Nuno Crespo, ípsilon o
melhor de 2014
Em 2014, houve uma
insistência na exposição antológica e uma deslocação da atenção nas obras para
a atenção no artista.
Indiscutivelmente e a muitos
níveis este ano será marcado pelo fim do BES e por todas as consequências desse
fim. Nas artes visuais a falência do banco trouxe o fim do Avenida 211, um
espaço de ateliers e de exposições com enorme qualidade, diversidade e onde se
puderam assistir a exposições notáveis que dificilmente encontrariam outro
contexto para serem desenvolvidos.
O que predomina é a crise e
neste cenário a pergunta que mais recorrentemente todos fazem é: até quando? E
esta não é só uma pergunta pela recuperação da saúde e dinamismo do mercado da
arte, mas essencialmente uma pergunta por um outro contexto institucional em
que obras, autores e público se possam relacionar de um modo mais livre,
diverso e arriscado. E uma das expressões desta ausência de risco está na inexistência
de exposições coletivas, de investigação, em que a atenção monográfica sobre os
autores dá lugar à construção de um pensamento com e a partir de obras de arte
singulares.
Há as exceções conhecidas em
que outras geografias da arte e do mundo são trazidas a debate, mas na sua
generalidade assiste-se a uma deslocação da atenção nas obras para a atenção no
artista e a uma insistência na exposição antológica, na afirmação da autoridade
de um autor, na confirmação de um percurso.
Não se trata de minorar
autores individuais e o papel fundamental que alguns deles têm ao conseguirem,
através das suas obras, iluminar todo um tempo e uma geração em conjunto com as
suas aflições e transformações, mas trata-se de constatar o domínio de uma
tipologia expositiva e daí retirar consequências. Esta é uma situação para a
qual todos contribuem — os jornais e a sua ideia de informação, a crítica, as
direções dos museus e centros de arte e o predomínio das análises estatísticas,
a sua obsessão pelo público como principal critério de gestão cultural e
programação, etc. — e em que predomina o preconceito do sucesso: os espaços
expositivos são hoje lugares dos casos de sucesso de onde estão ausentes a
experimentação, a investigação, os projetos exploratórios e o risco a eles
associados.
A primeira consequência
desta transformação é que as exposições são hoje, sobretudo, reflexo das
dinâmicas do mercado e não expressão da singularidade das propostas artísticas,
nem tão-pouco materializam linhas de pensamento sobre a realidade, a qual se
questiona, investiga e se tenta alterar. Muitas vezes e motivado pelo forte
constrangimento financeiro, é o mercado que possibilita exposições, são os seus
agentes que através de generosos patrocínios possibilitam e viabilizam
exposições, pagam catálogos, oferecem obras a troco da promoção e valorização
do conjunto certo de artistas. E as exposições que requerem mais investigação,
mais tempo, maiores riscos são secundarizadas e esquecidas. Trata-se do
predomínio do artista bem-sucedido (sendo que os critérios de sucesso são
muitos e variados) e da ausência de exposições que pensem a nossa condição
presente, isto é, exposições que sem caução e sem as garantias da história da
arte, dos seus acontecimentos consagrados e longe dos seus protagonistas
principais arrisquem pensar os paradoxos do quotidiano.
Num importante texto Alison
Gingeras, conhecida historiadora de arte americana, dizia numa importante
revista de arte, a ArtForum, sobre um artista: não interessa pensar
sobre as suas obras, elas são imunes a tudo o que sobre elas se disser, porque
o seu autor através da mitologia que sobre si forjou e do sucesso obtido,
conseguiu tornar as suas obras indiferentes a qualquer disputa e, com isso,
garantir no olimpo da história um lugar de destaque para toda a sua obra. O
texto de Gingeras é sobre Jeff Koons, mas ele serve aqui como ilustração e
sintoma da deslocação da atenção que temos vindo a descrever em que os autores
colocam à sua sombra o seu trabalho e, assim, o eclipsam.
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