domingo, novembro 28, 2010

Ana Ruivo

Ana Ruivo foi a investigadora responsável pela selecção das obras da colecção de Arte Abstracta do Millennium BCP. Esta colecção é ampla na dimensão e na cronologia que abrange, diversificada nos suportes, variada na proveniência. Resulta de uma herança de longo percurso que associa, numa só, a história de várias instituições financeiras. Fundidas sob a designação Millennium bcp desde 2003, foram incorporadas na empresa diferentes entidades bancárias e com elas, o património, os contextos, os discursos artísticos que cada uma reuniu, experimentou e absorveu enquanto exercia actividade.

Concebida a diferentes tempos, a colecção é consequência de quatro eixos fundamentais do ponto de vista patrimonial: o que se formalizou por via do Banco Comercial Português, criado em 1985, o que através dele se adicionou pela incorporação do Banco Mello em 2000, e com ele o que tinha sido anterior pertença da União de Bancos Portugueses, fruto da nacionalização, em 1978, dos bancos de Angola, Agricultura e Pinto de Magalhães, e privatizado em 1996 quando o Banco Mello o adquiriu; o que absorveu a extensa genealogia financeira do Banco Português do Atlântico e por fim, o reunido através do Banco Pinto & Sotto Mayor. Necessariamente eclética na sua natureza, congregando linguagens que vão da pintura ao desenho, gravura, fotografia, tapeçaria, cerâmica, mobiliário, numismática e medalhística, a colecção do Millennium bcp revela-se um campo de investigação frutífero: pelo estudo aprofundado dos seus núcleos disciplinares e as abordagens temáticas, transversais a cronologias, que permite; pela evidência de uma de uma história fecundada que se conta através das obras de arte e cruza em simultâneo os terrenos cultural e económico, na dinamização mútua da criação, do mercado artístico e das estratégias empresariais. Adquiridas para decoração de imóveis, inseridas em políticas mais complexas de transacções e incorporações de bens, transferidas a par das instituições a que estavam associadas ou guardadas em reserva, as obras de arte coligidas investem actualmente o Millennium bcp como depositário de um património inestimável do ponto de vista artístico, histórico e estético cuja responsabilidade de salvaguarda, valorização e fruição deve ser partilhadas por todos os colaboradores. E é neste quadro de diversidade e de responsabilidade social da empresa que algumas acções têm sido promovidas com vista à consolidação de um corpo de referência (disponibilizando obras do acervo para exposições capitais ou trazendo à colecção o olhar de diferentes especialistas de forma a contextualizar e valorizar o património reunido), à sua partilha com o público, impulsionando-a como estrutura geradora de conhecimento, identidade e cidadania.

A exposição itinerante Arte Partilhada, concebida pelo Millennium bcp com obras da sua colecção de pintura, marcou uma etapa neste processo e construiu um modo de inscrição de obras de arte que andavam arredadas da visualização pública no pensamento historiográfico da arte. Ainda que assumida pelo Millennium bcp como uma selecção institucional que referenciava algumas obras destacadas da colecção numa exposição intencionalmente plural, assente no paradigma metodológico de “uma obra – um autor”, escolhidos transversalmente ao longo de quase dois séculos, esta colectânea de 41 peças, revelava quanto a nós três aspectos importantes: a preponderância disciplinar da pintura na colecção, a sua amplitude cronológica e a diversidade de propostas visuais e de autores representados.

Se a experiência pictórica foi, na história da colecção do Millennium bcp, matricial na escolha das obras, revelando uma evidente apetência pela recepção desta linguagem, a verdade é que tal facto permitiu, sem que isso formalizasse um programa de aquisições pré-definido, a sua unidade em longa duração, com inúmeras possibilidades de reflexão. Permitiu igualmente que se fossem constituindo áreas de interesse, temáticas recorrentes e alguns núcleos autorais consistentes. Uma dessas áreas, porventura a que maior divulgação tem junto de um público especializado, prende-se com um interesse manifesto pela corrente naturalista que conduziu à reunião de obras de artistas como José Malhoa, Sousa Pinto, Carlos Reis, Alves Cardoso e João Vaz, entre outros. Mas outros há, mais singularizados, que permitem olhares igualmente unificadores e consolidam a percepção de muitos caminhos que artistas e coleccionadores percorreram na sua relação com a pintura.

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