em aço inoxidável, a base é de granito lavrado e os restantes elementos: baixo-relevo do Padre Araújo, esfera armilar, símbolo missionário e as letras da frase evangélica “Ide e ensinai todas as gentes”.
Engenheiro Eduardo Arantes e Oliveira, busto em bronze colocado numa peanha de pedra lavrada, implantada na Praceta dos Bombeiros Voluntários de Avintes, da autoria do escultor Henrique Moreira. O homenageado, ao tempo Ministro das Obras Públicas, visitou esta terra várias vezes, foi um interessado protector da construção do quartel-sede dos Bombeiros, inaugurada em 13 de Agosto de 1970.

segunda-feira, fevereiro 01, 2010

Escultor Manuel Pereira da Silva



Na edição de Dezembro de 1986, a Revista Camino Novo, propriedade do Clube Recreativo Avintense, faz referência a uma estátua alusiva ao Bombeiro Voluntário Avintense concebida pelo escultor Manuel Pereira da Silva e inaugurada em 25 de Agosto de 1985, pela Secretária de Estado da Emigração, Drª Manuel Aguiar.

terça-feira, janeiro 26, 2010

Ao amigo de ontem, de hoje e de sempre

Nen toda a palavra serve
para vestir o manel.

No corpo, na alma, em tudo
o bem e o mal vem-lhe a tons:
fica-lhe mal o veludo
e fica-lhe bem a lona.

Tem o tamanho que tem,
seja calçado ou descalço:
talvez por isso, também,
nunca deu um passo em falso.

Nasceu nu e nunca quis
tapar a sua nudez:
é senhor do seu nariz
sem ostentar altivez.

Deixo o artista de parte,
fico na minha cantiga:
que nesta coisa de arte
há muito que se lhe diga.

Fiz o retrato que pude,
desde a alma até à pele:
espero que nunca mude
- que seja o mesmo manel.

Francisco Gonçalves

domingo, janeiro 10, 2010

“Bodas de Diamante" do Grupo Mérito Dramático Avintense


O Grupo Mérito Dramático Avintense ao apresentar o Boletim comemorativo das suas “Bodas de Diamante”, 1910 – 1995, quer contribuir um pouco mais para a divulgação da sua actividade multifacetada no conjunto das manifestações culturais, recreativas e beneficentes de Avintes.






A Junta de Freguesia de Avintes atribuiu ao Grupo Mérito Dramático Avintense a medalha de Mérito, em prata, em sinal de reconhecimento pelos serviços prestados ao desenvolvimento cultural do povo de Avintes.









Ambas as medalhas foram concebidas pelo Escultor Manuel Pereira da Silva.