segunda-feira, setembro 16, 2019

Artbid - Leilão 1337 / Lote 25


Artbid - Leilão 1337 / Lote 25
MANUEL PEREIRA DA SILVA (1920-2003) (2)
Sem título
2 Litografias sobre papel
Uma com assinatura e data 1967 impressas
21,5 x 16 cm. (maior)


sexta-feira, setembro 13, 2019

Artbid - Leilão 1340 / Lote 13


Artbid - Leilão 1340 / Lote 13
MANUEL PEREIRA DA SILVA (1920-2003)
Figura masculina
Escultura em bronze patinado
Sem assinatura
30 cm. (alt.)


sexta-feira, setembro 06, 2019

Artbid - Leilão 1332 / Lote 17



Artbid - Leilão 1332 / Lote 17
MANUEL PEREIRA DA SILVA (1920-2003)
Sem título
Esferográfica sobre cartolina
Assinado e datado de 1978
59 x 42 cm.

sexta-feira, agosto 09, 2019

II Exposição de Arte Moderna de Viana do Castelo



II Exposição de Arte Moderna de Viana do Castelo realizada pelo Museu Regional de Viana do Castelo, em Setembro de 1959, esta exposição esteve patente ao público nas seguintes cidades, em Coimbra, organizada pelo Círculo de Artes Plásticas da Associação Académica, em Dezembro de 1959 e nas Caldas da Rainha, organizada pelo Conjunto Cénico Caldense, em Janeiro de 1960, com o patrocínio da Fundação Calouste Gulbenkian, planificada e organizada pelo Dr. Manuel de Sousa Oliveira.


A arte mesmo quando pareça muito afastada da vida é sempre um seu reflexo, não no sentido de imitação, como erradamente se tem interpretado a definição aristotélica, mas no de fonte da criação expressiva.


Esta exposição de artistas modernos portugueses a despeito do energético cuidado da sua organização, não pode, bem entendido, dar o panorama completo da nossa arte. No entanto, ilustra dignamente a transformação processada, em especial neste último decénio, no acerto europeu do nosso passo. E certamente terá proporcionado aos visitantes interessados o familiarizarem-se não só com aspetos característicos da arte de hoje como alguns dos nomes mais representativos das novas fileiras de Lisboa e Porto. Manuel Pereira da Silva é um dos 37 artistas presentes, com duas esculturas e duas pinturas.


Escola De Artes Decorativas Soares dos Reis



Escola De Artes Decorativas Soares dos Reis
O Ensino Técnico Artístico no Porto
Durante o Estado Novo (1948-1973)
Francisco Perfeito Caetano
Ed. Universidade do Porto
(2012)
ISBN 978-989-8265-87-6

A atual Escola Artística de Soares dos Reis foi criada oficialmente em Janeiro de 1884, sendo designada nessa altura como Escola de Desenho Industrial de Faria de Guimarães do Bonfim. A sua atividade iniciou-se um ano mais tarde em instalações precárias de um prédio de habitação no Campo 24 de Agosto.

Em 1917, a escola recebe ordem de despejo e passa a ocupar as antigas instalações do Liceu Alexandre Herculano, na Rua de Santo Ildefonso.

Em 1927 é autorizada a compra de uma velha fábrica de chapéus, na Rua Firmeza, 49. Em 1931 é criado o curso de habilitação à Escola de Belas Artes. A Escola dá cursos de cinzelador, gravador de aço, marceneiro, ourives, modista, tecelão debuxador, entalhador entre outros.

A partir de 1948, a Escola, agora denominada Escola de Artes Decorativas de Soares dos Reis, passa a ministrar cursos especializados de índole artística - Pintura Decorativa, Escultura Decorativa, Cerâmica Decorativa, Mobiliário Artístico, Cinzelador e, entre outros, as Artes Gráficas. Com a reforma do ensino secundário em 1972/73, introduzem-se os Cursos Gerais e Complementares de Artes Visuais, incluindo Artes dos Tecidos, Equipamento e Decoração, Artes do Fogo, Artes Gráficas e Imagem.

Em 2008, 124 anos após a sua fundação, a agora denominada Escola Artística de Soares dos Reis muda-se finalmente para um novo edifício na rua Major David Magno, onde antes se encontrava a Escola Secundária de Oliveira Martins. Obra da empresa pública Parque Escolar, o edifício é desenhado pelo arquiteto Carlos Prata e faz parte da fase piloto do projeto de requalificação do parque escolar do ensino secundário público nacional. Mantendo a fachada da antiga escola, todo o interior é renovado ou construído de novo de modo a receber os Cursos Artísticos Especializados criados em 2004.

Mantendo o seu projeto educativo que consiste num ensino artístico de excelência que alia a exigência na formação geral ao profissionalismo e paixão colocados na formação técnica e artística, a Soares dos Reis é hoje uma instituição de ensino de referência na cidade do Porto e no País. A equipa de professores com formação especializada conjuga juventude e experiência numa rara mistura que é receita de sucesso, hoje complementada por instalações que são das melhores do país para o ensino das artes.

Tendo em atenção a importância de ser sede de estagiários (centro de estágio) para uma instituição como a Escola Soares dos Reis, e ter no seu seio professores estagiários, consideramos relevante referir aqui os nomes e classificações dos estagiários do 5ºgrupo, constantes no livro de atas “para classificação dos professores estagiários” correspondentes aos 1º e 2º ano de estágio. São eles Mário Truta, 14 e 15 valores (1952-1953); Manuel Pereira da Silva, 15 e 17 valores (1966-1967); entre muitos outros professores estagiários.


Alguns dos professores da Escola Soares dos Reis tiveram um impacto profundo no panorama artístico nacional entre eles destacam-se Sousa Caldas, Mário Truta e Manuel Pereira da Silva.

Após uma I Exposição, nas instalações da Escola Superior de Belas Artes do Porto, com esculturas (referem-se por nossa opção, apenas os escultores) de Altino Maia, Mário Truta, Arlindo Rocha, Serafim Teixeira, Augusto Tavares e Manuel Pereira da Silva, as exposições independentes passam a ter lugar fora da escola e várias vezes fora do Porto. É um primeiro exemplo de descentralização e vontade de difusão que, apesar de tudo, não evitará uma certa marginalização dos artistas do Porto em relação aos acontecimentos e iniciativas de maior visibilidade e impacto na capital.

Importância bem maior teve a I Exposição dos Independentes em Abril de 1943. A arte abstrata portuguesa está historicamente ligada às exposições independentes cujo principal organizador e animador, Fernando Lanhas, é coincidentemente a figura central desse abstracionismo.

A II Exposição Independente apresenta-se, em Fevereiro de 1944, no Ateneu Comercial do Porto, com esculturas de Altino Maia, Arlindo Rocha, Eduardo Tavares, Joaquim Meireles Manuel da Cunha Monteiro, Maria Graciosa de Carvalho, Mário Truta, M. Félix de Brito, Manuel Pereira da Silva e Serafim Teixeira. Será a partir daí que a ação de Fernando Lanhas se fará sentir, na consistente qualidade dos catálogos e das exposições, bem como na persistência em manter vivas as iniciativas.

A III Exposição Independente tem lugar, no mesmo ano, no salão do Coliseu do Porto, com esculturas de Abel Salazar, Altino Maia, António Azevedo, Arlindo Rocha, Eduardo Tavares, Henrique Moreira, Manuel Pereira da Silva, Mário Truta e Sousa Caldas.

No catálogo da exposição, em itinerância por Coimbra, Leiria e Lisboa, em 1945, esclarece-se que o nome de “independente” não é um nome ao acaso, mas implica a consciência de que a arte é um património da humanidade e daí “a nossa variadíssima presença”, atendendo-se que o presente deve ativar-se para alcançar o futuro, não se podendo negar ao passado o direito de recordar-se.

Para Fernando Lanhas as “Exposições Independentes” do Porto marcam um momento histórico significativo na nossa pintura e escultura. Primeiro porque reúnem pintores e escultores de formação diferente (a razão de ser da palavra independente vem da não filiação num “ismo” particular), empenhados numa igual ação coletiva e mergulhados no mesmo entusiasmo. Segundo porque nelas aparece, sem preconceitos nem complexos, essa abstração original e fecunda. E em terceiro lugar porque escapam à voracidade centralizadora da capital.

Grant’s Last Battle



Grant’s Last Battle
The Story Behind the Personal Memoirs of Ulysses S. Grant
Emerging Civil War Series
By Chris Mackowski and Kristopher D. White
SB – Savas Beatie
California
(2015)
ISBN-13: 978-1-61121-160-3
Library of Congress Control Number: 2015943486




Guinea-Bissau, Africa (circa 1955)


Essa escultura em pé de Grant como presidente foi encomendada em reconhecimento à arbitragem de 1870 de Grant sobre uma disputa entre Portugal e a Grã-Bretanha sobre a antiga colônia. O governo português encomendou ao escultor Manuel Pereira da Silva para criar o monumento, que foi erguido na praça principal da cidade capital da Guiné-Bissau, Bissau. Mais tarde, sobreviveu à onda de destruição que destruiu muitos dos outros monumentos que representam o passado colonial da nação. Em agosto de 2007, no entanto, a escultura Grant desapareceu e foi descoberta em pedaços, provavelmente para uso como sucata. A polícia conseguiu recuperar todas as peças, exceto a cabeça de Grant, mas eles ainda esperam recuperar a peça e remontar a estátua.





quarta-feira, agosto 07, 2019

A Escola de Gaia


Laura Castro
A Escola de Gaia

Ao falar de artistas de Gaia num período compreendido entre os anos 60 do século XIX e os anos 20 do século XX, o panorama reduz-se quase obrigatoriamente à escultura.

De Escola de Escultores de Gaia se começou a falar insistentemente desde que António Arroio, em 1909, utilizou a expressão para caracterizar o núcleo de escultores que nasceram ou trabalharam em Gaia, sobretudo a partir da figura de Soares dos Reis. É com José Joaquim Teixeira Lopes (1837-1918), e à laia de preâmbulo, que começa a história dos escultores de Gaia. Só depois do introito que representou a sua atuação, se pode definir uma primeira geração com o nome de Soares dos Reis (1847-1889), ao qual se segue um grupo de escultores nascidos na década de 60: Joaquim Gonçalves da Silva (1865-1912), José Fernandes Caldas (1866-1923), António Teixeira Lopes (1866-1942), Augusto Santo (1869-1907), estes dois últimos discípulos de Soares dos Reis, a que pode reunir-se António Fernandes de Sá, da década seguinte (1875-1959). Contemporâneo deste núcleo é o pintor Manuel Maria Lúcio (1865-1943). Por último um conjunto de escultores nascidos nas décadas de 80 e 90, com numerosa presença de discípulos de Teixeira Lopes: José de Oliveira Ferreira (1883-1942), António Alves de Sousa (1884-1922), Diogo de Macedo (1889-1959), António Azevedo (1889-1968), Zeferino Couto (1890-), Henrique Moreira (1890-1979), José Fernandes Sousa Caldas (1894-1965), Adolfo Marques (1894-1960). Contemporâneos deste núcleo, sublinhem-se o pintor Joaquim Lopes (1886-1956) e o arquiteto Francisco Oliveira Ferreira (1884-1957).

Soares dos Reis regressa de Paris e Roma em 1872. Será preciso esperar treze anos para ver partir Teixeira Lopes para a capital francesa. E quando Teixeira Lopes se prepara para entrar na Academia (1901) e Fernandes de Sá, mesmo na viragem do século, obtém êxito em Paris (1896-1901), Oliveira Ferreira e Alves de Sousa estuda ainda nas Belas Artes do Porto, terminando o curso em 1905. Finalmente, quando Alves de Sousa está como pensionista em Paris e Oliveira Ferreira chega ao fim do seu período de bolseiro, terminam o curso António de Azevedo, Sousa Caldas, Henrique Moreira, Diogo de Macedo e Zeferino Couto (1911). Poucos anos separam a formação destes escultores, cuja atividade haveria de cruzar-se em diversas ocasiões.  Necessário se torna esclarecer a este respeito de “artistas de Gaia” que a questão da naturalidade não me parece decisiva na definição de vocações e de formações, sendo mesmo um critério pouco legítimo para apurar gerações de artistas e suas tendências dominantes ou mesmo para organizar, unicamente em função dele, uma exposição ou um estudo. O século XX veio diluir, de forma acentuada, a questão da geografia artística que impunha escolas por países ou regiões. Na contemporaneidade, e salvo algumas exceções, o termo “terra natal” não tem grande sentido quando falamos de artes plásticas. Portanto, esta fronteira gaiense é um pretexto para encarar um conjunto de artistas que viveram e desenvolveram a sua atividade a partir de Vila Nova de Gaia. Verifica-se até que alguns dos representantes dessa “Escola de Gaia” são oriundos de outros pontos do país: José Joaquim Teixeira Lopes é natural de S. Mamede de Riba Tua.

Para enfatizar esta ideia deve referir-se que, se a maioria é natural de Gaia, quase todos trabalharam no Porto e para o Porto. Ou seja, em Gaia medita-se, concebe-se, produz-se; no Porto, concretiza-se a obra, implanta-se em local público, perpetua-se a peça e o seu autor. Porto e Gaia mantiveram desde sempre estas relações estreitas, porque se as oficinas e os ateliers existiam em Gaia, era no Porto que se cumpria a formação. Afinal, este grupo de artistas apenas tirava partido das condições de mercado que lhe oferecia a cidade vizinha. E era também aí que se encontravam os locais de exposição: Ateneu, Misericórdia, Palácio de Cristal, Pátio da Associação Comercial (o local preferido por Teixeira Lopes, segundo relata nas suas Memórias) Salão Silva Porto.

Mesmo em relação aos ateliers que os escultores mantinham, alguns situavam-se no Porto: Fernandes de Sá trabalhava na R. Álvares Cabral (Bertino Daciano, 1949), Joaquim Gonçalves trabalhou numa oficina de escultura religiosa na R. da Fábrica (Romero Vila, 1964) e Henrique Moreira no Largo Actor Dias. O caso mais paradigmático desta situação é o de Henrique Moreira, natural de Gaia e que marcou decisivamente a imagem da cidade do Porto, em termos de estatuária pública.

Na mesma ordem de ideias, mas de razão inversa, refiram-se os irmãos Oliveira Ferreira – arquiteto e escultor – naturais do Porto, mas com oficina em Gaia, e com parte fundamental da sua obra aqui desenvolvida.

Forçando o esquema a adaptar-se aos exemplos disponíveis, outros poderiam ser acrescentados, como Eduardo Tavares, natural de S. João da Pesqueira, professor da Escola de Belas Artes do Porto e que manteve atelier na oficina de Soares dos Reis, já numa fase mais avançada do nosso século.

Prova bastante da apetência por esta terra e pelas suas figuras emblemáticas, e da capacidade de proporcionar alguma continuidade ao movimento nascido no século XIX. Apesar de toda a contenção de critérios anunciada, convém reconhecer a existência, em Gaia, de uma comunidade de escultores, em número muito razoável, que dominou parte da atividade artística, das encomendas e das exposições na passagem do século. As causas, se não cabem desenvolvidamente nesta abordagem, também não se poderão alhear dela. Têm sido frequentemente aduzidas razões como a proliferação de oficinas de barristas, de canteiros, de fundidores; a tradição da imaginária em madeira; a existência de fábricas de cerâmica; a realização de figuras de proa para os barcos, nos estaleiros de Gaia.

Mas o movimento inverso também será verdadeiro, a julgar pelas palavras de outro autor que considera terem as imagens religiosas de Teixeira Lopes – como a de Santa Isabel – exercido influência na arte dos santeiros populares (António Arroio, 1909). Todos estes fatores, ainda que indiretamente, contribuíram para um ambiente propício à criação artística e à decoração; montaram uma atmosfera habituada a conviver com estas áreas como atividades produtivas, conferindo-lhe um sentido utilitário e interveniente; geraram a habituação à tridimensionalidade, à modelação, em formas acabadas e prontas a colocar no remate de uma fachada, na decoração de uma frontaria, no conjunto ornamental de uma fonte, num jardim. É neste sentido que Ramalho Ortigão discorre sobre a superioridade da escultura, baseando-se no facto de os “escultores terem de ser submissamente, obrigatoriamente, operários (…) indispensavelmente (…) canteiros, fundidores, cinzeladores, barristas ou entalhadores” (Ramalho Ortigão, 1905). 

Nesta linha, leiam-se atentamente as considerações de outro crítico que estranha a falta de interesse pela escultura porque, reconhecendo que é mais difícil do que a pintura, é também “menos abstrata. Ocupa-se da forma em toda a sua verdade (…). Nenhuma convenção tem o escultor, apresenta a forma real que a sua conceção criou. (…) Passam as multidões quase sempre impassíveis diante das realidades do mármore ou do bronze para correrem entusiasmadas às seduções convencionais das imagens coloridas”. E noutro passo: “É pena por ser ela a arte que melhor faz a educação artística de um povo, pois em lugar de esconder-se sempre no recinto fechado dos edifícios, é à luz plena e livre das praças e dos jardins que ostenta o melhor das suas maravilhas.” (Ribeiro Artur, 1896).

A consciência crítica da época em relação à escultura revela ainda: “é a expressão de arte que em Portugal descreve a mais completa linha de evolução ininterrupta, desde os primeiros monumentos arquitetónicos coevos da fundação da nacionalidade até aos nossos dias”. E continua: “Não podemos, portanto, dizer, ao deparar-se-nos no século XIX tão admiráveis escultores como foi Soares dos Reis, como é Teixeira Lopes, que na sua raça não existisse a poderosa seiva artística de que eles desabrocharam”. (Ramalho Ortigão, 1905).

Qualquer dos dois autores citados trabalhou e exerceu atividade crítica face ao movimento de escultores que em Gaia se gerava e o facto de realçarem desta arte o seu lado mais oficinal e a sua faceta mais concreta, parece-me conferir-lhes um entendimento muito correto quanto ao interesse dedicado à escultura naquela vila. Toda esta argumentação encontra correspondência na conceção segundo a qual “a escultura se ocupa do corpo e a pintura da alma” (António Arroio, 1899).

Um caso muito particular da relação entre o tipo de oficinas referido e a escultura, é o de Adolfo Marques. Filho de um entalhador com o mesmo nome, desenvolveu, a partir da tradição familiar dos trabalhos em madeira, um conjunto de pequenas imagens celebrizadas como “bonecos de pau”. As peças realizadas, que recorrem à nogueira como material predominante, são de pequenas dimensões e apresentam uma fatura que cruza uma visão representativa com traços construtivos, tornando-as duras e facetadas. Traem a aprendizagem familiar inicial, mas também uma vontade de enveredar por novos caminhos que teriam sido aprofundados, não fora a desistência da Escola de Belas Artes frequentada até ao quarto ano. E é impossível não ver nestes “bonecos”, de ferreiros, de varredores, de figuras de procissão, de outras lendo a sina, de velhos sentados, de músicos populares, de D. Quixote e outros tantos de recorte literário, um aceno das figuras de cerâmica de Teixeira Lopes (Pai), no inventário de profissões e atividades populares. Muito mal conhecidas estas esculturas de Adolfo Marques provam a influência e a continuidade, atrás referida, da produção de barros, cerâmicas e trabalhos em madeira.

Um outro caso é o de Sousa Caldas que começou a conviver com a estatuária realizada  pelo pai – José Fernandes Caldas – autor de numerosas imagens religiosas, das quais as mais célebres se destinaram à Capela dos Bragas, no Porto, encontrando-se outras no Brasil, onde se radicou após a implantação da República, aí vindo a falecer. Sem que se possa estabelecer uma ligação direta entre as obras de Fernandes Caldas e as do filho, em termos de resultados plásticos, é inevitável admitir um traço de união entre as atividades que ambos escolheram.

Uma terceira figura é a de Fernandes de Sá, cujo pai tinha uma oficina de marmorista, o que permitiu transmitir àquele escultor o gosto pelos materiais que mais tarde viria a utilizar.

Diogo de Macedo iniciou-se na escultura a partir do contacto com a oficina de Fernandes Caldas, onde aprendeu a desenhar, a modelar e a esculpir a madeira.

Finalmente, nas suas memórias, Teixeira Lopes conta como começou por realizar os olhos de vidro com que abastecia os santeiros e figuras em barro, fornecendo feiras e romarias.

Da atividade destas gerações, Gaia conserva três edifícios simbólicos: o atelier de Soares dos Reis; a Casa Museu Teixeira Lopes, atelier do escultor a que se associaram, mais tarde, as Galerias Diogo de Macedo; o atelier de Oliveira Ferreira em Miramar. Edifícios que, na existência atribulada que conheceram, relatam também histórias dos artistas a eles associados.

O atelier de Soares dos Reis foi sempre um objetivo dos defensores do escultor que propunham a sua aquisição pela Câmara de Gaia, em movimentos mais ou menos organizados a partir dos anos 10 (Joaquim Antunes, 1990). Foi adquirido pelo industrial Manuel Pinto de Azevedo em 1938 e legado, por este, à Escola de Belas Artes do Porto, em 1947. Neste processo foi de grande importância a pressão exercida, nomeadamente por Joaquim Lopes, à imagem do que fazia em prol de uma casa oficina António Carneiro.

A Casa Museu Teixeira Lopes resulta do atelier fundado em 1895 pelo escultor e concebido pelo seu irmão arquiteto, José Teixeira Lopes. Em 1932 é doada com todo o seu recheio à Câmara Municipal de Gaia ficando o escultor como seu conservador e recebendo uma pensão mensal vitalícia. A este espaço ficou associado o nome de Diogo de Macedo ao qual foi igualmente dedicado um espaço de exposição das suas obras e da sua coleção, de que a Câmara tomou posse em 1971, tendo-se repetido a fórmula de uma pensão a receber, neste caso, pela viúva do artista.

O atelier de Oliveira Ferreira, onde trabalharam os dois irmãos, o escultor e o arquiteto, foi concebido por este último, autor muito desigual na sua produção que espelha ainda característica do ecletismo da passagem do século, que desenhou, entre outros, o edifício dos Paços do Concelho de Gaia (1925), rompe radicalmente com traços historicistas na Clínica Heliântia (1916). A oficina de Oliveira Ferreira foi doada à Associação Cultural Amigos de Gaia (Boletim dos Amigos de Gaia, 12, Maio 1982).

Com a preservação destes três edifícios, com o monumento a Soares dos Reis, com o busto de Henrique Moreira (de Manuel Pereira da Silva) e o de Teixeira Lopes (de Gustavo Bastos) Gaia vai homenageando a sua escola de escultores. Ultrapassando o âmbito cronológico, haveria ainda um conjunto de artistas a tratar: José Pereira dos Santos (1902-), Manuel Teixeira Lopes (1907-) Guilherme Camarinha (1912-1994), António Sampaio (1916-1994), António Coelho de Figueiredo (1916-1991), Manuel Pereira da Silva (1920-2003), Isolino Vaz (1922-1992), Paulino Gonçalves.


terça-feira, agosto 06, 2019

A Escola de Belas Artes do Porto


Após a passagem pela Escola Industrial Faria de Guimarães, Arlindo Rocha iniciou o Curso Especial de Escultura, na Escola de Belas Artes do Porto, numa altura em que o ensino nas Belas-Artes, implicava uma formação inicial, fundada nos valores do desenho, proporcionando aos alunos, depois de quatro anos de aulas intensivas de desenho de cópia, iniciarem o estudo de modelação, igualmente através da cópia do antigo; logo depois de concluir o Curso Especial, Arlindo concorre ao Curso Superior de Escultura na mesma escola. Acompanhando uma reforma de ensino, que visava modernizar o mesmo, Arlindo Rocha foi aluno de professores como Rodolfo Pinto do Couto, Carlos Ramos, Dórdio Gomes e Joaquim Lopes.

Nesta época, o responsável pela disciplina de Escultura é Rodolfo Pinto do Couto (1888-1945); discípulo de Teixeira Lopes, Pinto do Couto foi, enquanto pintor e escultor, um fiel seguidor do ensino das normas clássicas, apresentando como programa para o curso de Escultura um estudo aprofundado da figura humana, dando continuidade à Escola do seu Mestre, que viria desde Soares dos Reis. 

Durante cinco anos, os alunos respondiam aos vários exercícios de cópia dos modelos do antigo, modelando em barro pequenas estatuetas, as quais ao longo do curso evoluíam para exercícios de maior porte. O barro, dotado de uma grande plasticidade, oferece pouca resistência ao movimento da mão, livre de grandes cuidados, ou de grandes utensílios para ser trabalhado, tornando-se na matéria de eleição para os estudos de escultura, permitindo uma evolução gradual no trabalho de imitação de referentes naturais. Esta matéria, capaz de satisfazer as duas mais importantes condições para um escultor – sujeitar-se a todas as formas que lhe precisa de dar e conservar essas formas de maneira quase inalterável – convertendo-se no material de eleição para estudos de escultura, possibilitando ainda a realização de exercícios de pequena, média e grande escala. 

A aprendizagem do corpo humano iniciava-se com estudos que partiam da cópia de fragmentos de cabeças e extremidades do corpo humano em gesso, retratados numa primeira fase, em exercícios de relevo, onde os alunos tinham como objetivo aprofundar o domínio dos contornos aparentes e volumes ilusórios cuja preocupação recaía em maior parte sobre a vista frontal do relevo, podendo então o aluno evoluir, mais tarde, para figuras de vulto redondo, no qual o estudo de perfis é mais aprofundado. Da observação e representação do pormenor, os alunos chegavam à composição da figura completa no fim do curso, para além das cópias dos modelos de gesso antigos, sendo que, apenas no terceiro ano, se introduzia o estudo do modelo vivo, proporcionando assim aos alunos um domínio pleno na representação das formas do real. Na escultura, os materiais definitivos mais habituais são a pedra e o bronze, apesar de nesta altura estarem a ser introduzidos materiais industriais ou alternativos, considerados como materiais pobres. 

O atraso na procura de materiais ditos modernos para a realização de escultura está relacionado, por um lado, com o facto de Portugal se encontrar “fechado” às evoluções a que se assistia na Europa, e, por outro, com a ausência de disciplinas tecnológicas nas Escolas de Belas Artes. Seguindo o modelo de programa idêntico ao das escolas francesa e italiana, não cabia à Academia passar o conhecimento das tecnologias da escultura como a pedra, a madeira ou a fundição. Podemos dizer que a escultura era tida apenas como modelação. 

A preocupação de maior, seria induzir os alunos em disciplinas teóricas, como a Composição, deixando de parte as técnicas de “reprodução”. O talhe direto não era entendido como possibilidade de execução de obra final, mas sim como um meio ou técnica de reprodução da peça original, modelada. As técnicas da escultura eram por isso entregues a profissionais especializados, que muitas vezes tinham formação enquanto escultores, mas que carregavam em si uma tradição antiga e familiar de canteiros e santeiros, cujos usos e costumes os dotavam de uma sabedoria inalcançável em tão poucos anos de curso numa Escola de Belas-Artes. 

Os alunos de escultura, após a realização dos seus modelos em barro, acompanhavam o trabalho de formadores, responsáveis pela realização dos moldes, permitindo depois a passagem a gesso do estudo inicial. Porém, o gesso não oferece a mesma durabilidade que uma matéria nobre; aprender a dominar uma tecnologia, como a pedra ou o processo da fundição, era apenas possível àqueles que conseguiam estagiar posteriormente no ateliê de grandes mestres, que passavam aos seus discípulos os saberes, a tecnologia e as ferramentas adaptadas que evoluíam a grandes passos, tornando o trabalho de desbaste ou de fundição cada vez mais simplificado e rápido, o que irá influenciar em parte a tendência de síntese e de procura de uma linguagem pessoal do artista.

Logo após a morte de Pinto do Couto, Barata Feyo (1899-1990) toma o lugar de regente da Escultura, provocando uma série de alterações pedagógicas, iniciadas em 1949, com o objetivo de alargar o fechado ciclo académico em que o ensino da escultura se encontrava. Com a ação criativa e pedagógica de professores como Carlos Ramos, Joaquim Lopes e Dórdio Gomes, os alunos obtêm uma maior tolerância ideológica, a qual unida às iniciativas de exposições, que se realizavam de forma a unir professores e alunos numa arte tida como vanguardista, dão corpo à tentativa de modernizar o ensino portuense face à escola de Lisboa, onde se viviam os valores e as bases académicas seguidas por Simões de Almeida, Tio e Sobrinho e depois por Leopoldo de Almeida. Contudo, o ensino do Porto apenas pode ter em conta o alargamento dos ensinos da escultura, que então se encontrava em expansão, e que dera origem à construção de novos pavilhões, que tinham como objetivo introduzir os alunos nas mais variadas tecnologias. Os valores e as disciplinas teóricas permaneciam com a mesma ligação aos valores clássicos, apenas traduzidos em soluções modernas. A aprendizagem e as próprias avaliações deixam de estar balizadas por exercícios de modelos, podendo o aluno explorar e aprofundar novos temas e problemas da arte que surgiam em simultâneo com as vagas modernistas que se praticavam de forma vigorosa fora do país.

A formação académica de Arlindo Rocha acaba por ser levada, involuntariamente, pelos caminhos do «ensino hermético da morfologia humana», como podemos observar nas esculturas que realiza durante este período, dotadas de uma grande influência clássica, próximas do cânone grego, como é o caso de Juventude, um retrato de colega passado a gesso, baseado num processo de mimese; ou seja, através da representação direta, onde a idealização formal vai ao encontro do belo, carecendo a obra de elementos capazes de caracterizar o “estilo” do escultor. Curiosamente, passados quatro anos, Arlindo volta a este mesmo tema, idealizando um outro retrato intitulado igualmente de Juventude, onde tenta, de uma forma primária, libertar-se de volumes concretos que compõem um rosto humano. Desta vez, o rosto é feminino, composto de planos facetados, resultando de uma sintetização de formas e volumes, proporcionando ao escultor um primeiro exercício de libertação formal, afirmando aqui o contraste de idealização comparada à primeira Juventude, realizada em 1943, quando ainda aluno na EBAP. Neste trabalho percebemos que Arlindo Rocha procura libertar-se das formas da natureza como referentes, iniciando um processo de interiorização, no qual começa por idealizar os volumes orgânicos, que compõem um rosto, como volumes concretos, através de planos geométricos, iniciando o escultor num percurso que se demonstraria, mais tarde, uma afirmação formal e abstrata da escultura.

Arlindo Rocha afirma ter começado a aprender escultura quando deixaram de lhe a ensinar, não por desprezar a sua formação académica, mas por se interessar, desde cedo, pela possibilidade de desmaterialização da escultura, procurando assim novas respostas para uma prática escultórica nunca antes explorada em Portugal. Esta pesquisa pessoal seria, no entanto, dificultada quer «pelo longo estágio em volta de objetos somente vistos», quer pelo «clima de completa estagnação e absoluta falta de informação, que os alunos procuravam quebrar com iniciativas próprias».

Arlindo Rocha realiza a sua obra de fim de curso apenas em 1951, onde apresenta, para avaliação, um relevo alusivo à morte de António Francisco Ferreira da Silva Porto (1818-1890). Tratava-se de um baixo-relevo, que faria parte integrante do Monumento a Silva Porto – O Pioneiro, o qual Arlindo, juntamente com o arquiteto Vasco Vieira, se encontrava a desenvolver, para erigir na cidade de Silva Porto, Bié.

Devido às dimensões do seu trabalho final, Arlindo Rocha requer ao Director da Escola de Belas Artes do Porto a realização do relevo no ateliê onde trabalhou até 1956. Tratava-se do ateliê do escultor Henrique Moreira (1890-1979), instalado ao fundo do Jardim Arnaldo Gama, que Arlindo partilhou com o amigo Manuel Pereira da Silva (1920-2003). Com um percurso dentro de uma estética realista, Henrique Moreira era um escultor também da antiga escola, cujo modelar académico é completamente visível nos seus trabalhos, particularmente naqueles que resultaram em fundição, mas que deixa visível uma certa influência da Arte Déco, quando talha a pedra, em particular as figuras femininas. Não podemos, por isso, afirmar que Henrique Moreira tenha transmitido a Arlindo qualquer característica da sua forma de pensar ou fazer escultura. Porém, seria interessante fazer o estudo da vivência do escultor Henrique Moreira com os seus discípulos, uma vez que, apesar da sua evidente admiração pela linguagem clássica, esse convívio parece ter deixado impressiva marca nos dois discípulos os quais, de forma diversa, se dedicaram à procura de uma linguagem pessoal, dentro uma linguagem de cariz abstratizante. 

Na foto vemos de frente Arlindo Rocha e de costas Manuel Pereira da Silva, no atelier de Henrique Moreira.

Obtendo a nota final de 17 valores, o referido trabalho de final de curso reúne em si a composição e idealização clássicas, com uma conceção mais sintetizada, que nos relembra um pouco o trabalho do seu colega de ateliê, Manuel Pereira da Silva. Com a maior simplicidade e resultante de um demorado processo de sintetização, o homenageado é representado sem vestes, envolto apenas numa bandeira, figurando a nota biográfica da morte de Silva Porto. O corpo e a bandeira são de um contraste de claros e escuros absolutos, para um trabalho quase sem modelação volumétrica, assemelhando-se a uma incisão de desenho no próprio granito. O resultado final, podemos considerar, vai ao encontro de um trabalho contemporâneo para o seu tempo, uma vez que não se baseia na modelação, mas no talhe direto, em que apenas duas maquetas, à escala, foram realizadas anteriormente. Através da criação de planos e linhas cortantes, escavadas em profundidade na pedra, Arlindo obtém os contrastes necessários à perceção do seu tema, não tendo assim de se preocupar em realizar a passagem de luz entre volumes orgânicos, o que reforça um pouco a aparência mais geométrica deste relevo, que se aproxima da linguagem pessoal do artista, que se vinha a afirmar em dois campos distintos da escultura, um mais figurativo e outro desprovido de figuração, oi mais próximo de um esquematismo e antítese formais. 

Num meio onde as notícias sobre as principais figuras da Arte Contemporânea eram escassas, valia a estes jovens a partilha, por entre tertúlias, das experiências pessoais durante viagens ou mesmo a troca de revistas internacionais, raras na época, o que faz com que os ecos do modernismo em Portugal assumam uma grande importância. Os jovens estudantes procuravam conhecer os novos valores da arte que se fazia e vivia fora do país. Nesta geração portuense evidenciam-se vários nomes, os quais constituiriam um grupo particular: Fernando Lanhas, Nadir Afonso, Arlindo Rocha, Fernando Fernandes, Amândio Silva, Manuel Pereira da Silva, Altino Maia, Eduardo Tavares, entre outros. São jovens estudantes, da Escola de Belas Artes do Porto, que realizaram um conjunto de exposições Independentes, manifestando assim uma vontade de descentralização cultural, além das iniciativas de maior visibilidade e impacto que aconteciam quase de forma exclusiva na capital.

Em 1943, este grupo de estudantes da Escola do Porto resolve unir-se contra os grandes centros de exposições que decorriam quase de forma exclusiva na capital. Com o nome de Independente, a primeira exposição decorre nas instalações da própria Escola de Belas Artes do Porto, contando com a presença quase exclusiva de alunos.

Fernando Lanhas expõe, nas Independentes, as suas primeiras experiências abstratas, sugerindo mesmo aos colegas a experimentação do vasto campo da abstração. Ao mesmo tempo que Lanhas mostra as suas pinturas abstratas, Arlindo Rocha, que à data assinava como Arlindo Gonçalves, apresenta as suas primeiras experiências abstratizantes no campo da escultura.

O grupo expande-se cedo, abrindo portas a professores ou artistas que demonstrassem vontade de prosseguir essa vontade de descentralização cultural, através de várias iniciativas, nas quais é evidente a recusa à filiação de um estilo.

As Exposições Independentes assumem justo valor, por constituírem uma primeira ação coletiva à época, mesmo não estando estruturada sob uma vanguarda definida, inaugura um diálogo inovador no campo da arte portuguesa, proporcionando condições favoráveis ao aparecimento e desenvolvimento da tendência abstratizante.

Ana Luísa Oliveira
MESTRADO EM ESCULTURA PÚBLICA


A Escultura em Portugal na primeira metade do séc. XX


O início do séc. XX em Portugal foi marcado por um período instável devido à sucessiva queda e posse de governos durante a Primeira República (1910- 1926). A sociedade portuguesa encontrava-se longe de obter as condições necessárias para o desenvolvimento cultural e ideológico, avançando, a passos largos, para um ritmo desacertado que se sentiu entre a arte portuguesa e a arte realizada fora do país.

As academias permaneciam fechadas, mantendo o mesmo regime de ensino, valorizando e dando continuidade ao sistema clássico, onde a representação concreta do real, obtida através de um processo de cópia, é a preocupação maior dos artistas. As matérias-primas de eleição continuam a ser as mais tradicionais. Na pintura, o óleo; na escultura, o barro é a matéria predileta para as modelações, posteriormente passadas a um material definitivo. Enquanto isso, lá fora os novos materiais e tecnologias despertam o interesse plástico dos artistas, contribuindo para o surgimento de novas tecnologias e tipologias artísticas, como a introdução do ferro, alumínio, aço inoxidável, as resinas e cerâmicas ou aglomerados de madeira, às quais se seguiram as novas vanguardas que se afirmavam contra a tradição académica.

Porém, e em parte devido a experiências vividas fora do território nacional, assistimos a pequenos grupos que iniciaram uma procura modernista com trabalhos que renunciam à tradicional estética de raiz aristotélica, assente na mimese, evidenciando nas suas obras uma linguagem bastante pessoal, uma representação do mundo baseada numa visão muito própria, afirmando-se como procura de uma realidade, possivelmente, mais verdadeira, que o artista encontraria no seu interior e não no mundo comum. Contribuíram para uma primeira reflexão, em torno da arte de cariz mais expressionista e abstrata, as obras de Santa Rita Pintor e Amadeu de Souza-Cardoso a quem se juntou, numa fase posterior, um grupo de estudantes da Escola do Porto, onde se destacam nomes como Fernando Lanhas, Nadir Afonso, Manuel Pereira da Silva e Arlindo Rocha. Um pensamento estético e literário renovado iniciava-se nestes pequenos grupos organizados, aventurados em estratégias provocatórias face às práticas políticas e culturais conservadoras e, de certo modo, reacionárias à modernidade. A revista Orpheu, publicada em 1915, procurou afirmar uma grande influência na modernidade, sendo o seu “vanguardismo” inspirador de movimentos literários, que cedo despertaram as piores críticas, uma vez que propunham uma arte cosmopolita no tempo e no espaço, uma arte verdadeiramente moderna, que traria consigo a renovação da literatura e das artes em Portugal. Na revista Presença (1927-1940), assistimos a uma continuidade da linha de pensamento e intervenção iniciadas com a revista Orpheu. Estas revistas tornam-se numa fonte de divulgação de novos pensamentos estéticos de autores portugueses, bem como de alguns ensaios de escritores europeus. A estas edições juntaram-se ainda exposições e conferências organizadas com o fim de mostrar as novas opções culturais, quase sempre através de iniciativas privadas. Este novo despertar cultural que parecia acompanhar de perto o pensamento artístico internacional, não obtém da parte do público uma grande atenção, uma vez que o nível de alfabetização é muito baixo e nos meios urbanos as inovações intelectuais não tomam o lugar do conservadorismo que então se fazia sentir. A sociedade portuguesa da época encontrava-se pouco esclarecida a nível cultural, permanecendo fechada nos gostos da velha ordem, reforçando o desfasamento cronológico e ideológico entre as vanguardas e os artistas portugueses. A falta da livre circulação de livros, e informação, acaba por resultar na falta de uma consciencialização plena da arte que se vinha a praticar fora do país.

O Estado Novo (1933-1974) tornou-se em esperança contra o desgoverno político e económico em que se encontrava Portugal devido à Primeira República; para isso, o Estado reforça os valores ideológicos de Deus, Pátria e Família; autoridade, disciplina e ordem; corporativismo e catolicismo. As artes plásticas tornam-se em veículo de propaganda ideológica mais conveniente e favorável, sendo o país “adornado” de norte a sul com pequenas e grandes obras públicas resultantes em edifícios rígidos, revestidos com obras de escultura, pintura e tapeçaria.

Este período ficou associado a uma arte nacionalista, deixando uma marca equilibrada e funcional entre arte e poder, como demonstrou a Exposição do Mundo Português em 1940. Esta iniciativa atingiu dimensões até então nunca antes vistas, tendo como missão passar ao acto, em forma de comemoração, a consagração pública e a legitimidade representativa do Estado a nível ideológico e histórico. Cabia aos artistas transmitir de forma clara ao público esses valores, dando a conhecer também as personagens míticas portuguesas, exaltando a grandeza do passado, que se revia na do presente, esperançosa de alcançar o mesmo impacto no futuro de Portugal.

O Estado define uma arte associada ao sistema clássico, uma vez que seria a forma de melhor dialogar com os portugueses de qualquer classe social; o artista deveria ainda pontuar a obra de arte com pequenos apontamentos construtivos, conduzindo-o, de forma subtil, por caminhos que, avançando para a síntese das figuras, posteriormente o aproximam da abstração. Como a síntese formal faz parte da interpretação pessoal de cada um, a procura da individualização do artista e a procura da autonomia da arte tornam-se cada vez mais conscientes. Volta a ser visível uma vontade de rutura vanguardista que busca na natureza comum e na natureza pessoal uma reinterpretação do mundo, espelhado na obra de arte sem referências diretas às leis da beleza da realidade concreta.

Portugal atinge assim um período, dentro do possível, estável, onde o poder do Estado Novo conseguirá restituir valores, já perdidos, no seio da sociedade portuguesa, que, em conjunto com a ação de propaganda nacional, através do apoio das artes, acaba por modelar a sociedade, tornando possível a abertura cultural e ideológica que se encontrava com um grande desfasamento temporal em relação à Europa. Se na opinião de alguns autores, o Estado Novo origina crises sociais devido à censura e à imposição de estilos oficiais que geram algum atraso no desenvolvimento cultural do país, outros entendem este período como áureo, no sentido em que, no âmbito cultural e, em boa parte, devido ao trabalho de António Ferro, o governo se torna numa estrutura organizada, quase como máquina de propaganda dos valores heroicos nacionais, permitindo assim o desenvolvimento das artes plásticas, regularmente subsidiadas de uma forma exorbitante. O poder do Estado Novo é transmitido à população por meio da sua obra majestosa, ficando assim o país a ganhar com exemplos curiosos de arquitetura estado-novista e, por acréscimo, das artes ao serviço do estado, como será o caso da escultura, pintura, tapeçaria entre outras.

A importância e a ação determinante das vanguardas artísticas e a necessidade dos seus momentos de rutura são por isso de valorizar: «[a] função social do artista ao aperfeiçoar ou a inventar aquilo a que veio a chamar de “linguagens”, cria condições de consciencialização» do contexto político e social da época em que viveu.

No domínio artístico, a «revolução contida e pacata» surge mais fundamentada por volta de 1945. Neorrealismo, Surrealismo e Abstracionismo são praticados de forma muito contida, acompanhados de polémicas violentas até meados dos anos 50. Contudo, isto não será impedimento para a realização de Exposições Independentes, ou para a inauguração da primeira escultura abstrata adquirida pelo Estado para um espaço público. Os artistas modernos exploram estas novas linguagens plásticas, opositoras à linguagem clássica, no seio de uma luta de valores éticos e estéticos, perante uma sociedade que, como vimos, não estava preparada para os acompanhar.

Neste mesmo período, dá-se um dos grandes momentos da história cultural portuguesa dos tempos modernos. A redescoberta da obra de Fernando Pessoa, até aí desconhecida para a maioria dos cidadãos. Depressa a obra deste autor se revelou de grande interesse para as artes nacionais, possibilitando o retorno do ritmo perdido, no início do século, das primeiras manifestações modernistas, exaltadas também com a redescoberta das obras de Santa Rita e Amadeu, que como vimos, marcaram a primeira geração de modernidade, a qual permanecerá, como referência, até meados da década de 1940, como veremos.

Ana Luísa Oliveira

MESTRADO EM ESCULTURA PÚBLICA

segunda-feira, agosto 05, 2019

Quando a escultura procurou ser apenas escultura


Esculturas de Arlindo Rocha
Quando a escultura procurou ser apenas escultura
Ana Luísa Oliveira
MESTRADO EM ESCULTURA PÚBLICA
Dissertação orientada pelo Professor Doutor José Carlos Pereira
2011
UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE BELAS-ARTES

Arlindo Gonçalves da Rocha, escultor portuense, foi, juntamente com Fernando Fernandes e Manuel Pereira da Silva, um dos pioneiros da escultura abstrata em Portugal. Uma viagem de estudo, em 2008, foi o ponto de partida da investigação em torno da obra de Arlindo Rocha, artista que revelou num grande espólio artístico, rico e diversificado em materiais, meios e estilos, levantando, por isso, algumas questões iniciais, nomeadamente a presença de duas linguagens artísticas distintas, uma fundada em valores neofigurativos, e outra, mais sólida e inovadora para o seu tempo, inaugural de uma linguagem neoplástica na escultura portuguesa. Para uma melhor compreensão desta questão, esta dissertação inicia uma tentativa de perceção das coordenadas artísticas e do tempo em que o escultor viveu. Ao compreender a sua época poderemos entender a razão da forma tímida como surgiram as primeiras experiências de uma arte abstratizante, que se pretendia moderna e abstrata, mas que permanecia neofigurativa. Como tal, este trabalho procurará ainda fazer a análise de algumas esculturas de Arlindo Rocha, onde reconhecemos um marco inaugural, sobretudo na exploração de novas linguagens plásticas, que nos auxiliam na compreensão da obra global deste escultor.