terça-feira, fevereiro 11, 2014

Bernardo Pinto de Almeida


Bernardo Pinto de Almeida esteve sempre envolvido em coleções institucionais. Estive ligado à coleção de Serralves na comissão de compras entre 85 e 92, depois de 92 a 95 estive ligado ao grupo que organizou a coleção do MEIAC em Badajoz, de 1996 a 2002 à Fundação Cupertino de Miranda. Como crítico estive ligado à atividade colecionista portuguesa e à sua transformação ao longo de 25 anos.
Como curador de coleções estive ligado à Fundação de Serralves, numa comissão que incluiu o Fernando Pernes, o Alexandre Melo e o arquiteto Nuno de Almeida, o programa era de dotar o futuro museu de arte moderna de uma coleção consistente do ponto de vista da arte moderna, sem nunca perder de vista a arte contemporânea portuguesa a partir da década de 60 até à década de 80.
Temos vários museus de arte contemporânea que não cumprem essa função, como Serralves e Chiado. O problema é que se comportam como centros de arte e não como museus, com a exceção da Gulbenkian, que constitui uma coleção modernista. Por outro, o Estado em Portugal não vigia como deveria práticas culturais dos museus a quem entrega o dinheiro, se estão a cumprir os estatutos, não temos uma comissão que analise isso, como há em Inglaterra, com o ICA (Institute of Contemporary Art), que vigia de facto, existe também em Espanha, França e E.U.A..
Por exemplo, numa certa altura levantou-se suspeitas das relações entre o Museu do Chiado e a Fundação Elypse, pela simples razão que o diretor do Chiado era também curador da Fundação Elypse e muitos artistas que tinham exposto no Chiado tinham exposto na Fundação Elypse.
O problema de Portugal é que de 1000 colecionadores potenciais, talvez só 50 ou menos tenham uma pequena ideia do que existe nas coleções dos museus e não estão suficientemente esclarecidos dos processos que conduziram a isso. Nas instituições portuguesas ainda estamos no plano do gosto, o museu tal tem um diretor que gosta de croissant com fiambre, o outro museu tem um que só gosta de água do luso, e depois os artistas que não estão nem num nem noutro grupo nunca podem ver os seus trabalhos expostos.
A galeria Nasoni teve um impacto muito grande no mercado da arte ao inflacionar os preços, porque procurava criar uma dinâmica próxima da internacional. E desde cedo eu afastei-me por não concordar com isso. Quando a galeria começou a criar reputação, visibilidade e dinheiro, alguns dos sócios fundadores gananciosos deixaram cair o barco e aproveitam as mais-valias para ir embora. Primeiro ponto, a sustentação económica desapareceu; segundo problema: a Nasoni não tinha projeto cultural sério, muitos dos artistas com quem trabalhou foi um mero acaso, uns eram bons, outros eram maus, outros eram assim assim. Houve muitos artistas que entraram e saíram e os que ficaram não foram os melhores nem os mais interessantes. Portanto, com tantas perdas a Nasoni caiu, tendo criado a ilusão que havia um mercado de arte. O mercado é cego, vai para onde julga dá mais.
O crítico de arte é um agente que funciona do lado do artista, que o proteja do mau mercado, tem o papel de produzir um pensamento construído sobre aquilo que a arte ensina, que compreende o idioma da arte e o traduz para toda a gente.  
 Fernando Pessoa, além de um grande poeta é um grande crítico que estava constantemente a desafiar a criação que se faz à sua volta. Em Portugal há muito poucos críticos que o façam atualmente. Hoje há uma regressão nesse campo, os jornais fecharam-se. Há por outro lado uma disseminação de opiniões críticas na internet, mas a que muito pouca gente chega porque são grupais, tendem para o tribalismo. Eu julgo ter feito parte da última geração crítica que existiu em Portugal no sentido que havia várias vozes que pensavam diferentemente e que às vezes se digladiavam e discutiam entre si. Essa geração foi absorvida quase toda pelas instituições, e portanto não houve espaço público que as acolhesse, como noutros países.
Em Espanha e França isso é fortíssimo, os jornais querem jovens estagiários que digam umas coisas sobre arte, neste momento também não há revistas de arte em Portugal, as que havia fecharam.

Alexandre Melo


Alexandre Melo é curador da coleção do Banco Privado e da Fundação Elypse. A coleção do Banco Privado foi uma coleção iniciada há mais de meia dúzia de anos e que inicialmente era uma coleção só de arte portuguesa contemporânea e que estava a ser reunida no âmbito do protocolo entre o Banco Privado e a Fundação de Serralves, segundo a qual as obras da coleção do Banco Privado seriam depositadas em Serralves, o que fazia com que critérios de aquisição e as aquisições fossem decididas em colaboração por mim enquanto responsável pela coleção do Banco Privado e pelo diretor artístico de Serralves, na época Vicente Tolodi, já na altura com a colaboração de João Fernandes, e depois com João Fernandes.
Ao fim de 3 ou 4 anos de trabalho fez-se uma exposição da coleção do Banco em Serralves, que ocupou todo o espaço do museu, só de arte portuguesa. Posteriormente o Dr. João Rendeiro, presidente do Banco, decidiu tornar a coleção aberta à arte internacional, continuando a colaboração com Serralves. Com a evolução da coleção já com uma dimensão internacional o Dr. João Rendeiro teve a ideia de criar a Fundação Elypse, dirigida por ele, com o contributo de outras pessoas de Portugal, Brasil e Espanha, é uma fundação internacional com sede na Holanda, embora o centro matriz esteja em Portugal, com o objetivo mais ambicioso de construir uma coleção de arte contemporânea internacional que se torne uma coleção de referência para o período de viragem do século, fim do séc. XX, princípio do séc. XXI. Há 3 curadores e depois há um painel de consultores com quem nós nos reunimos formalmente uma ou duas vezes por ano.
A coleção tem três componentes, tem os artistas que nós consideramos históricos, com obras de final dos anos 70, primeira metade dos anos 80, depois há alguns artistas que constituem o núcleo central da coleção que tiveram uma afirmação mais forte, mais original no panorama mundial nos últimos 10, 15 anos, e depois temos os artistas emergentes, que se começou a ouvir falar nos últimos 5, 6 anos.
Aquela ideia do critério de arte como o papa que constrói e destrói uma reputação com um texto, penso que já não existe. Hoje a maioria dos textos que se publicam sobre artes plásticas não são textos de crítica, são textos noticiosos, reportagens, entrevistas, notas jornalísticas e da valorização das obras depende dum discurso que é mais jornalístico, do que propriamente crítico no sentido artístico.
Toda a situação do colecionismo ao longo do séc. XX é miserável. Portugal chegou ao fim do séc. XX sem ter nada de nada, é um escândalo, é a demonstração do absoluto subdesenvolvimento cultural de Portugal ao longo de todo o séc. XX.
A coleção Berardo é uma coleção que vem modicar de forma significativa a referência do colecionismo e da arte em Portugal e o contrato de comodato (empréstimo ao Estado) por 10 anos é equilibrado.  A coleção Berardo foi criada segundo critérios históricos englobando blocos cronológicos à semelhança de um compêndio ou de uma história de arte, valoriza perspetiva didática e pedagógica.  
Sou atualmente assessor cultural de José Sócrates sem poder de decisão nem de orçamento.
O mercado da arte hoje passa essencialmente por Londres e Nova Iorque embora a Alemanha e a França ainda tenham algum peso, mas há centros de arte a emergir por todo o lado.
É frequente haver exposições internacionais em que há tantos artistas portugueses como espanhóis, nas mais novas gerações de artistas.

terça-feira, fevereiro 04, 2014

João Fernandes


João Fernandes refere que em Portugal mais do que colecionadores de arte tem havido compradores de arte. Tradição de colecionismo em Portugal.
È curiosos pensar como em Portugal, nas coleções portuguesas e nas casas portuguesas as artes decorativas são privilegiadas em detrimento da pintura ou escultura. Isto acaba por cair numa cadeia que não estimula os artistas para se desenvolverem, para criarem obras.
Portugal continua a ter artistas e sempre teve. No séc. XX, apesar de as coisas serem extremamente difíceis na história de Portugal, temos gerações de artistas muito interessantes quer no primeiro modernismo, quer com a geração de Amadeu de Sousa Cardoso, do Eduardo Viana, do Almada, que foram contemporâneos do deu tempo, praticamente desde os anos 60 Portugal tem produzido gerações sucessivas de artistas onde encontramos sempre artistas muito interessantes e que muitas vezes não são conhecidos fora de Portugal em função do isolamento do país, da falta de estruturas e da falta de colecionadores também.
A galeria é mais rica por aquilo que compra do que por aquilo que vende.
As coleções do Sr. Abreu que no Porto terá sido uma coleção internacional de grande dimensão, com artistas portugueses e internacionais, e que vendeu a sua coleção a Jorge de Brito, em leilões internacionais e a galerias internacionais poderosas que vieram a Portugal nos anos 70, porque ele estava assustado com o contexto económico e político da época.
Às vezes certas leis do mercado não existem porque o preço da obra de arte é definido duma forma aleatória entre o artista e a galeria, independentemente da compra e venda.
Acho que ao longo dos últimos 5, 6 anos há uma nova geração de pessoas a interessar-se por arte, o aparecimento dessa nova geração corresponde também a um novo fenómeno, a globalização no mercado da arte contemporânea, a circulação acelerada por todo o mundo de colecionadores, o novo fenómeno das feiras de arte, o novo papel que as galerias têm, tudo isso acabou por chegar a Portugal.
São os colecionadores que alimentam o mercado e que por sua vez permitem aos artistas trabalhar e sobreviver.
Portugal tem sido um país muito instável porque tem muito poucas instituições a trabalhar com arte, tem um sistema de circulação muito reduzido para um artista em termos de exposições dentro do país. È muito difícil para um artista português, embora seja mais fácil que noutros tempos, circular fora do país, e na verdade acho que as galerias não têm constituído colecionadores.
Em relação à programação das galerias nota-se por vezes opções que não entendo. Em Serralves efetuamos mais de 200 exposições e fora de Serralves desde que o museu abriu, não passaram de meia dúzia os artistas estrangeiros que nós expusemos, e foram centenas, que terão tido exposições em galerias em Portugal.
Os museus são instituições de referência, ver as programações dos museus, ver os currículos dos artistas, há várias formas de construir o conhecimento, eu não apresento artistas em primeira mão a não ser que seja um concurso de artistas. As instituições servem de referência e de orientação para os colecionadores. Esta nova geração de colecionadores por vezes não compram em Portugal, ou não compra artistas portugueses, porque se sentem inseguros das opções que lhes são oferecidas. No entanto vão comprar à ARCO, a Londres ou Nova Iorque porque se sentem seguros de aquilo quem uma galeria em Londres ou em Nova Iorque lhes oferece.
O mundo da arte hoje é uma constelação muito prolífera de artistas e se nós formos ver os artistas que estão na moda numa determinada altura podem deixar de o estar noutra, o mundo da arte é um fenómeno muito complexo porque de certo modo se industrializou e nesse aspeto tudo parece mais confuso, porque é tudo de muito maior dimensão, há milhares de artistas, no mundo inteiro, cada Bienal de Veneza apresenta-nos mais de 200, 300, ou 400 artistas.
Esta industrialização da arte começou a surgir à 20 anos. Hoje há milhares de pessoas a viver da arte, a viver de vender arte, a viver de comprar arte, a viver de apresentar arte, a viver de escrever sobre arte. Se calhar os artistas são uma minoria hoje no mundo da arte, enquanto à 30 ou 40 anos não eram. Isto faz com que haja arte comercial e arte não comercial, arte que se vende e arte que não se vende, isto não quer dizer que uma seja boa e a outra má.
A arte é em princípio aquilo que os artistas fazem. O que carateriza a obra de arte é que não há regras em relação a estilos, géneros ou suportes, um verdadeiro colecionador não compra obras de arte só para decorar a casa, diz-se normalmente que uma coleção começa quando acaba a decoração da casa.
A programação do Museu de Serralves procurou constituir um núcleo que representasse as décadas de 60 e 70 de arte contemporânea, localizamos nessas datas o início da contemporaneidade artística curiosamente essa nossa opção foi acompanhada por um reconhecimento logo a seguir, depois de nós termos feito isso e aberto o museu, as grandes leiloeiras como a Christie’s, a Sotheby’s e a Phillips, começaram a criar departamentos específicos de arte contemporânea acompanhando a mesma datação.
Nas décadas de 60 e 70 assiste-se a uma mudança de paradigma em relação à obra de arte, nós encontramos toda uma sociedade que se discute e discute os seus limites, as suas características, as suas estruturas, as suas formas de organização, etc. A maior rutura do séc. XX na obra de arte, nos anos 10, 20, quando apareceram o construtivismo soviético, o dadaísmo, o surrealismo, o futurismo, as grandes vanguardas artísticas do início do século vão ser revistas por esta segunda geração que não as vai citar, pelo contrário, vai continuá-las de uma certa maneira e refundir um forma de fazer arte no sentido em que Richard Serra referia de arte sem limites, esta noção radical que põe em causa o objeto de arte, que desmaterializa o objeto de arte, que deixa de o transformar em mercadoria, que vai contra a sua apresentação e conservação em museus, que põe em causa o museu, que os artistas na altura fecharam em várias manifestações e greves em vários países do mundo, vai obrigar a transformar os museus e transforma o mundo da arte. Esta é uma grande revolução. E sem dúvida era importante para nós num país que tinha perdido a contemporaneidade artística ao longo do séc. XX, assumir um museu de arte contemporânea. Não teríamos nenhum problema em assumir um museu de arte moderna, mas com o orçamento que tínhamos disponível isso seria completamente impossível e por outro lado achamos que é prioritário um museu de arte contemporânea. Nós fizemos isso na década de 90, começamos a fazer esta coleção a partir de 97.
A exposição de abertura do Museu foi uma exposição-manifesto da sua nova coleção, reunindo obras de artistas portugueses e estrangeiros representativas do período histórico que a abrange e fundamenta. Com o título "Circa 68”, de 08 JUN 1999 a 29 AGO 1999, esta exposição ocupou simultaneamente o Museu e a Casa, apresentando não só as obras da coleção como igualmente outras obras que a permitem contextualizar. Constituiu, deste modo, uma exposição sobre a coleção, à volta da coleção, evidenciando o contexto artístico e cultural das linguagens experimentais que se transformaram num símbolo cultural do mundo ocidental o ano 1968. Apresentamos um conjunto de 600 obras produzidas entre 65 e 75, compramos ao longo de sete anos 80% destas obras, desde 97 até hoje adquirimos cerca de 1000 obras, e depois temos várias coleções em depósito cá, desde coleções institucionais como a Fundação Luso Americana, a coleção do Ministério da Cultura e várias coleções particulares.
Mas para nós foi prioritário durante os primeiros anos do museu eliminar algo que para nós era muito negativo na sociedade portuguesa. Se Portugal já não tinha Matisse, Picasso, Brancusi, Giacometti, Man Ray, Portugal tinha falhado no séc. XX de uma certa maneira, ao menos que nós conseguíssemos ter Richard Serra, Oldenburg, Polke, isto é, nomes fundamentais da contemporaneidade artística, ao mesmo tempo que procuramos representar um contexto português.
É neste período que existe uma mudança de paradigma da arte portuguesa, é a partir de finais da década de 50 que um conjunto de artistas portugueses vai para o estrangeiro graças às bolsas da Fundação Gulbenkian e que também os artistas procuram informação contra o regime, contra a censura, contra a falta de liberdade. E digamos discussões obsoletas que se passavam na arte portuguesa começam a ser transgredidas por uma nova geração de artistas, e a geração de Lurdes de Castro, René Bertholo, Helena Almeida, Ângelo de Sousa, Ana Haterly, Ernesto Melo e Castro, Ana Vieira, em que nós temos tantos artistas que na verdade configuram uma geração nova que é contemporânea do seu tempo.
Na verdade Portugal tem uma geração nova que é contemporânea do seu tempo com o modernismo, com o Amadeu de Sousa Cardoso, os Parisienses da 1ª geração, e tem depois uma 2ª geração apenas nos anos 60, fenómenos de contemporaneidade artística no intervalo destes dois períodos são muito raros e quase só ocasionais e pessoais. É o caso de Fernando Lanhas e de Nadir Afonso.
Por outro lado, era para nós muito importante olhar para o contexto internacional a partir da arte portuguesa e olhar para a arte portuguesa a partir do contexto internacional, porque há zonas de interseção e há obras de artistas estrangeiros que nós compramos em função de artistas portugueses que nós temos na coleção, e há obras de artistas de arte de artistas portugueses que nós compramos em função de artistas estrangeiros que temos na coleção, procurando assim diálogos, confrontos, etc.  
Enquanto nos anos 60 e 70 há um período que de algum modo abrange todo um conjunto de núcleos de artistas que funcionam e trabalham em vários países do mundo, seja na Alemanha, seja na Itália, com arte povera, seja nos E.U.A. com arte conceptual e pós-minimal, seja em França.
A partir dos anos 80 os artistas não existem enquanto grupos, movimentos ou em linguagens, cada artista é um conceito de arte, é uma linguagem, deixou de haver um período.
Nós queremos ter obras emblemáticas dos artistas mas sobretudo obras que surpreendam. Aquilo que faz dum artista uma etiqueta é a sua receção, nós queremos ser agentes de uma receção e por isso fazemos a nossa pesquisa, o nosso estudo. Em relação à geração de 80 e 90 nós estamos a trabalhar por constelações de artistas procurando nome a nome, tais como Thomas Schutte, Luc Tuymans, José Pedro Croft, Pedro Cabrita Reis.
Não temos uma exposição permanente como o Museu Soares dos Reis, a nossa coleção é jovem e só a expomos uma a duas vezes por ano no museu, ela circula pelo país noutros museus, neste momento temos 14 exposições fora.
Quando procuro um artista, procuro perceber qual é a sua linguagem, o que é que ele acrescenta à arte que eu conheço e quais são os problemas que ele coloca à arte. Mais do que conhecer, ser surpreendido por aquilo que não conheço. O artista constrói e cria problemas a si próprio, há um confronto do artista consigo mesmo e é esse confronto que depois transparece na obra.
Hoje há jovens artistas que começaram a trabalhar há 5 anos e que já expõe em Nova Iorque, em Londres, isso seria inimaginável há 20 anos atrás. Hoje há uma grande curiosidade no mundo em relação a Portugal.
Para mim o museu ideal seria um misto de laboratório, um espaço de trabalho e experimentação e ao mesmo tempo biblioteca para estudiosos, esse museu hoje não existe.

segunda-feira, janeiro 27, 2014

Cristina Guerra


Cristina Guerra trabalha com arte contemporânea desde 1983-84. Abriu a Galeria Cristina Guerra em 2001, sozinha. Antes trabalhava com a Filomena Soares, de 97 a 99. E antes disso fiz o Centro Cultural que deu origem ao Centro Cultural de Cascais. Neste momento tenho artistas a sair para fora a fazerem museus. Quando começaram a trabalhar comigo as obras custavam 500€ e agora custam 20.000€. Mas demora muitíssimo tempo, são 10 anos. As galerias têm a cotação real dos artistas, o preço real de um artista está nas galerias. Para mim o sistema triangular da galeria, do crítico / curador e do colecionador continua a ser válido e essencial. Um curador teoriza a obra que o artista faz e portanto há uma melhor compreensão da obra por parte do colecionador.
Em 97 é que se começou, porque as pessoas só queriam telas e começaram a comprar papeis. Hoje em dia o papel pode ser tão caro como uma tela, interessa-lhes a obra em si.
Os colecionadores Americanos, Ingleses e um pouco os Franceses se gostam de uma obra compram. Os Suíços e Alemães querem saber o que é que o artista fez, estudam a obra e só depois é que compram
A partir de 2004 já toda a gente está na internet e é mais fácil saber o que os artistas estão a fazer.
Cristina Guerra refere que hoje em dia temos um problema, não há um museu com uma exposição permanente de artistas portugueses, só há exposições temporárias e vê-se muito pouco artistas portugueses. Há muitos colecionadores estrangeiros que me perguntam onde podem ver arte portuguesa e eu tenho de os levar às outras galerias. No Museu Reina Sofia há um andar que se vê só arte espanhola. Hoje em dia não se vê os artistas de meia carreira ou se vê os mais velhos ou os muitos novos. O que acontecia era que os diretores dos museus primavam mais pelas coisas estrangeiras do que pelas portuguesas, eu acho que deve ser o meio-termo, que é para se perceber, se contextualizar. O Museu de Serralves está à quatro anos para comprar. Eu costumo dizer que “agora somos um centro cultural”. Há muita gente que vem ver mas não compra. Passos Coelho foi a Serralves a primeira vez na vida à pouco tempo. Isto é incrível, não é? O atual secretário de estado é uma pessoa que percebe, pelo menos que conhece de tudo. Mas o tipo que está a dirigir o Instituto das Artes não percebe absolutamente nada. O Mário Soares, o António Guterres e o Durão Barroso eram pessoas cultas, interessadas que visitavam as galerias.
Cristina Guerra refere que, em 2007, a estratégia da galeria com vista a uma maior visibilidade internacional dos nossos artistas no mercado internacional passou por colocar alguns artistas com quem trabalhava e que tinha exibido para coleções internacionais em leilões da Christie’s e da Philips: “o que acontecia é que tinha de colocar uma obra em leilão e depois teria que ser eu, através de outras pessoas, que as comprava.” Como não temos mercado muitos colecionadores vêm os catálogos das leiloeiras, sobretudo internacionais. Há muita gente, mesmo em Portugal, que estuda arte, mesmo algumas galerias, através das leiloeiras, para verem a evolução da subida do preço do artista.
Cristina Guerra considera que está a haver uma evolução do colecionismo privado em Portugal no sentido de uma maior responsabilidade social e cultural. O interesse deste novo colecionismo é que a arte portuguesa se internacionalize e por isso oferecem obras de artistas portugueses para algumas instituições estrangeiras: “neste momento à colecionadores que compram agora obras, para estarem na Tate. Em que não vai buscar em mecenato nem nada. É uma coisa que é pratica corrente em quase todos os países, inclusivamente o Brasil, e que em Portugal não existe.”    
Cita várias coleções de referência, como a recente coleção da Fundação Miguel Rios, a coleção Elypse está fechada, tem poucos artistas portugueses, é muito mainstream, há uma outra coleção, mas compra poucos portugueses, ele é brasileiro, mas a ideia é mais América do Sul e Médio Oriente que é a do Luís Augusto Teixeira de Freitas, a coleção Cachola é a única exclusivamente de artistas portugueses, sendo um privado que não é banqueiro, nem empresário, é um assalariado, consegue fazer uma coleção que toda agente respeita, e algumas coleções institucionais, a coleção BES Arte, a EDP, e outras que fizeram coleções mas já deixaram de comprar há muito tempo, casos da PT e da Culturgest. “Eu não consigo perceber a falta de interesse dos meios institucionais, ou governamentais, ou estatais, por esta área da arte contemporânea. Porque economicamente são bens transacionáveis. Como é que não há mais apoio, nas aquisições fazer alguma coisa pela cultura, já que o turismo cultural existe e está cada vez mais implantado.”
O que acontece é que normalmente vem uma crise e os colecionadores desaparecem todos e voltam a aparecer outros, estamos sempre num recomeço.
Cristina Guerra refere que tem 70m quadrados em Basileia, e custa-lhe toda a operação 90.000 €, o que é um disparate. A maioria dos artistas que expõe são portugueses, custa mais ou menos 10.000€. Menos o desconto de menos de metade, que é o que ela ganha, normalmente tem prejuízo. A não ser que venda um artista estrangeiro, são peças de 80.000€, 90.000€, 100.000€, 200.000€. Olhando para o lado financeiro e económico eu já devia ter desistido à muito tempo. As galerias portuguesas normalmente vão às feiras de arte da: ARCO, Art Basel, Art Basel Miami, Art Forum Berlim, FIAC, Vienna Art Fair, Art Rio e Xangai. Eu entrei em Miami em 2002 e em 2003. Os colecionadores vão todos às mesmas feiras. Os nossos governantes se forem à ARCO já é muito bom, mas alguns nem isso fazem. Quando eu estava na APGA com Pedro Cera, o Estado apoiava para 2 feiras internacionais com um stand mínimo. No primeiro ano, isto à quatro anos atrás, houve 200.000€, agora já foi reduzido para 100.000€. Aparece umas ajudas fugazes como esta da Joana Vasconcelos, que eu acho completamente idiota.

terça-feira, janeiro 21, 2014

Pedro Oliveira


Pedro Oliveira refere que embrionariamente o mercado da arte começa nos anos 80, em Portugal. A partir de 79-80, quando a situação política começa a acalmar, começam a abrir algumas galerias, timidamente. Foi aí que apareceu a Roma e Pavia por intermédio do meu irmão. Depois em 85 tomei conta da galeria. No início servi-me de alguns amigos, especialmente de Jaime Isidoro, comecei com os artistas da minha geração. Fazia um bocado de mercado / dealing: ia fazendo exposições, pouco a pouco, em tendências novas, mas como tinha que ganhar dinheiro fazia mercado paralelo, por intermédio de amigos, que me arranjavam obras mais caras, como era o caso de Jaime Isidoro. A partir de 90 isto começou a crescer, a explodir e apareceram muitos críticos de arte. A partir daí resolvi mudar de instalações e atirar-me para uma coisa maior, e vim para aqui. Na altura era a maior galeria de Portugal, e comecei a avançar para o mercado internacional e a fazer programação mais internacional. Aventurei-me daqui para fora, a arranjar contactos. Esse foi o meu período de ouro, essa década de 1990 a 2000. Ganhei bastante dinheiro, as coisas correram-me muito bem, trouxe cá nomes de artistas muito interessantes da arte internacional. Apesar de tudo ainda mantive um certo ritmo interessante, até meados de 2000. Foi altura da entrada dos artistas Brasileiros, foi a descoberta do mercado brasileiro. Agora tem 25 artistas e se fizer 6 exposições por ano eles têm de esperar 3 anos, para dar a volta.

Pedro Oliveira é defensor de que as galerias devem estar em rede e não se importa de partilhar colecionadores com outras galerias.

Pedro Oliveira considera que poderia ser interessante haver casas de leilões especializadas em arte contemporânea em Portugal, como a Christie’s ou a Sotheby’s, e que esse facto não iria afetar as galerias: “poderia não afetar tanto se houvesse um historial de casas de leilões boas a nível de arte contemporânea em Portugal, o que nunca houve.”

Pedro Oliveira considera que os leilões em Portugal são uma misturada: é antiguidades com pratas, com arte contemporânea pelo meio. A arte contemporânea até aparece nos leilões mas coisas desgarradas. E tudo o que aparece tem um preço muito baixo, o que é muito mau. A única leiloeira que estava disposta a arriscar em fazer um ou dois leilões de arte contemporânea em Portugal, foi a S. Domingos, no Porto, fizeram-me essa proposta para eu a apresentar à APGA (Associação Portuguesa de Galerias de Arte), só que a APGA não quis arriscar.

Pedro Oliveira refere que havia muito dinheiro no Porto nos anos 80, havia muitos colecionadores, sobretudo na cintura industrial industria têxtil e calçado. Tive também muitos contactos de Espanha, especialmente galegos que vinham aqui ao Porto. A partir de 2000 o Porto entrou em declínio, Lisboa começou a crescer e começaram a aparecer as grandes coleções em Lisboa. As sedes das grandes empresas, algumas começaram a fazer coleções bem estruturadas, profissionais, com advisers, como a Culturgest, a EDP e os Bancos (BES Photo), mas sobretudo de particulares como a sociedade de advogados PLMJ, o Saragga Leal que já era colecionador conseguiu convencer os sócios da PMLJ a formar uma coleção corporativa, e focalizaram-se em gente muito nova, foram ajudados pelo Manuel Amado, que é um crítico de arte e que na altura foi o adviser deles. Não há um artista que comece a ficar famoso que eles não comprem. Começaram também a abrir muitas galerias em Lisboa. Apesar de estar no Porto, vendia muito para Lisboa expunha alguns artistas meus em Lisboa por intermédio de algumas galerias ou instituições, de 2001 a 2008. Depois veio a falência do Banco Lehman Brother e estragou tudo!

Pedro Oliveira refere que as feiras de arte são importantes. Para divulgar, para mostrar e para criar contactos. Cheguei a vender tudo o que tinha, a esvaziar o stand, na Art Basel Suíça, que é o Rolls Royce das feiras de arte. Só que neste momento os portugueses não têm dinheiro para fazer feiras de arte. Não há apoios por parte do Estado e as galerias têm como objetivo prioritário, dado o momento atual da crise, a sobrevivência. Se eu estiver a vender uma peça portuguesa no estrangeiro, estou a exportar uma mercadoria com uma conotação especial ligada à cultura, que é uma embaixada importante, é uma mais-valia para o nível da imagem do país.

quinta-feira, janeiro 16, 2014

Colecionadores de Arte Moderna e Contemporânea

Luís Castelo Lopes refere que o conceito de investimento em arte começa em 1973 ou 74 em que o fundo de pensões do caminho-de-ferro inglês tinha dinheiro que era uma coisa absurda e acharam que havia hipóteses de ser rentabilizado alguma daquele dinheiro. E então agarraram em 0,4% do seu fundo, que foram nessa altura 40 Milhões de Libras, e entregaram a um comité presidido por um sujeito da Sotheby’s. E começaram a vender 10 anos depois, em 83 e venderam até 89. Dos 40 milhões iniciais, eles fizeram 280 milhões. E havia num sei quantos curadores que aconselhavam.

O facto de haver várias coleções feitas sem critério desde meados dos anos 80 para cá, em Portugal, foram compradas por aconselhamento às vezes não muito bom. Estas coleções foram feitas em geral num curto espaço de tempo, de cinco a dez anos. Uma outra realidade, refere, é a coleção feita ao longo de vários décadas, vinte, trinta anos, pensadas, e geralmente melhor sucedidas em termos de investimento. Pela sua experiência também ligada ao mercado de antiguidades, as coleções de família, de gerações, que englobam, para além da pintura, o mobiliário, as pratas, as porcelanas, são uma tradição de um determinado tipo de colecionismo em Portugal que desapareceu.

Relativamente ao colecionismo de arte Fernando Santos aponta a escassez de colecionadores: não há muitos colecionadores. “Há poucas coleções a que se possa chamar coleção.” E salienta como boas coleções a de Ilídio Pinho, com cerca de 700 obras, lamentando o facto de este projeto ter parado. A coleção Berardo também é mencionada como sendo uma boa coleção.

Jaime Isidoro, em 2004, sobre o colecionismo em Portugal afirmava “não há ou há pouco. Há duas grandes coleções de artes portuguesa, que é a minha, com cerca de 500 peças, feita ao longo de 50 anos, e a do Manuel Brito, fui eu que iniciei Jorge de Brito. A coleção Berardo não é de arte portuguesa, a arte portuguesa está mal representada.

Manuel de Brito refere em 2005 a escassez de colecionadores “não há muito. Há o grupo de advogados o Saragga Leal”.

Pedro Alvim refere também esta tradição de colecionismo de arte clássica e de antiguidades como sendo uma realidade ao longo de todo o Estado Novo.

Para Peter Meerker o reflexo da crise económica no mercado da arte em Portugal, já de si estreito, a situação é dramática. “Nós vamos às galerias e não há vendas, o mercado é estreitíssimo.” O papel do colecionador é muito importante porque as suas coleções estão depositadas em museus, se analisamos a história e virmos as grandes obras de arte em todo o mundo, na sua génese elas começaram por ser adquiridas por um colecionador.
 
Joe Berardo refere que a aquisição inicial das obras foi feita pelo Francisco Capelo, aproveitando uma conjuntura favorável de baixa de preços em finais dos anos 80. A arte portuguesa, em 2003, estava representada com cerca de 40 obras num total de cerca de 660.
Hargreaves, Manuela – Colecionismo e Mercado de Arte em Portugal, O Território e o Mapa. Porto: Edições Afrontamento, 2013.

quarta-feira, janeiro 15, 2014

Leiloeiras de Arte Moderna e Contemporânea

À medida que este mercado de arte se começou a valorizar e a ser aliciante, várias leiloeiras surgiram em Portugal e se associaram a esta vertente de interesse pelo mercado da arte contemporânea, principalmente a partir de 2000.

Os leilões constituem um marco de referência essencialmente económico sobre o estado do mercado da arte. Dado o seu caráter público, aberto e publicitado, servem de guia para aferir a cotação do artista.

 Essencialmente vocacionadas para a comercialização de arte, antiga ou moderna, as casas leiloeiras têm vindo a assegurar a sua entrada na arte contemporânea nestes últimos anos.

A leiloeira Palácio do Correio Velho foi criada em 1990. Atualmente para além do Palácio do Correio Velho e da Cabral e Moncada, de Lisboa, a World Legend (Leiria & Nascimento), a S. Domingos e a Marques dos Santos, no Porto, são algumas das que operam neste mercado.

Pedro Alvim refere que em 1996, quando a Cabral Moncada Leilões foi criada, era uma empresa muito residual. Eu vim para cá em 99 e era uma empresa como no início, muito pequena. De facto a arte moderna e contemporânea era completamente residual. O primeiro leilão de arte moderna e contemporânea foi realizado em 2007 e a partir daí fazem um leilão anual só para o mercado de arte moderna e contemporânea. As leiloeiras que tradicionalmente existiam no mercado português até 2000-2002 dedicavam-se todas elas ao mercado de antiguidades.

Fernando Santos considera que atualmente as leiloeiras e as galerias colidem mais, há muita oferta, há quem venda apreços baixos por necessidade, mas há quem utilize as leiloeiras para “jogos de estratégia”. Construíram-se alguns artistas assim, mas isso acontece mais no mercado internacional.

Hargreaves, Manuela – Colecionismo e Mercado de Arte em Portugal, O Território e o Mapa. Porto: Edições Afrontamento, 2013.

terça-feira, janeiro 14, 2014

Museus de Arte Moderna e Contemporânea


Manuel de Brito refere que os anos 50 foram um período de pobreza franciscana que estava ligado à política, primeiro os diretores dos museus eram académicos, reacionários, tínhamos um presidente de conselho que não sabia nada de arte e depositava confiança num indivíduo chamado Eduardo Malta, que era diretor do que é hoje o Museu do Chiado, era o Museu de Arte Contemporânea. Ali não entrava ninguém que não fosse académico como ele era. Ganhar a vida com arte só por encomenda, sobretudo escultores, e as encomendas eram do Estado Novo, através de António Ferro, era um individuo sensível e responsável pela propaganda.

O Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian foi inaugurado em 1983. “Era no tempo em que a obra de arte moderna quase não tinha aceitação em Portugal”.

Joe Berardo refere em relação aos museus que a aferição dos artistas nem sempre é a mais acertada e está sujeita ao gosto do diretor do museu que está a exercer o cargo no momento.

Julião Sarmento destaca a falta de um museu de arte contemporânea em Portugal, e o facto de esse papel ser preenchido por instituições privadas como a Gulbenkian ou Serralves. “Não há museus; Portugal é o único país europeu que não tem um museu de arte contemporânea do Estado. O Museu do Chiado é um museu do séc. XIX, é do tamanho de uma caixa de uma casca de noz.”

Fernando Santos refere que Serralves está a perder poder, neste momento. Teve um diretor muito importante, o João Fernandes. Cansou-se, porque as coisas não funcionavam bem e não havendo verbas para programação as pessoas acabam por desmotivar e cansar-se.

Hargreaves, Manuela – Colecionismo e Mercado de Arte em Portugal, O Território e o Mapa. Porto: Edições Afrontamento, 2013.

segunda-feira, janeiro 13, 2014

Galerias de Arte Moderna e Contemporânea


A escassez do mercado galerístico em Portugal, a primeira galeria surgiu em 1954, de Jaime Isidoro (pintor) com a Galeria Alvarez, no Porto, embora tivesse estado fechada vários anos, e em 1964 a Galeria 111 de Manuel de Brito, em Lisboa.
Conforme refere Jaime Isidoro “Não houve mercado, as exposições faziam-se, colocavam-se os quadros e retiravam-se sem se venderem”, Manuel de Brito refere o mesmo panorama desertificado do nosso mercado artístico “Nessa altura era impensável alguém ter um projeto de galeria comercial”. Manuel de Brito considera que o período de maior crise foi o que se seguiu ao 25 de Abril de 1974, porque praticamente fecharam quase todas as galerias.
Manuel de Brito refere que as duas primeiras exposições que fez de Paula Rego não venderam um único quadro. Começa a ter uma convivência mais direta com artistas plásticos numa livraria universitária que tinha ao lado da Faculdade de Ciências de Lisboa, num espaço de 3x4 metros, depois foram vagando estabelecimentos e eu fui adquirindo esses espaços. Nunca me passou pela cabeça ser colecionador, tinha alguns amigos que me davam algumas coisas, mas coisas que eles não atribuíam grande valor, nem eu, porque não havia os números a sobrecarregar a ideia que aquilo era um valor. E não sei porquê os artistas foram aparecendo: “porque é que não fazes aqui uma galerazinha? Tinhas os teus amigos e tal”, “mas isso não me dá nada e o meu sócio ex-patrão dizia: mas isso dá alguma coisa da arte?”, “Não dá nada” mas eu gosto de fazer coisas que nem todos têm à partida um interesse materialista.”
José Augusto França chama a atenção para o facto de o “Clube dos Cem” – exclusivo grupo de cem membros, apaixonados por colecionar arte que contribuem com cem escudos para um fundo comum, que seria aplicado na compra de obras de artistas portugueses vivos, mediante um sorteio – movimentavam verbas superiores às do Museu Nacional de Arte Contemporânea. Embora a atividade tenha cessado em 1968, após dois anos de existência do clube, Manuel Brito, tesoureiro durante o tempo de atividade desse núcleo, viria a canalizar alguns desses contactos para a sua carteira de clientes, em franco crescimento. 
Manuel de Brito refere que inicialmente pediu a um amigo, a um escultor que o ajudasse a confirmar as suas escolhas, mas durou um ano. Nessa altura não havia críticos de arte, o amadorismo, as amizades, também havia pequenos grupos, o grupo de José Augusto França e o grupo da Galeria de Março que acabou. 

Relativamente à evolução do panorama galerístico, nos anos 70 regista-se a inauguração de galerias, tendo vivido toda a primeira fase da sua existência um período de forte agitação política e social e de quase inexistência de mercado de arte, conforme é referido por Alexandre Melo.
Os galeristas Fernando Santos e Pedro Oliveira, do Porto, e Cristina Guerra, de Lisboa, surgem na cena artística 20 anos depois, abrangendo os efervescentes 80, e anos seguintes.
Fenando Santos refere que o nosso mercado é pequeno, com proeminência de Lisboa, onde está situada a maior parte das instituições, tornando-se assim difícil a gestão de uma galeria em Lisboa e no Porto. Iniciou a sua atividade de galerista nos anos 80, a convite da Galeria Nasoni, no Porto, com um projeto que veio trazer alguma dinâmica ao mercado da arte. A Nasoni surge numa altura próspera, estava bem posicionada, tinha boas relações com os meios de negócios. Tornou-se uma referência do mercado da arte em Portuga. Neste momento o mercado da arte cresceu: Há cada vez mais artistas e com mais visibilidade. Há mais galerias. Há mais feiras de arte. Há mais coleções privadas. A internet e as redes sociais, que há 30 anos não existiam, vieram revolucionar de uma forma drástica a difusão da informação e da comunicação. O mercado português abriu-se ao mundo.
Julião Sarmento salienta que hoje o que interessa para a internacionalização é o poder das grandes galerias, dos grandes colecionadores, dos consultores de arte, e dos curadores internacionais, afastando assim a hipótese de qualquer galeria portuguesa conseguir colocar um artista português no topo dessa internacionalização porque Portugal não tem poder para isso.
Hargreaves, Manuela – Colecionismo e Mercado de Arte em Portugal, O Território e o Mapa. Porto: Edições Afrontamento, 2013.

sábado, janeiro 11, 2014

Manuela Hargreaves - Colecionismo e Mercado de Arte em Portugal


 
Hargreaves, Manuela – Colecionismo e Mercado de Arte em Portugal, O Território e o Mapa. Porto: Edições Afrontamento, 2013.

Manuela Hargreaves traça neste livro o panorama da arte moderna e contemporânea em Portugal. O pequeno mundo da arte portuguesa onde são quase inexistentes os estudos de fôlego dedicados ao colecionismo, ao mercado e, em geral, àquilo que poderíamos chamar as condições materiais da circulação e da receção dos objetos artísticos.

Um número enorme de artistas fizeram o corpo do que se pode chamar uma arte portuguesa, isto é, uma arte que acompanha, em diálogo fecundo, as grandes questões que se levantam à arte no plano internacional, sem todavia ter que se fazer fora de Portugal, ao longo do séc. XX, e a começar com Amadeo, o facto é que, nos planos cultural, económico e simbólico, o país não soube acompanhar esse imenso acontecer.

No plano cultural, desde logo, ao ver o seu primeiro museu de arte contemporânea, a recém-criada Fundação de Serralves, abrir as suas portas quando o séc. XX havia já terminado. Nenhuma instituição pública, portanto, já que solitariamente coube à Gulbenkian, fundação privada, colmatar em parte essa falha. Não haverá muitos outros exemplos de tal inanidade na Europa civilizada.

Também a critica, assim como a história da arte, em Portugal, foram instituições mancas e lentas a acompanhar o essencial do trabalho dos artistas, só na segunda metade do século se começou a assistir a um esforço mais sistemático de levantamento e de atenção crítica à contemporaneidade da produção artística, já que na primeira metade do século, a reflexão sobre a arte foi escassíssima e as mais das vezes ficou entregue à mera descrição jornalística. Foi preciso esperar pelos anos 70 do séc. XX para aparecer uma primeira síntese do séc. XX devida a José Augusto França. Os jornais dedicam cada vez menos espaço à divulgação dessa atividade, tendo desaparecido as poucas revistas de arte que brevemente existiram. Neste sentido a imprensa falhou.

No plano económico, o séc. XX foi igualmente um deserto. Apesar de terem surgido alguns colecionadores, Augusto Abreu e Jorge de Brito, falhou em Portugal a construção sustentada de um mercado da arte sólido, capaz de dar consistência à circulação e venda das obras de arte e tudo ficou confinado à atividade pioneira e histórica de duas galerias, a Alvarez de Jaime Isidoro e a 111 de Manuel de Brito, já que todas as demais não passaram de experiência tímidas e temporárias.

A maior parte dos artistas portugueses, por muito interessante que seja o seu trabalho ficou confinada à estreiteza medíocre de um cultura que descrê de si mesma e cujos responsáveis são essencialmente incultos.

A atividade artística relevante passava quase toda pela Sociedade Nacional de Belas Artes (S.N.B.A.), nas décadas de 60-70.